São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

As urnas falsas

A descoberta de urnas eletrônicas falsificadas e de componentes completos para montagem de quase uma centena mais, em Brasília, indica um crime muito mais inquietante do que leva a crer o descaso - seja deliberado ou não - com que a mídia de S.Paulo e Rio o tem relegado ao noticiário mais irrelevante.
Não se sabe quantas urnas foram fabricadas, nem quantas foram distribuídas. A Polícia Federal apenas iniciou a investigação, depois que a polícia do Distrito Federal recusou-se a investigar o caso e mandou que os componentes encontrados fossem postos no lixo.
As cinco urnas ativas apreendidas tinham um adesivo com a inscrição "simulador de urna eletrônica". Não se trata, porém, de atenuante para o que as urnas insinuam. Eis o comentário, sobre o achado, do coordenador do programa de extensão em Segurança Computacional da Universidade de Brasília, Pedro Rezende, ao "Correio Braziliense": "Com pequeninas adaptações, o programa do simulador é capaz de desviar votos de um candidato para outro na urna" oficial. Está por verificar se as urnas falsificadas não têm já tal adaptação, ou outra igualmente fraudulenta.
Além disso, são numerosos os indícios de farsa, inclusive com a ajuda do adesivo, para dar as urnas como material didático, embora ainda assim seja considerado crime. Um desses indícios é, por exemplo, o esquisito encontro de uma das urnas na casa de um trabalhador, à qual a PF chegou por indicação de uma juíza eleitoral. Disse o morador que um sujeito foi à sua casa oferecendo-se para ensiná-lo a votar na urna. Mas por que a deixaria lá, em vez de levá-la para novas aulas? E por que o aviso a uma juíza eleitoral sobre a localização daquela urna, senão para que a encontrassem com o adesivo e a história da aula, pretensamente atenuantes?
O procurador eleitoral do DF, Antônio Carneiro Sobrinho, tem uma apreciação significativa sobre o achado: "Esse é o caso de falsificação de material eleitoral mais grave de que já tive notícia". Pediu à PF que complete as investigações em 15 dias. Caso isso não aconteça, não será motivo para que não se cobrem investigações completas: a falsificação de materiais da Justiça Eleitoral sujeita, além da pena de até de três anos de prisão, à perda de mandato. Mais recente do que a lei eleitoral, há uma proibição específica de simuladores de urna eletrônica não oficiais.
O exame preliminar das urnas apreendidas encontrou, em todas, o registro de votos para a coligação pluripartidária montada, no DF, pelo governador e candidato à reeleição Joaquim Roriz: José Serra, o próprio Roriz, José Roberto Arruda (o do painel eletrônico do Senado), Paulo Otávio e Jofran Frejat.
Muitos especialistas que examinaram, inclusive no exterior, a urna eletrônica usada no Brasil consideraram sua segurança insuficiente contra fraudes. Tal insuficiência é agravada pela peculiaridade absurda de que não é possível a verificação de votos, em caso de suspeita. E agora se completa a insegurança com o encontro de urnas falsificadas.
Mas o Superior Tribunal Eleitoral está tranquilo, senão indiferente, diante da descoberta. Tanto que ao seu presidente, Nelson Jobim, não ocorreu mais do que determinar a um procurador do tribunal que acompanhe a investigação da PF.


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