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CELSO PINTO
As batalhas da Argentina
A Argentina está envolvida em duas batalhas vitais.
A de curto prazo, que está sendo
razoavelmente bem-sucedida, é
afastar os temores de um colapso iminente. A de longo prazo é
mais complicada: provar que
pode voltar a crescer de forma
acelerada, como nos primeiros
anos de seu regime de câmbio fixo.
O risco de curto prazo aumentou pela soma de vários fatores.
O pacote fiscal do ano passado
deveria aumentar a arrecadação em US$ 1,9 bilhão este ano.
Nos primeiros cinco meses, a receita subiu apenas 0,4%. Ficou
claro que o programa com o
FMI estava em risco, num momento em que aumentava o
nervosismo no mercado externo
e os juros cobrados à Argentina.
O governo anunciou um pacote de corte de gastos de US$ 538
milhões este ano, algumas reformas e está indo à luta para reverter as expectativas. Enquanto o ministro da Fazenda foi aos
Estados Unidos, dois secretários
seus, Daniel Marx e Carlos Winograd, vieram ao Brasil explicar o novo pacote e os planos de
médio prazo.
Para sorte da Argentina, seu
pacote coincidiu com uma guinada positiva no clima externo
que levou a uma redução geral
dos juros para os países emergentes. No caso da Argentina, a
taxa caiu 2,5 pontos percentuais, lembrou ontem Winograd, mas é difícil separar o que
foi efeito pacote do que veio da
melhoria geral.
O fato é que a Argentina voltou com sucesso ao mercado externo e acalmou as expectativas.
Guillermo Mondino, economista da Fundación Mediterránea
(de onde saiu o ex-ministro Domingo Cavallo), acha que a
aposta de curto prazo do governo embute outros ingredientes.
O governo quer se assegurar
que cumprirá a meta do FMI
para o segundo trimestre, graças
a três "passos de mágica", como
classificou numa palestra que
fez, em São Paulo, a clientes do
banco CSFB-Garantia. Uma
moratória de impostos renderá
mais US$ 100 milhões entre
maio e junho. Uma mudança
na estrutura do imposto sobre o
lucro renderá US$ 300 milhões
em junho. Uma operação, ontem, de troca ("swap") de dívida, deverá render mais de US$
300 milhões como receita pela liberação de colaterais.
São três fontes não permanentes de recursos, mas que ajudarão a cumprir as metas do segundo trimestre. No terceiro trimestre, Mondino acha impossível cumprir a meta do FMI. A
aposta é que, com a melhora no
ambiente e algumas reformas
andando, fique mais fácil renegociar as metas sem causar
traumas.
O secretário Daniel Marx admite que a receita de US$ 1,9 bilhão não deve se realizar e que
poderá haver "compensações".
Não discute a hipótese de renegociação de metas com o FMI,
mas ressalta a importância de o
Fundo estar "entendendo as
mudanças de médio e longo
prazos".
Mondino acha que o crescimento não passa de 2,5% este
ano, enquanto o governo insiste
em 4%. Só o crescimento de 15%
na exportação garante 1,5% de
PIB, estima Winograd.
No crescimento está a segunda
batalha, a de médio e longo prazos. O câmbio fixo acumulou
uma valorização real de 15%,
desde 91, e de 20% em relação
ao Brasil desde a desvalorização
do real (que Winograd projeta
que cairá para 9% a 13% até o
final do ano). Não são números
insuperáveis, mas vêm acompanhados de indicadores ruins para a competitividade argentina.
Mondino lembra que os preços dos serviços públicos subiram 30% acima dos preços por
atacado (que refletem os preços
industriais) desde 96, pressionando os custos. De 95 a 99, a
produtividade total de fatores
americana cresceu 8%; a Argentina cresceu 5,3%. Em 99, a produtividade caiu 5,5% e, este
ano, deve ficar em torno de zero.
A produtividade é fundamental
para compensar a valorização
do câmbio. A taxa de investimentos caiu 8% desde 98.
O governo argentino quer atacar o problema da competitividade liberando o mercado de telefonia, flexibilizando investimentos privados em infra-estrutura, tocando ambiciosas reformas trabalhista e na saúde, e
tentando, gradualmente, criar
regras para os gastos dos Estados. É suficiente? Depende muito do cenário externo e da percepção dos mercados.
E quais seriam os riscos de crise? Desvalorização é um risco
quase nulo: 90% da dívida pública e 80% da privada são em
dólares. Os créditos em dólares
do setor privado não-financeiro
são 180% superiores aos depósitos em dólares. Mondino pondera que não há hipótese de a Argentina desvalorizar sem fazer
junto uma moratória (uma
combinação explosiva à la Rússia). Se sofrer um ataque forte
contra a moeda, a saída será dolarizar, não desvalorizar.
O risco de uma corrida bancária é pequeno. Vários instrumentos de liquidez garantem
hoje 44% dos depósitos bancários argentinos; na complicada
crise do México, a perda de depósitos foi de 18%. O risco de um
estrangulamento dos financiamentos externos é relativo: 61%
das necessidades deste ano já estão contratadas e, se usar disponibilidades do FMI e outras, a
Argentina ganha fôlego para
passar 2001 sem um colapso.
Se não houver uma forte crise
externa, o maior risco, para
Mondino, é o de o país ficar atolado num crescimento medíocre, na casa dos 2% a 3% ao
ano, por vários anos. Ao desgaste econômico se somaria um
enorme desgaste político.
E-mail -
CelPinto@uol.com.br
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