São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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ELEIÇÕES 2002

Conglomerado financeiro dos EUA crê que vitória da oposição não resulte em quebra de contratos

Eleito assumirá em "cenário de estresse", prevê Merrill Lynch

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O próximo presidente da República, seja quem for, assumirá suas funções em condições que o conglomerado financeiro norte-americano Merrill Lynch define como "cenário de estresse".
Significa que "os recentes problemas econômicos e financeiros continuarão após as eleições e no começo da nova administração".
A alternativa para o "cenário estresse" seria o "benigno", mas o texto elaborado por três economistas da Merrill Lynch aposta mais no primeiro. Na prática, significa que o próximo presidente assumirá em condições econômicas bastante difíceis, suficientes de fato para causar estresse.
A análise da Merrill Lynch mantém a conhecida aposta dos agentes de mercado pela candidatura de José Serra (PSDB), mas faz uma análise bem mais serena das duas outras candidaturas principais (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, já que Anthony Garotinho não foi avaliado).
"Os três principais candidatos afirmaram de maneira crível sua crença na importância da estabilidade de preços, do equilíbrio fiscal e do respeito aos contratos", dizem Marcelo Audi, Felipe Illanes e Miguel Palomino, autores do texto. Em outros momentos da campanha, agentes de mercado usaram o argumento de que a oposição levaria o país à moratória das dívidas externa ou interna, ou seja, desrespeitaria contratos.
Agora, no entanto, ao menos para a Merrill Lynch, a perspectiva é outra: qualquer dos três candidatos analisados que se eleja, mesmo Serra, fará mudanças na linha seguida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas essa perspectiva não é vista como o fim do mundo.
A avaliação de que até Serra não representa exatamente a continuidade e, portanto, poderia ser também vítima da vulnerabilidade financeira é compartilhada por outra análise norte-americana sobre o pleito brasileiro, feita pelo CSIS (Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais), instituto de pesquisa conservador com sede em Washington.
"José Serra não é um fanático de liberalização adicional, e um governo chefiado por ele não estaria inteiramente imune à vulnerabilidade que vai além de quaisquer intenções iniciais dos candidatos", escreve William Perry, especializado em temas do Hemisfério Ocidental e que já foi diretor de assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional dos EUA. É razoável concluir que Perry concorda com a Merrill Lynch em que o "cenário estresse" é o mais provável a ser enfrentado de saída pelo futuro presidente. Afinal, ele diz que, seja quem for que assuma a Presidência em janeiro, "será obrigado a equilibrar seu desejo de mudanças de curso com certas realidades políticas e econômicas".

Setor externo
Para a Merrill Lynch, a principal mudança de curso, com qualquer presidente, se dará na área da política econômica externa.
O relatório analisa as propostas de campanha dos três candidatos nas áreas de política fiscal (os gastos e receitas do governo), de política monetária (juros, basicamente) e de câmbio, e do setor externo (as transações entre o Brasil e o resto do mundo).
Nas duas primeiras, há apenas nuances menores, na análise da consultoria, em relação ao que vem sendo praticado. Mas, na terceira, mesmo Serra marcaria "potencialmente um afastamento da política atual, que é favorável a uma alocação de recursos relativamente mais neutra".
Serra, acha a Merrill Lynch, adotaria propostas de suporte a certos setores industriais, propostas consideradas "de pobre desempenho na região".
Sobre Ciro, diz que seu programa econômico "parece basear-se na premissa de que o desenvolvimento econômico do Brasil requer um Estado mais forte que possa corrigir as atuais injustiças e debilidades políticas, guiando ("em parceria com o setor privado") a alocação de recursos para a produção e explicitamente introduzindo redistribuição de renda em grande escala". Na área externa, o texto é mais crítico: considera "opacos" os mecanismos por meio dos quais seria dado tratamento preferencial a indústrias e setores econômicos.
Sobre Lula, a análise também menciona o fato de que o PT propõe "um Estado mais proativo para promover crescimento mais forte, priorizando o setor manufatureiro doméstico e os mercados domésticos de consumo de massa". Na área externa, a crítica é ao fato de que "uma política industrial e de comércio ativa pode ajudar a reduzir gargalos, mas também abre a porta para maior intervenção burocrática".
A análise da Merrill Lynch conclui dizendo que, "em um cenário benigno, nós não esperaríamos uma significativa mudança de políticas que afetasse diretamente a estabilidade econômica". O problema é que a consultoria trabalha com o "cenário estresse" e, aí sim, as propostas de Serra são consideradas mais adequadas.
Mesmo assim, não há o terrorismo habitual dos agentes de mercado para com os candidatos de oposição. É verdade que o texto afirma que "as respostas (da oposição) poderiam não ser plenamente adequadas, gerando um círculo vicioso de crescente estresse financeiro".
Mas a Merrill Lynch diz acreditar que, "numa situação de crise, ambos os candidatos de oposição tendem a entender que lhes falta margem de manobra e a responder com o tipo certo de políticas".


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