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ENTREVISTA DA 2ª
MARINA SILVA
Ministra do Meio Ambiente afirma que não sairá do PT, defende Lula e cobra ação de Estados e municípios
Ministério não faz pirotecnia, mas dá resultado, diz Marina
Lula Marques - 22.dez.05/Folha Imagem
![](../images/n0901200601.jpg) |
A ministra Marina Silva concede entrevista no seu gabinete em Brasília, no dia do aniversário de 17 anos da morte de Chico Mendes |
CRISTINA FIBE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
No dia do aniversário de 17 anos
da morte de Chico Mendes, seu
companheiro de lutas no Acre e
mentor, a ministra Marina Silva
(Meio Ambiente), 47, recebe a Folha em seu gabinete, acompanhada por três assessores.
O jeito discreto ganha intensidade quando o assunto é violência no campo, e Marina, com a
voz embargada, se esforça para
mudar o tom. Para ela, o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, no Pará, no
ano passado, foi uma reação às
medidas do governo em favor do
ambiente. Entre os atos da sua
pasta, ela reivindica o mérito pela
redução dos desmatamentos na
Amazônia, com aumento na fiscalização e operações de inteligência. "Viemos fazer um trabalho sério, estruturante, já criamos
mais unidades de conservação em
áreas de conflito na Amazônia
nesses três anos do que foi criado
nos oito anos anteriores."
Sobre as críticas que tem recebido de que faz concessões demais,
ela diz que é cobrada porque não
faz "pirotecnia" de suas ações.
"Você tem que ter um pouco de
paciência e muita salmoura para
passar no couro", declarou.
A ministra afirma que não se
decepcionou com o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo
depois das denúncias que atingiram o governo: "Ele me acolhe,
ele que me dá chancela".
Leia a seguir trechos da entrevista, realizada no gabinete da ministra, em 22 de dezembro:
Folha - A que se deve a redução
do desmatamento na Amazônia,
que caiu 30,5% de 2004 para 2005?
Marina Silva - Nossa constatação
foi que o problema do desmatamento não poderia continuar
sendo tratado como historicamente vinha sendo. Levamos para a Casa Civil e para o presidente
a idéia de que se deveria apostar
num processo estruturante para
enfrentar o desmatamento, a partir de um programa de prevenção
e combate que não deveria ser
uma ação só do ministério, mas
de vários setores, coordenado pelo centro de governo, embora ficássemos no papel de uma espécie de coordenação executiva.
Além disso, tivemos um aumento na capacidade de fiscalização de 63%, com a realização de
197 operações de fiscalização, e
também uma ação combinada
com a Polícia Federal. Foram realizadas sete operações de inteligência, que até agora já significaram a prisão de 247 pessoas.
Folha - Há descaso do governo
Lula em relação ao meio ambiente?
Marina - Esses números que acabei de mencionar, eles podem ser
concretamente aferidos. Como
eles não existiam em 2002, devo
crer que nós conseguimos ampliar o esforço que o Ministério
do Meio Ambiente já tinha, ao
longo dos seus 13 anos de vida.
A decisão foi, e a minha decisão
particular, de que nós não iríamos
fazer pirotecnia ambiental. Eu poderia até descer numa região,
prender dois ou três contraventores e espantaria a maioria. Nós
optamos por um caminho de fazer inteligência. Tem que ter um
pouco de paciência e muita salmoura para passar no couro, mas
queremos fazer algo que possa ficar para a sociedade brasileira.
Viemos fazer um trabalho sério,
estruturante, já criamos mais unidades de conservação em áreas de
conflito na Amazônia nesses três
anos do que foi criado nos oito
anos anteriores.
Folha - A sra. relaciona as críticas
que tem recebido a essa falta de divulgação?
Marina - As pessoas que de fato
acompanham a agenda sabem o
que está sendo feito, e essas operações todas são uma ação concreta de que as coisas estão sendo
feitas. Valorizo muito mais o resultado correto do meu trabalho
do que o sucesso passageiro que
poderia ter com frases de efeito
que não levariam a nada.
Folha - Quais as dificuldades que
a sra. encontrou no ministério?
Marina - São dificuldades históricas. Não ter ordenamento territorial há 30 anos no país é um déficit muito grande, e se alguém
acha que é possível em três anos
responder a uma década de ausência... Isso não é mágica, é trabalho. Eu diria que a mídia cobra
com razão, mas é preciso dar um
sinal de que as coisas estão sendo
feitas de forma concreta, não de
forma pirotécnica, que muitas vezes é isso que alguns políticos fazem, na expectativa de ter o louro
imediato. Eu nunca fiz isso.
Folha - Em 2005, a missionária
Dorothy foi assassinada no Pará e o
ambientalista Francisco Anselmo
de Barros se suicidou contra as usinas de álcool no Pantanal. Por que
as duas mortes relacionadas a
questões ambientais no ano?
Marina - No caso da irmã Dorothy, não tenho dúvida de que
foi uma reação para tentar intimidar o governo, que havia chegado
com a forte determinação de fazer
todas essas ações.
Em relação ao Franselmo não
quero fazer nenhum juízo de valor, porque, embora eu tenha as
minhas convicções de que Deus é
o autor da vida e de que só Ele pode lançar mão dela, as pessoas
têm livre-arbítrio. Mas a questão
do projeto que o governador [Zeca do PT] mandou para a Assembléia Legislativa [de Mato Grosso
do Sul] não tinha a concordância
do ministério, e não tinha base legal para acontecer. A decisão do
ambientalista em cessar a sua vida
é um julgamento que eu não posso fazer. Mas o ministério em nenhum momento ficou omisso.
Folha - E o caso da greve de fome
do bispo Luiz Flávio Cappio contra
a transposição do São Francisco?
Marina - A transposição do São
Francisco é um programa complexo, e o presidente Lula me deu
total autonomia para não ter que
me meter nos aspectos de oportunidade e conveniência do projeto.
Isso quem faz é um empreendedor, o ministro Ciro Gomes [Integração Nacional]. Fiquei com total autonomia para fazer o processo de licenciamento ambiental.
Do ponto de vista da qualidade
socio-ambiental do projeto, eu
me sinto inteiramente segura e
eticamente respaldada.
Folha - Então o ministério é a favor da transposição?
Marina - Olha, tecnicamente,
ambientalmente, você não tem
como dizer que o projeto é inviável, é isso que eu posso dizer.
Folha - Depois de três anos de ministério, qual o seu balanço? A sra.
está satisfeita com as ações que
concluiu?
Marina - Quando o presidente
Lula me fez o convite eu sabia que
seria um grande desafio. Esses resultados que eu estou mencionando, essas são conquistas que a
sociedade brasileira e o Estado
brasileiro devem estar amadurecidos para elas. Acho que em serviço público você tem que estar
pronto para ir respondendo aos
desafios e, se esses desafios estão
sendo respondidos, você tem que
se preparar para os próximos.
Folha - A sra. cogita deixar o ministério para se candidatar?
Marina - Não. Quero trabalhar...
Este ano é um ano de grandes desafios, porque é um ano eleitoral,
o desmatamento teve um pico de
27% exatamente em 2002, um ano
eleitoral, e essas políticas todas
precisam continuar sem baixar a
guarda um milímetro.
Folha - Gostaria que respondesse
às críticas de que a sra. seria o escudo de um governo que não vê a política ambiental como prioridade.
Marina - Tudo o que eu falei são
ações de governo. Essa idéia tem
que ser aferida nos fatos, na prática. Mas talvez quando eu tiver 70
anos as pessoas possam fazer melhor essa aferição. Sou formada
em história e os historiadores
aprenderam a ter paciência.
Folha - A que se devem as críticas,
então?
Marina - Eu não sei, porque é
muito difícil divulgar as ações. Às
vezes as pessoas dizem: "mas você
sempre teve um capital tão grande, você está perdendo todo o seu
capital". E eu não estou gerenciando um capital pessoal, acho
que tudo isso que Deus me deu
não teria sentido se fosse para
acumular ou mofar na prateleira.
Tem que se colocar à disposição
desse esforço que está sendo feito.
Folha - A sra. não se preocupa
com a sua imagem?
Marina - O maior pecado é sempre o da vaidade, né? Então quando você é acossado de todos os lados e às vezes até maldosamente
desqualificado também sente dor,
porque é difícil, mas você tem que
olhar e verificar, poxa, além dessa
minha dorzinha vaidosa, o que é
mais importante que está sendo
feito? Então você tem que trincar
os dentes e continuar fazendo.
O que faz com que todo mundo
reconheça Chico Mendes é a
grande virtude de, mesmo em situações adversas, continuar fazendo o que acreditava. O que faz
com que [Nelson] Mandela seja
respeitado é que ele foi capaz de
enfrentar o apartheid mesmo
quando teve que ficar 27 anos na
cadeia sendo humilhado. Digo isso porque essas pessoas, a nós, pequeninos, grãozinhos de mostarda, nos inspiram. É disso que este
país está precisando.
Folha - A sra. já cogitou ou pensa
em, no futuro, sair do PT?
Marina - Não. Eu acho que os
800 mil filiados, militantes do PT
não podem pagar pelo preço do
erro de alguns.
Folha - A sra. se decepcionou com
o governo Lula?
Marina - Olha, sou parte do governo e acho que nós estamos
passando por um momento muito difícil. Os erros do PT têm que
ser julgados pela sociedade e pela
Justiça. Mas o esforço que está
sendo feito por esse governo na
agenda social, na ambiental, mesmo na de desenvolvimento, é um
esforço que não pode ser negligenciado em absoluto.
Acredito em processos cumulativos. Cada um é capaz de dar a
sua contribuição e eu sei que o
presidente Lula está dando uma
grande contribuição. Acho muito
difícil que qualquer outro presidente da República, até por tudo
que dizem, que eu sou xiita, que
sou isso, que sou aquilo outro,
quisesse ter uma ministra como
eu. Só é possível porque ele me
acolhe, ele que me dá chancela para fazer todas essas coisas.
Folha - Há como evitar novas
mortes por conflitos ambientais?
Marina - O tensionamento do século é a disputa por recursos naturais. Quando do processo de
ocupação do 1,3 milhão de km2 da
Mata Atlântica não se tinha a
consciência que se tem hoje. Este
país tinha cinco milhões de índios
quando os brancos chegaram
aqui. Morreu um milhão a cada
século. Então, temos uma fronteira que pressiona. Que bom que
hoje temos uma legislação e uma
consciência que nos acolhem.
O que se tem que buscar é um
esforço de coerência. As instituições públicas, as polícias estaduais precisam se aparelhar, nós
vivemos numa federação. Eu
sempre digo: é claro que a cobrança vai vir sempre em cima da ministra, mas nós temos um sistema
nacional, que tem competências
da União, do Estado e do município. Essas competências todas
têm que ser trabalhadas para que
a gente possa evitar novas mortes.
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