São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000

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MILITARES

Banco de dados nacional conta com informações de órgãos de repressão

Ministério da Justiça usa arquivos do regime militar

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Um banco de dados nacional gerenciado e financiado pelo Ministério da Justiça utiliza amplamente arquivos montados por órgãos de repressão durante o regime militar (1964-85).
Até anteontem, o cadastro era chefiado pelo coronel do Exército Rubens Bizerril, afastado da coordenação de Planejamento e Segurança Pública do Ministério devido a acusação de envolvimento com a morte de um preso político por tortura em 1972.
Denominado Infoseg (Programa de Integração Nacional das Informações de Justiça e Segurança Pública), o sistema continua a divulgar dados colhidos por órgãos policiais dedicados a combater oposicionistas nos governos militares.
Funcionando em rede informatizada em todo o país, expõe as fichas de artistas como o compositor Caetano Veloso e o humorista Millôr Fernandes.
Desatualizado, continua a caçar -afirma haver mandados de prisão em aberto- o guerrilheiro Carlos Lamarca (morto em 1971), o ex-governador Leonel Brizola, o deputado Nilmário Miranda (PT-MG) e dezenas de desaparecidos políticos cujas famílias já foram até indenizadas pela União em virtude de suas mortes.
O tesoureiro de Fernando Collor na campanha presidencial de 1989, Paulo César Farias, continua com mandado de prisão em vigor, segundo o Infoseg, talvez o único banco de dados que ignore o assassinato de PC em 1996.
Enquanto alerta as autoridades judiciais e policiais de todo o país para prender mortos e opositores do regime militar, o Infoseg informa erradamente que não há mandado de prisão contra o ex-juiz foragido Nicolau dos Santos Neto, acusado de desvio de verba da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
O Infoseg é uma das meninas dos olhos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, subordinada ao Ministério da Justiça. O controle do programa, cujo coordenador nacional era o coronel Rubens Bizerril, é do Departamento de Planejamento e Execução da Política Nacional de Segurança Pública.
Na página do Ministério na Internet, o Infoseg é o primeiro item citado entre os três ""programas mais importantes" do departamento.
Foi criado em 1995, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de sanar a falta de informações dos Estados sobre criminosos (especialmente narcotraficantes), mandados de prisão, registro de veículos e armas. Armazena 6,255 milhões de unidades informativas.
A União controla e financia o programa, abastecido diretamente pelos Estados e pela Polícia Federal com seus bancos de dados.
Se policiais levarem ao pé da letra o que está escrito no Infoseg, vão deter quem tem mandados de prisão cancelados e vencidos, como Nilmário Miranda.
O Estado de Pernambuco informa que há um mandado de prisão contra o parlamentar, provavelmente dos anos 70, quando ele ficou preso por três anos.
O hoje professor de música Carlos Eugênio Sarmento da Paz pode ser preso se um policial consultar o Infoseg num aeroporto, por exemplo. Há uma ordem de prisão contra ele, que há 30 anos era um comandante da ALN (Ação Libertadora Nacional).
Entre os guerrilheiros mortos -incluindo os desaparecidos e os que tiveram os corpos devolvidos às famílias- estão Lamarca, Mário Alves (assassinado em 1970), Maria Augusta Thomaz (1973), Virgílio Gomes da Silva (1969), Antônio Carlos Bicalho Lana (1973) e muitos outros.
Existem fichas do já morto líder comunista Luís Carlos Prestes e de ativistas de esquerda da década de 70, como o atual presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul. Não há ordem de prisão contra Prestes e Reichstul.
O Infoseg cita São Paulo como fonte da informação de que, em 4 de outubro de 2000, não havia mandado de prisão contra Nicolau dos Santos Neto, mas apenas um processo contra ele. Na verdade, o ex-juiz já estava foragido.
Em meio a trapalhadas e uso de arquivos da repressão política, descobre-se curiosidades como um inquérito que, em 1975, investigou Caetano Veloso pela suspeita de crime registrado no artigo 234 do Código Penal -expor-se publicamente com escrito, desenho ou objeto obsceno.
Até o começo do ano, o presidente Fernando Henrique Cardoso também estava inscrito no Infoseg, com um mandado de prisão de 1965. A ficha já foi retirada, ao contrário das do ministro José Serra (Saúde) e do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, morto em 1997.
Em janeiro, o secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, José Paulo Bisol, informou o Ministério da Justiça sobre o uso de arquivos dos tempos do regime militar. Desde a gestão de Antônio Britto (PMDB), o governo gaúcho não repassa ao Infoseg as informações de fichas sobre pessoas investigadas ou punidas por crimes políticos.


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