São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2000


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CELSO PINTO
As batalhas da Argentina

A Argentina está envolvida em duas batalhas vitais. A de curto prazo, que está sendo razoavelmente bem-sucedida, é afastar os temores de um colapso iminente. A de longo prazo é mais complicada: provar que pode voltar a crescer de forma acelerada, como nos primeiros anos de seu regime de câmbio fixo.
O risco de curto prazo aumentou pela soma de vários fatores. O pacote fiscal do ano passado deveria aumentar a arrecadação em US$ 1,9 bilhão este ano. Nos primeiros cinco meses, a receita subiu apenas 0,4%. Ficou claro que o programa com o FMI estava em risco, num momento em que aumentava o nervosismo no mercado externo e os juros cobrados à Argentina.
O governo anunciou um pacote de corte de gastos de US$ 538 milhões este ano, algumas reformas e está indo à luta para reverter as expectativas. Enquanto o ministro da Fazenda foi aos Estados Unidos, dois secretários seus, Daniel Marx e Carlos Winograd, vieram ao Brasil explicar o novo pacote e os planos de médio prazo.
Para sorte da Argentina, seu pacote coincidiu com uma guinada positiva no clima externo que levou a uma redução geral dos juros para os países emergentes. No caso da Argentina, a taxa caiu 2,5 pontos percentuais, lembrou ontem Winograd, mas é difícil separar o que foi efeito pacote do que veio da melhoria geral.
O fato é que a Argentina voltou com sucesso ao mercado externo e acalmou as expectativas. Guillermo Mondino, economista da Fundación Mediterránea (de onde saiu o ex-ministro Domingo Cavallo), acha que a aposta de curto prazo do governo embute outros ingredientes.
O governo quer se assegurar que cumprirá a meta do FMI para o segundo trimestre, graças a três "passos de mágica", como classificou numa palestra que fez, em São Paulo, a clientes do banco CSFB-Garantia. Uma moratória de impostos renderá mais US$ 100 milhões entre maio e junho. Uma mudança na estrutura do imposto sobre o lucro renderá US$ 300 milhões em junho. Uma operação, ontem, de troca ("swap") de dívida, deverá render mais de US$ 300 milhões como receita pela liberação de colaterais.
São três fontes não permanentes de recursos, mas que ajudarão a cumprir as metas do segundo trimestre. No terceiro trimestre, Mondino acha impossível cumprir a meta do FMI. A aposta é que, com a melhora no ambiente e algumas reformas andando, fique mais fácil renegociar as metas sem causar traumas.
O secretário Daniel Marx admite que a receita de US$ 1,9 bilhão não deve se realizar e que poderá haver "compensações". Não discute a hipótese de renegociação de metas com o FMI, mas ressalta a importância de o Fundo estar "entendendo as mudanças de médio e longo prazos".
Mondino acha que o crescimento não passa de 2,5% este ano, enquanto o governo insiste em 4%. Só o crescimento de 15% na exportação garante 1,5% de PIB, estima Winograd.
No crescimento está a segunda batalha, a de médio e longo prazos. O câmbio fixo acumulou uma valorização real de 15%, desde 91, e de 20% em relação ao Brasil desde a desvalorização do real (que Winograd projeta que cairá para 9% a 13% até o final do ano). Não são números insuperáveis, mas vêm acompanhados de indicadores ruins para a competitividade argentina.
Mondino lembra que os preços dos serviços públicos subiram 30% acima dos preços por atacado (que refletem os preços industriais) desde 96, pressionando os custos. De 95 a 99, a produtividade total de fatores americana cresceu 8%; a Argentina cresceu 5,3%. Em 99, a produtividade caiu 5,5% e, este ano, deve ficar em torno de zero. A produtividade é fundamental para compensar a valorização do câmbio. A taxa de investimentos caiu 8% desde 98.
O governo argentino quer atacar o problema da competitividade liberando o mercado de telefonia, flexibilizando investimentos privados em infra-estrutura, tocando ambiciosas reformas trabalhista e na saúde, e tentando, gradualmente, criar regras para os gastos dos Estados. É suficiente? Depende muito do cenário externo e da percepção dos mercados.
E quais seriam os riscos de crise? Desvalorização é um risco quase nulo: 90% da dívida pública e 80% da privada são em dólares. Os créditos em dólares do setor privado não-financeiro são 180% superiores aos depósitos em dólares. Mondino pondera que não há hipótese de a Argentina desvalorizar sem fazer junto uma moratória (uma combinação explosiva à la Rússia). Se sofrer um ataque forte contra a moeda, a saída será dolarizar, não desvalorizar.
O risco de uma corrida bancária é pequeno. Vários instrumentos de liquidez garantem hoje 44% dos depósitos bancários argentinos; na complicada crise do México, a perda de depósitos foi de 18%. O risco de um estrangulamento dos financiamentos externos é relativo: 61% das necessidades deste ano já estão contratadas e, se usar disponibilidades do FMI e outras, a Argentina ganha fôlego para passar 2001 sem um colapso.
Se não houver uma forte crise externa, o maior risco, para Mondino, é o de o país ficar atolado num crescimento medíocre, na casa dos 2% a 3% ao ano, por vários anos. Ao desgaste econômico se somaria um enorme desgaste político.
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