São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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Elio Gaspari

A Câmara quer criar o Bolsa Gazeta



Palavras como "deputado" e "senador" soam como um insulto ou, numa versão light, um motivo de suspeita
R ENAN CALHEIROS, Joaquim Roriz, Severino Cavalcanti, mensaleiros, verba indenizatória (R$ 15 mil mensais). Tudo isso parece pouco para muitos senhores que compõem o Congresso. O repórter Fábio Zanini revelou que se trama na Câmara um mecanismo pelo qual o desconto de um dia de falta dos deputados ao trabalho, num mês de dez sessões deliberativas, cairá de R$ 1.032 para R$ 344. A idéia tem o apoio do presidente da Casa, Arlindo Chinaglia.
Como ninguém começa uma discussão dessas com o objetivo de trabalhar mais para ganhar menos, os defensores da iniciativa sustentam que a nova modalidade de desconto imposto ao gazeteiro seria um retorno ao sistema que funcionou até 1993. Trata-se de abandonar o cálculo com base no número de sessões de verdade ocorridas durante um mês (12, em geral). Sendo mensalistas, cada falta dos deputados deveria custar 1/30 do salário. Num exagero, pode-se imaginar um médico que contratou um plantão semanal, faltou aos quatro do mês e quer receber por 26 dias, pois afinal faltou só a quatro.
Os deputados que defendem o Bolsa Gazeta não se dão conta de que o Congresso brasileiro vai ladeira abaixo. Isso no governo de um cidadão que em 1993 acusou a Câmara de reunir "300 picaretas". Nosso Guia não mudou de opinião, apenas aprendeu a lidar com o G-300. Por isso, quando o Parlamento ameaça derrotá-lo, abre o portão das centrais sindicais. Fez assim na defesa do veto à Emenda 3. Em abril passado, umas poucas dezenas de militantes pararam o Metrô de São Paulo por duas horas e disseram que aquilo era uma greve.
Palavras como "deputado" e "senador", designativas dos representantes do povo, tornaram-se um insulto ou, numa versão light, motivo de suspeita. Aquilo que em Brasília parece jogo político, remuneração adequada e comportamento usual torna-se cambalacho, abuso e compadrio para quem vive fora da redoma dos doutores.
Felizmente, ainda há muita gente disposta a dar a volta no quarteirão para defender o Congresso como instituição. Desgraçadamente, aumenta o número de pessoas que não se daria a esse trabalho. Numa hora dessas, faz bem à alma relembrar um ensinamento do escritor americano Scott Fitzgerald:
"O teste de uma inteligência de primeira categoria é a sua capacidade de manter duas idéias opostas na cabeça e, ainda assim, continuar funcionando."

AEROCAOS
As empresas aéreas (com o suave apoio da Anac) decidiram peitar a idéia do Comando da Aeronáutica, que propôs uma reavaliação da malha aérea do país. Há uma maneira para se equilibrar qualquer discussão com os aerocratas privados e estatais: incluir a abertura dos céus nacionais na agenda do caos aéreo.
Nada a ver com céus escancarados. Apenas uma correção de absurdos. Por exemplo: se um cidadão quer viajar de Belo Horizonte a Belém, tem que ir a Brasília para trocar de avião. A Anac poderia autorizar a American Airlines, que voa de BH para Miami, a fazer uma parada em Belém. O mesmo acontece na rota Campinas-Milão da Alitalia. Basta permitir que ela pouse em Fortaleza.
Para a aerocracia, eficiência é obrigar a choldra que precisa voar de Belém a Caracas (2.400 quilômetros) a descer até Guarulhos (3.000 quilômetros) para fazer o caminho de volta (mais 5.400 quilômetros). No total, a vítima voa o equivalente ao percurso Paris-Hong Kong.

EREMILDO E OS "JOVENS"
Eremildo é um idiota e teve um encontro com Madame Natasha. O idiota quis saber por que os delinqüentes que espancam mulheres e trabalhadores na zona sul do Rio de Janeiro são qualificados como "jovens" e os moradores das favelas mortos nos morros são "traficantes". Uma pesquisa com o nome da diarista Sirley, com referência à agressão e o qualificativo "jovens" rende perto de mil referencias no Google.
Natasha explicou ao idiota que um traficante jovem é um traficante, ponto. Sua idade é irrelevante. A senhora não conseguiu explicar por que um espancador de 20 anos é "jovem".

O RITUAL DA USP PARA JULGAR PLÁGIO É LENTO
É justo reclamar da lentidão do Senado para decidir o que se deve fazer com a agenda horizontal de Renan Calheiros, mas, para denúncias de plágio, o ritual da Universidade de São Paulo é muito mais lento.
O diretor do seu Instituto de Física, Alejandro Szanto de Toledo, foi acusado pelo colega Mair Hussein de ter copiado dois trabalhos seus. A universidade informa que foi designada uma comissão para estudar o caso. Ela tem 60 dias (prorrogáveis por mais 60) para decidir o que fazer. Só depois disso é que poderá ser aberto um processo disciplinar, sigiloso. Ele pode durar outros 60 dias, novamente prorrogáveis por mais 60. No limite, são 240 dias. Entre a denúncia de Roberto Jefferson e a cassação de José Dirceu passaram-se 178 dias.
Em março do ano passado, um professor da USP acusou um candidato à vaga de titular da cadeira de direito penal de ter copiado trechos e gráficos de um jurista americano num trabalho que assinara em 1997. O acusado defendeu-se, mas preferiu desistir do concurso. Como ele não pertencia aos quadros da universidade, o caso foi fechado. Nesse aspecto, deu-se uma variante da Doutrina Roriz, pois fica uma dúvida: o candidato era plagiador, ou o denunciante foi leviano?

PERIGO NO CEBRAP
Se ninguém fizer nada, a Capes esterilizará oito bolsas anuais de pós-doutorado que mantém no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Cebrap. Cada bolsa paga R$ 3.000 mensais ao pesquisador e o programa tem 20 anos de sucesso. O ministro Fernando Haddad corre o risco de agredir uma iniciativa da instituição criada por FFHH em 1969. Desde então, nem mesmo os ministros da ditadura avançaram nos programas do Cebrap. Naquela época, atacavam fisicamente alguns pesquisadores e punham bomba na casa onde eles trabalhavam. Detonar atividades, nunca detonaram.

AULA ESQUECIDA
Um dos cinco delinquentes que assaltaram e espancaram a diarista Sirley foi aprovado no vestibular do curso de administração de uma das melhores escolas privadas do Rio. Nos dois primeiros dias falou ao celular durante as aulas, desdenhou repreensões e comportou-se como bem quís. Foi chamado à secretaria e dipensado de voltar à escola. Uma pessoa de sua família foi à faculdade e, com o boleto da mensalidade na mão, lembrou que havia pago pela matrícula, exigindo que o garotão continuasse frequentando as aulas. O cidadão foi colocado diante da seguinte escolha: ou levava o malfeitor para casa, ou seria aberto um processo formal de expulsão. Dito isso, ele entendeu e foi em frente.
Pena que nenhum dos dois tenha aprendido a lição.

MATA MARTA
Um pedaço do alto comissariado petista não esconde que relaxou e gozou ao ver Marta Suplicy entrar num inferno astral do qual terá dificuldade para sair.


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