São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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GOVERNO E IMPRENSA

Gushiken diz que critério não deveria ser "explorar contraditório"; para Lula, governo não pode pedir elogio

Ministro cobra "agenda positiva" da mídia

WILSON SILVEIRA
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em audiência ontem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e representantes de sindicatos da categoria de todo o país, o ministro Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica) afirmou que o critério da imprensa deveria ser a "agenda positiva", e não a "exploração do contraditório, que fomenta discórdias e conflitos de egos".
Lula discursou em seguida e amenizou o tom da crítica, afirmando que o governo espera construir uma "relação leal" com os meios de comunicação e com os profissionais de imprensa.
"Leal é a relação em que, em nenhum momento, o governo deve pedir ao jornalista para falar bem dele e, em nenhum momento, o jornalista deve falar mal porque quer falar mal. Se nós todos estivermos em busca da verdade e apenas a verdade nos interessar, seremos mais amigos, viveremos num país mais tranqüilo e estaremos contribuindo para que a democracia seja verdadeira."
Ao criticar a imprensa, Gushiken disse que, "na etapa histórica da comunicação de massa, a imprensa opera com o raciocínio que é explorar o contraditório. Eu penso que a exploração do contraditório, muitas vezes, pode fomentar discórdias e conflitos de egos, quando na verdade são apenas disputas de idéias, o que é normal num processo de debate".
O ministro destacou, então, a necessidade de espaço a uma agenda positiva: "No estágio brasileiro, acho que um critério importante é o da agenda positiva. Acho que o povo brasileiro tem necessidade de saber de empreendimentos positivos que a sociedade está oferecendo, seja por conta de décadas e décadas de dificuldade que o país vem atravessando, seja porque o cidadão precisa ver o lado positivo das coisas". Para Gushiken, a sociedade está ávida por boas notícias. "Os leitores, telespectadores e ouvintes estão ansiosos para saber aquilo que germina em termos de coisas boas."
A Secretaria de Comunicação distribuiu à noite uma nota sobre o discurso do ministro, após a repercussão na internet. Segundo a Secom, não houve e não há restrição ao trabalho crítico da imprensa. "A imprensa é fundamental para que o governo reavalie eventuais erros e confirme acertos", afirma a nota. Para a assessoria, o ministro só criticou o fato de que, em alguns momentos, "questões menores são amplificadas".
A Secom afirma que o ministro não se referiu à agenda do governo quando usou o termo "agenda positiva". Segundo a nota, ele se referia à agenda da sociedade.
A assessoria de Gushiken afirmou também que "certas divergências normais no governo recebem tratamento de conflito, discórdia ou falta de unidade, o que não corresponde à verdade".
"Sobre o viés da mídia, que tem dificuldade de ressaltar o positivo, não há nenhuma crítica sobre o papel institucional da imprensa: criticar, fiscalizar e cobrar dos governantes ações que possam beneficiar o interesse coletivo. O que há, nessa questão, como os próprios meios de comunicação indicam, por meio de suas pesquisas, é um certo desgaste emocional, um cansaço do leitor, ouvinte, telespectador, com uma carga intensa de informações negativas."

Conselhos
A audiência foi marcada para ontem por ser o Dia do Jornalista. Também participaram os ministros Ricardo Berzoini (Trabalho) e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), além do secretário de Imprensa do Planalto, Ricardo Kotscho, e do porta-voz, André Singer. Foram convidados ainda jornalistas que cobrem o Planalto.
A Fenaj pediu a Lula que envie ao Congresso projeto que cria um conselho federal e conselhos regionais de jornalismo, assunto em discussão no Ministério do Trabalho. O objetivo dos órgãos, segundo a presidente da Fenaj, Beth Costa, é fiscalizar o exercício da profissão e a qualidade do ensino.
"Acho simpática a idéia de criar um conselho, acho que é preciso fiscalizar melhor a formação dos nossos jovens, porque o jornalista trabalha com uma coisa muito poderosa, que é a caneta e o espaço no jornal", respondeu Lula.
Segundo o presidente, o conselho poderia orientar os jornalistas dos pontos de vista ético, profissional e cultural. "Obviamente, alguns irão dizer que isso é intromissão na autonomia, que é ingerência, mas é só pegar os jornalistas de hoje, que são muito jovens, e, nesse caso, acho que uma instituição dessa poderia contribuir com a formação do profissional."
Lula afirmou que torce para que o movimento sindical dos jornalistas "possa recuperar no menor tempo possível o prestígio e a representatividade que já teve".
Segundo ele, depois do fracasso da greve de jornalistas em 1979, "houve um retrocesso muito grande, porque, naquele momento, os empresários provaram que é possível fazer jornal sem jornalista". O presidente lembrou que, naquela greve, participou de um piquete na porta de "O Estado de S.Paulo", durante o qual os "piqueteiros" estavam lendo o jornal, que não deixou de circular.
Em 23 de maio de 1979, jornalistas de São Paulo iniciaram uma greve, reivindicando 25% de aumento salarial. A adesão foi alta nos principais jornais, que, no entanto, não deixaram de circular, mesmo com edições precárias.
A greve acabou seis dias depois, em 29 de maio, diante da evidência de que os jornais continuavam a ser publicados e após o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) ter julgado a paralisação ilegal na véspera. No mesmo dia, havia fracassado a última tentativa de conciliação entre as partes na Justiça.
"Espero que vocês recuperem seu prestígio. Não basta ter curso superior para ter consciência política. Em segundo [lugar], os donos dos jornais trabalharam de forma muito forte e dura para tentar quebrar a espinha dorsal do jornalista, primeiro com a contratação de jornalistas fora das regras, terceirizados, como pequena empresa, e aí todo mundo sabe o que acontece", afirmou Lula.


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