São Paulo, terça, 8 de julho de 1997.



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CELSO PINTO
Lucro fácil em dólares

Desde os velhos tempos do open market que não surgia uma forma tão fácil, segura e lucrativa de ganhar dinheiro às custas do governo. O nome do jogo, hoje, é tomar empréstimo externo por meio da Resolução 63 e aplicar o dinheiro em títulos do governo indexados ao dólar.
Grandes bancos são capazes de contratar uma 63 pagando entre 7,5% e 9% ao ano. Sem correr riscos nem ter a amolação de ter que procurar clientes, esse mesmo banco pode aplicar esse dinheiro a mais de 10,5% ao ano nas NTN-D, títulos emitidos pelo governo federal indexados ao dólar.
A oportunidade de arbitragem foi aberta pela decisão do Conselho Monetário Nacional do dia 25 de junho. Para estimular a entrada de dólares, o Conselho permitiu que os bancos que contratam 63 no Exterior possam aplicar o dinheiro em NTN-D, enquanto ele não estiver aplicado junto a clientes.
A chance de ganhar dinheiro fácil, obviamente, já elevou a demanda pelas NTN-D, levando a uma redução de sua rentabilidade. Há um mês elas rendiam 12% ao ano. Num leilão de NTN-D liquidado na semana passada, o Banco Central pagou 10,8% ao ano para colocar US$ 1,8 bilhão em papéis de dois e três anos de prazo. Se a taxa cair muito mais, acaba a festa.
Existem cerca de US$ 14 bilhões de NTN-D em circulação, nos cálculos do Boletim "Tendências". Uma operação 63 tradicional só pode ser contratada pelo prazo mínimo de três anos. No entanto, a decisão do CMN aplica-se também a outras modalidades de 63, cujo prazo pode ser de seis meses: para a agricultura, as exportações e o financiamento imobiliário. São muitas e flexíveis, portanto, as chances de arbitragem.
Como é o governo que emite as NTN-D, é ele que assume o risco cambial: se houver uma desvalorização maior do real frente ao dólar, o governo pagará a diferença. O único risco do banco, hoje reduzido, é o de o Brasil não honrar seus compromissos.
A decisão do CMN é uma prova a mais da disposição do governo de dobrar a aposta na manutenção da atual política cambial, financiando os buracos crescentes nas contas externas. Grandes bancos estão prevendo um razoável aumento nas operações 63.
Antes da decisão, os bancos que contratassem 63 tinham que casar perfeitamente com a aplicação junto a clientes, caso contrário, teriam prejuízo: a única alternativa era deixar o dinheiro no BC rendendo bem menos do que seu custo. Com isso, a captação via 63 despencou. De janeiro a maio, segundos dados do BC, entraram US$ 84 milhões pela 63 tradicional, comparados a US$ 320 milhões no mesmo período do ano passado.
O governo está pagando hoje mais de 20% ao ano para vender um papel em reais. Portanto, é grande a tentação de o governo se financiar usando mais as NTN-D indexadas ao dólar, bem mais baratas. Para ser um bom negócio, contudo, o governo precisa ter certeza absoluta que não terá que desvalorizar mais fortemente o real nos próximos anos.
Ainda a Tailândia
A reação no Brasil à desvalorização da moeda na Tailândia revelou uma certa ansiedade em concluir rapidamente a novela. Como a bolsa tailandesa subiu 25% nos três dias posteriores à desvalorização e o mundo não acabou, muitos decretaram a crise encerrada e passaram para a novela seguinte.
Infelizmente, a vida real é mais complicada. Ontem, a bolsa da Tailândia caiu 3,8% e um surto de ataque especulativo contra a moeda filipina obrigou seu banco central a intervir no mercado e elevar, pela segunda vez, os juros.
Depois de ter ganho a briga pela desvalorização na Tailândia, o mercado elegeu Filipinas, Malásia e Indonésia, nessa ordem, como candidatos potenciais a ataques especulativos. Muita gente esquece que a onda especulativa contra as moedas européias, em 92, não durou dias, mas vários meses, com avanços e recuos. E que a crise do México, em dezembro de 94, fez o Brasil perder US$ 10 bilhões em três meses, até desvalorizar o real (em março de 95), e levou a Argentina a uma recessão e a instabilidades sucessivas, por mais de seis meses, até o mercado se convencer que o peso não iria sucumbir.
Tomara que a crise tailandesa seja restrita e rápida, mas aconselha-se a não se chegar a conclusões definitivas tão cedo.




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