São Paulo, segunda-feira, 08 de julho de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para Magliano, "não vai alterar muito" se outro candidato vencer

Presidente da Bovespa diz não temer derrota de Serra

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Em junho, a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) acusou a saída de R$ 1 bilhão de capital externo, a maior sangria desde dezembro de 98, em plena crise cambial. Neste ano, o saldo é negativo em R$ 392,8 milhões. No primeiro semestre, a Bovespa registrou uma queda de 18%, o pior desempenho dos últimos 30 anos.
O presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, 60, acha que só há uma saída para a recuperação do mercado de ações: a popularização da Bolsa, a exemplo do que acontece em países como Estados Unidos e Espanha. "Queremos uma Bolsa popular, não uma Bolsa elitista."
Magliano diz que não teme uma eventual derrota do candidato do governo, o tucano José Serra. Para ele, o Brasil não vai sofrer grandes mudanças caso o eleito seja Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Anthony Garotinho (PSB) ou Ciro Gomes (PPS). A seguir, trechos da entrevista concedida por ele.

 

Folha - O que explica essa queda na Bolsa?
Raymundo Magliano -
A Bolsa, que chegou a movimentar quase US$ 1 bilhão por dia, como ocorreu em 97, hoje movimenta cerca de US$ 200 milhões. O primeiro grande motivo foi a cobrança da CPMF, que transferiu muitos negócios para o exterior. É fácil entender o que aconteceu. Se você se colocasse como gestor do clube dos professores de Nova York e desejasse comprar ações de empresas como Petrobras, Itaú, Sadia, o melhor mesmo era comprar ações delas em Nova York.
O custo aqui era dez vezes superior. Para trazer o dinheiro para cá, o investidor tinha de gastar 0,38% na compra da ação e mais 0,38% na venda. Ou seja, 0,76%. Para um país como os Estados Unidos, onde as taxas de juros são de 1,75% ao ano, uma taxa de 0,76% é muito alta. O custo é muito alto para qualquer fundo internacional. A CPMF foi responsável, portanto, por ter transferido uma grande parte da nossa liquidez. Essa transferência deve ter reduzido 40% do movimento da Bolsa.

Folha - Mas agora os investimentos em Bolsa são isentos da cobrança da CPMF.
Magliano -
Conseguimos ganhar essa batalha da CPMF, mas ainda vai demorar para os recursos voltarem para a Bolsa. Acho que isso só ocorre dentro de três ou quatro anos. Mas há outros fatores que influenciam o volume de negócios da Bolsa. O principal deles e o mais recente, na minha opinião, foi o problema com os balanços das empresas americanas. A variável confiança foi atingida.
Quando o mercado americano é atingido, o reflexo é imediato em todos os mercados, principalmente o emergente. Além disso, estamos num ano eleitoral, e isso faz com que o mercado fique naturalmente mais volátil. Na semana que passou, por exemplo, um dos motivos que fizeram o mercado cair foram os boatos sobre a pesquisa na qual Ciro Gomes teria passado Serra. O mercado não vê com bons olhos o fato de o candidato do governo não estar conseguindo angariar mais votos.

Folha - Qual o medo do mercado?
Magliano -
O mercado sempre encara qualquer mudança com muita apreensão. Nós ainda estamos consolidando a nossa democracia, mas a verdade é que não estamos muito acostumados a conviver com a democracia. O mercado tem de aceitar que um outro candidato pode subir nas pesquisas, seja o Ciro, seja o Lula, seja o Garotinho.

Folha - Mas não é assim que o mercado parece pensar.
Magliano -
O mercado pensa diferente. Para o mercado, o melhor é a continuidade, mas democracia não é isso, e sim aceitar que um dia pode haver mudança.

Folha - O que o sr. acha dessa visão do mercado?
Magliano -
Depois que tivemos a experiência de Collor, as nossas instituições se fortaleceram e, seja qual for o candidato que vença as eleições, o Brasil vai continuar seu caminho. É o voto do povo que determina quem serão os nossos governantes. Não vai alterar muito se as eleições forem vencidas por Lula, Garotinho ou Ciro.

Folha - O sr. prevê a derrota de Serra nas eleições?
Magliano -
Só depois de iniciada a campanha de TV poderemos fazer uma avaliação melhor de cada candidatura. A TV é um elemento muito forte na persuasão do voto.

Folha - O sr. acha Serra o melhor candidato?
Magliano -
A Bolsa é apartidária, mas vamos apoiar aquele candidato que defender o mercado de capitais em seu programa econômico. O programa, em primeiro lugar, tem de ser bom para o Brasil e, depois, para o mercado. O problema é que nossa sociedade não é democrática. Como disse o historiador Sérgio Buarque de Holanda, aqui ainda se diz : "Você sabe com quem está falando?".
Na minha opinião, o mercado de capitais é uma das maneiras de tornar nossa sociedade mais democrática. Já é hora de permitir ao trabalhador o acesso à participação no lucro e no desenvolvimento econômico do país. Isso ficou evidente na venda das ações da Petrobras, com o ingresso de 370 mil novos acionistas. Na Vale [do Rio Doce], foram 800 mil.
Nossa sociedade é muito hierarquizada, o que provoca a exclusão social. Quantos milhões não têm acesso ao mercado de capitais? Uma das maneiras de a gente melhorar a distribuição de renda é o incentivo ao mercado de capitais, como acontece nos Estados Unidos e nos países europeus, como a França e a Espanha. O nosso trabalhador está longe desse mundo. O máximo que ele faz é aplicar numa caderneta de poupança. Comprar ações não é só uma questão econômica, mas, sim, uma maneira de incluir o trabalhador na sociedade brasileira.

Folha - Como o sr. pretende estimular o ingresso dos trabalhadores no mercado?
Magliano -
Nós criamos uma parceria com a Força Sindical e temos promovido cursos para os trabalhadores. No momento em que ficam esclarecidos sobre outras possibilidades de investimento, os trabalhadores demonstram interesse em participar dos negócios, em aplicar no desenvolvimento do país. É por isso que estamos nesse trabalho grande de esclarecimento, chamado "Bovespa vai às fábricas".
O filósofo Immanuel Kant dizia que o esclarecimento é a condição primeira para o homem sair da menoridade. Esse é o trabalho hoje da Bolsa. Para conseguirmos a isenção da CPMF, tivemos de conversar com 480 deputados e 60 senadores para esclarecer que o país precisa de uma Bolsa forte para aumentar o emprego. Depois de oito meses, conseguimos aprovar a isenção da CPMF. Muitos parlamentares pensavam que a Bolsa era casa de jogo e cassino.
O nosso objetivo com esse trabalho de esclarecimento é principalmente o de atrair o interesse dos trabalhadores. Nós queremos uma Bolsa popular, não uma Bolsa elitista. O pressuposto de uma Bolsa popular é que ela seja democrática. Para isso, eu me baseio no filósofo italiano Norberto Bobbio. Ele disse que uma sociedade democrática precisa ter visibilidade, transparência e acesso. É por isso, por exemplo, que nós temos aqui, na Bolsa, um ombudsman. É a única Bolsa da América que possui um ombudsman. Em um ano, já atendeu mais de mil solicitações de esclarecimentos.

Folha - Algum dos candidatos já demonstrou interesse em apoiar o mercado de capitais?
Magliano -
Por enquanto, ainda não vimos nada. Nós gostaríamos muito que os candidatos incluíssem o mercado de capitais em seus programas. Afinal, como uma empresa consegue dinheiro no país para investir e criar empregos? Se recorrer aos bancos, vai encontrar juros muito altos, e, no BNDES, as linhas são seletivas e escassas. O único canal para o desenvolvimento econômico do Brasil é o mercado de capitais. Não há condição mais de a Bolsa continuar elitista e seletiva. O que deu legitimidade às Bolsas internacionais foi sua popularização.
O problema é que o Brasil não fez a opção de uma privatização popular. Nossa privatização se preocupou com a venda do controle. A preocupação do governo, ao vender o controle das empresas, foi o caixa, e não a pulverização do mercado. Nós nos esquecemos do mercado. Nós não tivemos a idéia de popularização na privatização. Agora, parece que já existe uma consciência de que as privatizações, daqui para a frente, serão populares.

Folha - Isso não pode mudar, dependendo do resultado das eleições?
Magliano -
Todo mundo fica criando um fantasma na cabeça do que poderá acontecer com o país caso Lula ou Ciro vença. Todos se esquecem de que temos um Legislativo muito forte. Para mudarmos a CMPF, por exemplo, levamos um ano. Antes, o Executivo podia utilizar o instrumento da medida provisória para fazer qualquer mudança; hoje as mudanças só ocorrem se o Legislativo quiser. O importante mesmo é o Legislativo.

Folha - Depois de ter caído mais de 20% neste ano, a Bolsa tem um limite de queda?
Magliano -
Sempre há um momento em que os preços se tornam atraentes. Os analistas dizem que as ações já atingiram um valor bastante razoável para serem compradas.

Folha - Mas os investidores não podem temer que o que ocorreu com algumas empresas americanas, que adulteraram os balanços, venha a acontecer no Brasil?
Magliano -
No Brasil, há duas diferenças. Em primeiro lugar, a cada cinco anos as empresas são obrigadas a fazer um rodízio da empresa de auditoria para sua avaliação. Depois, criamos o chamado novo mercado, que dá muito mais transparência à empresa.

Folha - O fato de a Bovespa ter uma parceria com a Força Sindical não pode ser interpretado como um apoio a Ciro (Paulo Pereira da Silva, presidente da Força, é o vice de Ciro)?
Magliano -
Tenho tido muito contato com o Paulinho, tenho ido bastante à Força, mas o que vejo lá é que os sindicatos podem apoiar as candidaturas que quiserem. E a Bolsa, quero enfatizar, não tem compromisso partidário.

Folha - Até onde pode ir a crise atual?
Magliano -
Já assisti a várias crises. Vivemos, por exemplo, a crise de 71, quando a Bolsa ficou parada por sete anos, tivemos a crise provocada por Naji Nahas, a do México, a da Ásia, a da Rússia, a da Argentina e, agora, temos uma nova crise. Eu já vi esse filme.


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