São Paulo, quarta, 8 de julho de 1998

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CASO NACIONAL

Perícia de anotações de lucros fictícios mostra que letra é de ex-funcionário da KPMG e então diretor do banco
Laudo revela papel de auditor na fraude

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

Documentos anexados como provas no processo do Banco Nacional confirmam o envolvimento de ex-funcionários da KPMG Peat Marwick nas fraudes e reforçam a suspeita de conivência da auditoria externa do banco.
Um desses documentos é um formulário de contabilidade, manuscrito a lápis, com cálculos dos dividendos (benefícios distribuídos aos acionistas) sobre os lucros fictícios do banco no segundo semestre de 1990.
O impresso tem o timbre da KPMG. No cabeçalho, ao lado da inscrição da firma de auditoria, o espaço destinado a "cliente" foi preenchido com o nome do Banco Nacional.
Perícia grafotécnica comprovou que os cálculos e a assinatura no formulário foram produzidos pelo punho de Antônio Luiz Feijó Nicolau, então diretor de Obrigações Corporativas do Banco Nacional.
Feijó é ex-funcionário da KPMG, tendo auditado o próprio Nacional nos anos de 1985 e 1986. Ele ingressou no banco em 1987 e era subordinado a Clarimundo José de Sant'Anna, denunciado como mentor da fraude do Nacional. Sant'Anna foi o único a confessar o crime.
Feijó foi acusado de elaborar balanços forjados. Entre as suas atribuições, figurava o relacionamento com os órgãos reguladores e com o auditor independente do banco, Marco Aurélio Diniz Maciel, sócio da KPMG.
João Luís Aguiar de Medeiros e Celso Cintra Mori, advogados da KPMG, ouvidos pela Folha, negam que Maciel tenha sido conivente ao avalizar os balanços com resultados fictícios do Nacional (leia entrevista nesta página).
Medeiros e Mori também refutam a hipótese de promiscuidade entre ex-funcionários da KPMG e a auditoria externa do banco. Eles alegam que desconhecem os documentos com timbre da KPMG que estão nos autos.
O documento e a íntegra do laudo pericial nº 39.373 (exame grafotécnico) estão nas folhas 2.662 a 2.672 do processo nº 96.0026382-5, do Nacional.
A Folha foi autorizada a consultar os seis volumes dos autos principais, na 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. Não foram permitidas cópias do laudo e do formulário.

Balanços falsos
O cálculo dos dividendos não é o único documento firmado por Feijó em formulários da KPMG.
Ele também usou papéis com timbre da KPMG para alterar registros de contas -inflando artificialmente o ativo (patrimônio) do banco- e para rascunhar balanços forjados.
Para isso, Feijó contou com a ajuda de outro ex-funcionário da KPMG, Márcio Rômulo Pereira, especialista em auditoria, que ingressou no banco em 1990.
Essas irregularidades aconteciam, segundo denúncia do Ministério Público Federal, com a omissão de Maciel, auditor da KPMG, que avalizou a regularidade dos balanços fraudados.
Os procuradores Silvana Góes e Rogério Nascimento denunciaram Feijó e Pereira, por gestão fraudulenta e formação de quadrilha, no processo que alcança ex-controladores e administradores do banco dos Magalhães Pinto.
Maciel foi denunciado como co-autor do crime de gestão fraudulenta (ele não está entre os acusados de formação de quadrilha).
Segundo o Ministério Público Federal, o auditor da KPMG "foi denunciado porque seu comportamento está diretamente vinculado à ação criminosa imputada aos demais participantes".

Ordens superiores

Ao ser reinquirido na Polícia Federal, Feijó disse que "a função de auditoria externa era revisar as demonstrações financeiras e notas explicativas (itens do balanço) que eram elaboradas na Diretoria de Obrigações Corporativas". Ou seja, na sua diretoria.
Durante o segundo depoimento, foram apresentados a Feijó resumos e rascunhos, manuscritos em papel da KPMG, relativos a lançamentos do balanço de 1988.
Está nos autos: "Perguntado se reconhece como de sua autoria o rascunho do fechamento do balanço em 15 de janeiro de 1989, produzido em papel próprio da KPMG, (Feijó) respondeu que, embora tenha manuscrito tal documento, que ora lhe é exibido, não é de sua autoria, pois o manuscreveu para atender solicitação superior".
Ele disse que "não se recordava de quem tinha passado tais informações".

Contas fictícias
Feijó foi denunciado como responsável pela alteração de procedimentos contábeis do Nacional para manter 652 contas correntes fictícias, agrupadas sob o código "Natureza 917".
Essas contas foram originadas de empréstimos não pagos por pequenas empresas e mantidos como se fossem créditos normais, com vencimentos alterados para permitir o acréscimo de juros e correção.
Auxiliado por Pereira, Feijó calculava os valores a serem acrescidos nos saldos das chamadas contas "917", que inflaram o balanço, gerando um passivo a descoberto (dívidas sem cobertura) no total de R$ 9,3 bilhões.
Segundo a denúncia, "os dados falsos relativos às contas "Natureza 917" sempre estiveram acessíveis ao auditor (Maciel), porquanto figuravam no Sistema Nacional de Contabilidade, instrumento natural de avaliação da auditoria externa".



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