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ENTREVISTA DA 2ª
Para Magliano, "não vai alterar muito" se outro candidato vencer
Presidente da Bovespa diz não temer derrota de Serra
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Em junho, a Bovespa (Bolsa de
Valores de São Paulo) acusou a
saída de R$ 1 bilhão de capital externo, a maior sangria desde dezembro de 98, em plena crise
cambial. Neste ano, o saldo é negativo em R$ 392,8 milhões. No
primeiro semestre, a Bovespa registrou uma queda de 18%, o pior
desempenho dos últimos 30 anos.
O presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, 60, acha
que só há uma saída para a recuperação do mercado de ações: a
popularização da Bolsa, a exemplo do que acontece em países como Estados Unidos e Espanha.
"Queremos uma Bolsa popular,
não uma Bolsa elitista."
Magliano diz que não teme uma
eventual derrota do candidato do
governo, o tucano José Serra. Para
ele, o Brasil não vai sofrer grandes
mudanças caso o eleito seja Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), Anthony Garotinho (PSB) ou Ciro
Gomes (PPS). A seguir, trechos da
entrevista concedida por ele.
Folha - O que explica essa queda
na Bolsa?
Raymundo Magliano - A Bolsa,
que chegou a movimentar quase
US$ 1 bilhão por dia, como ocorreu em 97, hoje movimenta cerca
de US$ 200 milhões. O primeiro
grande motivo foi a cobrança da
CPMF, que transferiu muitos negócios para o exterior. É fácil entender o que aconteceu. Se você se
colocasse como gestor do clube
dos professores de Nova York e
desejasse comprar ações de empresas como Petrobras, Itaú, Sadia, o melhor mesmo era comprar
ações delas em Nova York.
O custo aqui era dez vezes superior. Para trazer o dinheiro para
cá, o investidor tinha de gastar
0,38% na compra da ação e mais
0,38% na venda. Ou seja, 0,76%.
Para um país como os Estados
Unidos, onde as taxas de juros são
de 1,75% ao ano, uma taxa de
0,76% é muito alta. O custo é muito alto para qualquer fundo internacional. A CPMF foi responsável, portanto, por ter transferido
uma grande parte da nossa liquidez. Essa transferência deve ter
reduzido 40% do movimento da
Bolsa.
Folha - Mas agora os investimentos em Bolsa são isentos da cobrança da CPMF.
Magliano - Conseguimos ganhar
essa batalha da CPMF, mas ainda
vai demorar para os recursos voltarem para a Bolsa. Acho que isso
só ocorre dentro de três ou quatro
anos. Mas há outros fatores que
influenciam o volume de negócios da Bolsa. O principal deles e o
mais recente, na minha opinião,
foi o problema com os balanços
das empresas americanas. A variável confiança foi atingida.
Quando o mercado americano é
atingido, o reflexo é imediato em
todos os mercados, principalmente o emergente. Além disso,
estamos num ano eleitoral, e isso
faz com que o mercado fique naturalmente mais volátil. Na semana que passou, por exemplo, um
dos motivos que fizeram o mercado cair foram os boatos sobre a
pesquisa na qual Ciro Gomes teria
passado Serra. O mercado não vê
com bons olhos o fato de o candidato do governo não estar conseguindo angariar mais votos.
Folha - Qual o medo do mercado?
Magliano - O mercado sempre
encara qualquer mudança com
muita apreensão. Nós ainda estamos consolidando a nossa democracia, mas a verdade é que não
estamos muito acostumados a
conviver com a democracia. O
mercado tem de aceitar que um
outro candidato pode subir nas
pesquisas, seja o Ciro, seja o Lula,
seja o Garotinho.
Folha - Mas não é assim que o
mercado parece pensar.
Magliano - O mercado pensa diferente. Para o mercado, o melhor
é a continuidade, mas democracia
não é isso, e sim aceitar que um
dia pode haver mudança.
Folha - O que o sr. acha dessa visão do mercado?
Magliano - Depois que tivemos a
experiência de Collor, as nossas
instituições se fortaleceram e, seja
qual for o candidato que vença as
eleições, o Brasil vai continuar seu
caminho. É o voto do povo que
determina quem serão os nossos
governantes. Não vai alterar muito se as eleições forem vencidas
por Lula, Garotinho ou Ciro.
Folha - O sr. prevê a derrota de
Serra nas eleições?
Magliano - Só depois de iniciada
a campanha de TV poderemos fazer uma avaliação melhor de cada
candidatura. A TV é um elemento
muito forte na persuasão do voto.
Folha - O sr. acha Serra o melhor
candidato?
Magliano - A Bolsa é apartidária,
mas vamos apoiar aquele candidato que defender o mercado de
capitais em seu programa econômico. O programa, em primeiro
lugar, tem de ser bom para o Brasil e, depois, para o mercado. O
problema é que nossa sociedade
não é democrática. Como disse o
historiador Sérgio Buarque de
Holanda, aqui ainda se diz : "Você
sabe com quem está falando?".
Na minha opinião, o mercado
de capitais é uma das maneiras de
tornar nossa sociedade mais democrática. Já é hora de permitir
ao trabalhador o acesso à participação no lucro e no desenvolvimento econômico do país. Isso ficou evidente na venda das ações
da Petrobras, com o ingresso de
370 mil novos acionistas. Na Vale
[do Rio Doce], foram 800 mil.
Nossa sociedade é muito hierarquizada, o que provoca a exclusão
social. Quantos milhões não têm
acesso ao mercado de capitais?
Uma das maneiras de a gente melhorar a distribuição de renda é o
incentivo ao mercado de capitais,
como acontece nos Estados Unidos e nos países europeus, como a
França e a Espanha. O nosso trabalhador está longe desse mundo.
O máximo que ele faz é aplicar
numa caderneta de poupança.
Comprar ações não é só uma
questão econômica, mas, sim,
uma maneira de incluir o trabalhador na sociedade brasileira.
Folha - Como o sr. pretende estimular o ingresso dos trabalhadores no mercado?
Magliano - Nós criamos uma
parceria com a Força Sindical e temos promovido cursos para os
trabalhadores. No momento em
que ficam esclarecidos sobre outras possibilidades de investimento, os trabalhadores demonstram
interesse em participar dos negócios, em aplicar no desenvolvimento do país. É por isso que estamos nesse trabalho grande de
esclarecimento, chamado "Bovespa vai às fábricas".
O filósofo Immanuel Kant dizia
que o esclarecimento é a condição
primeira para o homem sair da
menoridade. Esse é o trabalho hoje da Bolsa. Para conseguirmos a
isenção da CPMF, tivemos de
conversar com 480 deputados e
60 senadores para esclarecer que
o país precisa de uma Bolsa forte
para aumentar o emprego. Depois de oito meses, conseguimos
aprovar a isenção da CPMF. Muitos parlamentares pensavam que
a Bolsa era casa de jogo e cassino.
O nosso objetivo com esse trabalho de esclarecimento é principalmente o de atrair o interesse
dos trabalhadores. Nós queremos
uma Bolsa popular, não uma Bolsa elitista. O pressuposto de uma
Bolsa popular é que ela seja democrática. Para isso, eu me baseio
no filósofo italiano Norberto Bobbio. Ele disse que uma sociedade
democrática precisa ter visibilidade, transparência e acesso. É por
isso, por exemplo, que nós temos
aqui, na Bolsa, um ombudsman.
É a única Bolsa da América que
possui um ombudsman. Em um
ano, já atendeu mais de mil solicitações de esclarecimentos.
Folha - Algum dos candidatos já
demonstrou interesse em apoiar o
mercado de capitais?
Magliano - Por enquanto, ainda
não vimos nada. Nós gostaríamos
muito que os candidatos incluíssem o mercado de capitais em
seus programas. Afinal, como
uma empresa consegue dinheiro
no país para investir e criar empregos? Se recorrer aos bancos,
vai encontrar juros muito altos, e,
no BNDES, as linhas são seletivas
e escassas. O único canal para o
desenvolvimento econômico do
Brasil é o mercado de capitais.
Não há condição mais de a Bolsa
continuar elitista e seletiva. O que
deu legitimidade às Bolsas internacionais foi sua popularização.
O problema é que o Brasil não
fez a opção de uma privatização
popular. Nossa privatização se
preocupou com a venda do controle. A preocupação do governo,
ao vender o controle das empresas, foi o caixa, e não a pulverização do mercado. Nós nos esquecemos do mercado. Nós não tivemos a idéia de popularização na
privatização. Agora, parece que já
existe uma consciência de que as
privatizações, daqui para a frente,
serão populares.
Folha - Isso não pode mudar, dependendo do resultado das eleições?
Magliano - Todo mundo fica
criando um fantasma na cabeça
do que poderá acontecer com o
país caso Lula ou Ciro vença. Todos se esquecem de que temos um
Legislativo muito forte. Para mudarmos a CMPF, por exemplo, levamos um ano. Antes, o Executivo podia utilizar o instrumento da
medida provisória para fazer
qualquer mudança; hoje as mudanças só ocorrem se o Legislativo quiser. O importante mesmo é
o Legislativo.
Folha - Depois de ter caído mais
de 20% neste ano, a Bolsa tem um
limite de queda?
Magliano - Sempre há um momento em que os preços se tornam atraentes. Os analistas dizem
que as ações já atingiram um valor bastante razoável para serem
compradas.
Folha - Mas os investidores não
podem temer que o que ocorreu
com algumas empresas americanas, que adulteraram os balanços,
venha a acontecer no Brasil?
Magliano - No Brasil, há duas diferenças. Em primeiro lugar, a cada cinco anos as empresas são
obrigadas a fazer um rodízio da
empresa de auditoria para sua
avaliação. Depois, criamos o chamado novo mercado, que dá muito mais transparência à empresa.
Folha - O fato de a Bovespa ter
uma parceria com a Força Sindical
não pode ser interpretado como
um apoio a Ciro (Paulo Pereira da
Silva, presidente da Força, é o vice
de Ciro)?
Magliano - Tenho tido muito
contato com o Paulinho, tenho
ido bastante à Força, mas o que
vejo lá é que os sindicatos podem
apoiar as candidaturas que quiserem. E a Bolsa, quero enfatizar,
não tem compromisso partidário.
Folha - Até onde pode ir a crise
atual?
Magliano - Já assisti a várias crises. Vivemos, por exemplo, a crise
de 71, quando a Bolsa ficou parada por sete anos, tivemos a crise
provocada por Naji Nahas, a do
México, a da Ásia, a da Rússia, a
da Argentina e, agora, temos uma
nova crise. Eu já vi esse filme.
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