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TERCEIRO MUNDO
Grupos afirmam que o presidente ignora realidade da África; Ceap diz ver apenas "força de expressão"
Movimentos negros reagem à gafe de Lula
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA
DA SUCURSAL DO RIO
Coordenadores de três dos
maiores movimentos negros brasileiros, Geledés, Movimento Negro Unificado e Fala Preta!, afirmaram ontem que o presidente
Lula, assim como seus antecessores, ignora a realidade da África.
Por isso, disseram, fez um discurso generalizando o continente,
como se todos os países que o
compõem fossem pobres.
Ivonei Pires, coordenador do
MNU (Movimento Negro Unificado), ressaltou que a característica mais conhecida da África, se
não a única, é a pobreza. "A visão
de Lula, um operário nordestino
que chegou à Presidência, é a
mesma de Fernando Henrique
Cardoso [ex-presidente], que é
um sociólogo culto."
O deputado Luiz Alberto (PT-BA), que integra a comitiva de Lula, é o fundador do MNU.
Elizabeth Pinto, da Fala Preta!,
afirmou que a ignorância sobre a
África "é uma característica de vários chefes de Estado". Ela citou
como exemplo o presidente norte-americano George W. Bush,
que em uma entrevista concedida
durante sua campanha à Presidência, em 2000, errou o nome de
líderes mundiais e mostrou desconhecimento em relação à história recente de países de menos
destaque no cenário mundial.
Suely Carneiro, do Geledés, instituição que participa do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência, classificou a frase de Lula de "lastimável". "O que ele disse é lastimável
e absolutamente infeliz."
O presidente do Cert (Centro de
Estudos das Relações de Trabalho
e Desigualdade), Hédio Silva Júnior, se disse "perplexo" com a
declaração do presidente.
"Estou absolutamente perplexo. Essa associação do negro à insalubridade é um ideário muito
presente no discurso racista à brasileira. O que esperamos do presidente é que ele rompa com isso."
Defesa
Para a secretária-executiva do
Ceap (Centro de Articulação de
Populações Marginalizadas),
Maitê Ferreira da Silva, Lula não
cometeu nenhuma gafe. Ela interpretou a declaração do presidente
como "uma força de expressão".
"É um desejo que ele tem de ver
a África igual àquele pedacinho [a
Namíbia]", afirmou.
Segundo Ferreira da Silva, o
presidente deseja ver toda a África
"limpa, cheirosa e maravilhosa".
"Ele não está desmerecendo, está ousando, deslumbrando um
belo futuro para africanos e brasileiros. Essa é a posição do Lula, e a
demonstração mais forte é a exposição sobre a África, que está no
[Centro Cultural] Banco do Brasil
[no centro do Rio]", disse ela.
O presidente do Ilê-Aiyê -o
mais tradicional bloco afro da Bahia-, Antonio Carlos dos Santos,
o Vovô, 51, disse que faltou habilidade política ao presidente Lula
em seu discurso na Namíbia.
"Pelo que disse, o presidente
também pensa que os países africanos são focos de corrupção, miséria e endemias", disse Vovô.
Para o presidente do Ilê, Lula
precisa ter mais "humildade" antes de disparar as suas críticas.
"Ele gosta de falar de improviso,
mas não tem cultura suficiente
para emitir certas opiniões."
Historiadores
Dois historiadores ouvidos pela
Folha divergiram sobre a declaração do presidente.
A professora de história da África contemporânea da USP Leila
Leite Hernandez disse que "a frase não é preconceituosa". Para ela,
a frase chama a atenção para o fato de que existem várias Áfricas.
"Uma delas é a que nos mostra a
maior renda dessa região, que
tem riqueza, que tem bolsões."
O professor Leandro Karnal,
chefe do departamento de história da Unicamp, tem outra visão.
"Lamento que o Lula tenha dito
isso", disse ele.
Segundo Karnal, "essa frase
nasce de um senso comum que
associa a África a subdesenvolvimento, o mesmo senso comum
que associa o Brasil à selva Amazônica". O professor, porém, ressalva: "Não sei se o contexto foi
esse". "Uma frase fora do seu contexto diz pouca coisa."
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