São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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ELIO GASPARI

A Infraero arrisca esbanjar uma beleza do Rio

Se ninguém fizer nada, a Infraero vai patrocinar (com o dinheiro da Viúva) uma desclassificação do patrimônio cultural do Rio de Janeiro. Ela resolveu ampliar o terminal do aeroporto Santos Dumont. Abriu uma licitação e passou o projeto a uma firma de engenharia (Figueiredo Ferraz). Na semana passada publicou o edital de pré-qualificação das obras de construção civil, e espera-se que o contrato seja assinado até dezembro. Será o maior contrato de fim de governo de FFHH.
Até agora a Infraero não mostrou à patuléia um só desenho do prédio que será construído. Exagerando, isso equivale a um casal comprar um terreno e contratar o empreiteiro sem pedir para dar uma olhada na projeto arquitetônico da casa.
A extensão do terminal do Santos Dumont (o aeroporto mais charmoso e conveniente do mundo) fica numa ponta do aterro do Flamengo, um patrimônio cultural da cidade. No seu caminho estão o Monumento aos Pracinhas, dos arquitetos Marcos Konder e Hélio Ribas. Isso e mais o Museu de Arte Moderna, do grande Affonso Reidy. Também é de Reidy a passarela que fica logo depois do MAM. Está entre as mais bonitas do mundo. O terminal existente foi projetado por Marcelo e Milton Roberto, vencedores de um concurso público, em 1937. Antes que o transformassem em shopping, era bonito, iluminado e confortável.
Há 27 anos a Infraero é responsável pela construção de novos aeroportos. Alguns são bons exemplos de arquitetura, como o de Confins, em Minas Gerais. Outros, como o de Guarulhos, medonhos. Em quase todos os casos, ela trata o trabalho do arquiteto como uma subempreitada do serviço de engenharia. Coisa de mestre-de-obras. O nome do empreiteiro da basílica de São Pedro virou entulho, mas ninguém esquece que na sua cúpula há o dedo de Michelangelo. Quem sabe o nome do empreiteiro do Palácio da Alvorada? (Construtora Rabello, serviu comida podre aos candangos.)
O terminal é necessário, e a Infraero diz que daqui a 15 dias mostrará o o projeto ao público, aceitando discuti-lo. Pois podia fazer melhor. Chamar um concurso e nele inscrever o serviço da Figueiredo Ferraz. Se for o vencedor, que vá em frente. É isso que faz o Sesc para a construção de seus centros culturais, e graças a essa política existem prédios bonitos como o Sesc da Tijuca (Marco Antônio Coelho) e o de Nova Iguaçu (Bruno Padovani). Foi por meio de um concurso que a Prefeitura do Rio escolheu o projeto de Luís Carlos Toledo para o seu centro de convenções. É razoável que se faça assim numa obra muito mais visível, como o novo terminal.
Desde os anos 60, quando Eero Saarinen fez o terminal da TWA, em Nova York, com as linhas de um pássaro em vôo, a arquitetura de aeroportos tornou-se uma das formas de expressão da cultura de uma cidade. Há de tudo, desde italiano fazendo terminal no Japão (Renzo Piano em Kanzai) até inglês projetando aeroporto em Hong Kong. Inaugurado em 1998, o Chek Lap Kok foi desenhado por sir Norman Thomas. É um exercício de uso da luz natural.
A Infraero poderia argumentar que no Santos Dumont trata-se apenas de uma extensão. Esse era o caso do segundo terminal do De Gaulle, em Paris. O arquiteto Paul Andreu fez um monumento à luz. Em Bilbao, cidade conhecida pelos atentados do ETA e reanimada pela construção do museu Guggenheim, o caso foi entregue ao arquiteto Santiago Calatrava. Ele fez um novo pássaro. Escondeu a alma de galpão que todos os aeroportos embutem, deu um espetáculo de luz natural. Nos dois casos, o óbvio: o terminal do ano 2000 não seguiu a cultura nem as formas do tempo em que foi construído o prédio velho. Quando se tratou de construir uma nova ala para a National Gallery, em Washington, ninguém pensou em copiar a construção dos anos 40, e o arquiteto chinês I. M. Pei fez um conjunto que animou a cidade. A engenharia produz prédios parecidos. A arquitetura é que descobre formas novas.
A Infraero não se deu conta da importância cultural daquele pedaço do Rio onde planeja mais uma obra. A burocracia cultural da cidade passou meses na arcana discussão do que seria o novo museu Guggenheim. Sem qualquer cuidado especial, um projeto de obra num dos pontos mais bonitos do Rio tramita sem que o carioca seja ouvido ou antecipadamente informado.
É possível que os aerotecas da Infraero e o prefeito Cesar Maia achem que arquiteto é um sujeito estranho que atrasa obras com idéias malucas. Quando eles querem ver construções bonitas, vão para os terminais horrorosos que constroem e lá tomam um avião para a Europa.

Livro para estudante? Desperdício

Nas próximas semanas o MEC vai à luta para conseguir que diretores e professores da rede escolar pública desencalhem os livros que receberam do governo e os entreguem aos seus donos, os estudantes de 4ª e 5ª séries do ensino fundamental.
Numa das melhores iniciativas já feitas à custa do dinheiro da Boa Senhora, o MEC mandou 60 milhões de livros para 8,5 milhões de alunos em 139 mil escolas. Coisa fina. Foram cinco conjuntos de cinco livros. Num deles, cada garoto recebeu (ou deveria ter recebido) uma adaptação da "Odisséia", os poemas de "A Arca de Noé", de Vinicius de Moraes, uma coleção de contos e o texto de "Pluft, o fantasminha", de Maria Clara Machado. Edições bem cuidadas, livros bonitos.
Passados alguns meses da distribuição de todos os pacotes, descobriu-se que em algumas escolas eles não chegavam aos alunos. Foram conferir e descobriram que, de cada três pacotes de livros, um não foi distribuído. Essa anomalia ocorria mais nas grandes cidades do que nas pequenas.
Foi-se buscar o motivo e, numa coleta de opiniões, viu-se que muitos diretores e professores acharam um desperdício entregar livros tão bonitos a garotos tão mal formados (e talvez tão pobres). Outros querem guardá-los para a biblioteca.
Os casos de desvios parecem ser irrelevantes. O negócio é cultural mesmo. Há diretores e professores na rede pública acreditando que entregar livro bonito a estudante pobre é desperdício.
Nos próximos dias o MEC começa uma campanha, socorrido pelo artista Ziraldo. Lembrará às crianças e aos seus pais que os livros são deles. Quem tem filho na 4ª e na 5ª séries da rede pública pode ter certeza: os livros devem estar na escola. Se por algum acidente eles faltaram, podem cobrar, pois a Viúva já pagou a conta. É a escola quem precisa se explicar.

Acredite se quiser (no governo)

A ekipekonômica conseguiu uma proeza, escorregar na casca de banana que ela mesmo jogou na calçada.
FFHH chamou os quatro candidatos ao Planalto para ouvirem dele e do ministro Pedro Malan uma exposição sobre o acordo fechado com o FMI. Pela palavra de Malan, ele se referiu a um "esforço fiscal adicional". Os candidatos acharam que o governo combinara com o FMI um superávit primário de 3,75% do PIB. Passadas três semanas, descobre-se que o acerto era outro. Nas contas de 2002, o superávit combinado ficaria em 3,88%.
A diferença entre um percentual e outro é coisa de R$ 1,5 bilhão, dinheiro suficiente para a criação de 100 mil vagas em presídios.
Resta saber como fica o doutor Armínio Fraga, presidente do Banco Central. Ele disse o seguinte: "O acordo é muito bom, e seria uma tolice não aproveitar, dado que o custo adicional é nenhum".
Tolice foi dar-lhe fé.
Também ficou difícil a posição do candidato do governo, José Serra. Ele disse: "Queria reiterar que esse acordo é bastante positivo para o Brasil (...), porque não implica nenhum sacrifício adicional para a economia nacional".

Desempregado

Pode-se garantir que FFHH não acredita no projeto Segunda-Feira, de José Serra, no qual o candidato do governo projeta criar 8 milhões de empregos em quatro anos.
FFHH está procurando emprego no exterior.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota. Soube que já apareceu pelo menos um empresário querendo comprar distribuidoras de energia quebradas. Dispõe-se a pagar com o faturamento da empresa e com o que o BNDES lhe emprestar.
O idiota faz a mesma oferta e dá R$ 100 de seu bolso.

Sem mais alianças

Confidência de um diretor de instituto de pesquisas:
Se os votos de Ciro Gomes continuarem migrando para a candidatura de Lula na mesma proporção em que isso ocorreu nos primeiros dias da semana passada, ele será eleito presidente da República no primeiro turno.

Vivandeiras

O PT quer brincar de namorar militares. Na semana passada, o deputado Aloizio Mercadante, vivandeira reincidente, distribuiu as seguintes pérolas:
1) "Os militares poderão ser nossos parceiros na reconstrução do país. Claro que dentro de suas atribuições constitucionais."
Essa frase não quer dizer absolutamente nada. Os militares não são parceiros de petistas no poder ou de pefelistas na oposição. São uma instituição republicana e tem o presidente da República como seu comandante-em-chefe.
2) "Já temos uma simpatia grande das Forças Armadas, que hoje têm uma visão muito crítica da situação do país."
E se tiverem antipatia, como é que fica? Deixam de ser "nossos parceiros"?
Quem vive atrás de simpatia de militar é namorada de tenente.
Para o bem de todos e a glória do idioma, publica-se aqui mais uma vez a frase dita pelo presidente Castello Branco em agosto de 1964. O marechal referia-se aos civis que sopravam a fogueira da anarquia militar da ditadura:
"Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagancias do Poder Militar".
Em 1964, vivandeiras de esquerda e de direita tinham uma coisa em comum: estavam a fim de uma extravagância dos granadeiros. Deu no que deu.


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