UOL

São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Juízes aposentados do STF e do STJ atuam junto às cortes que integraram; políticos procuram serviços de ex-magistrados

Ex-ministros têm 529 ações como advogados

JULIA DUAILIBI
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em atividade que chegou a ser proibida no país por 12 anos, 18 ex-ministros do STJ e do STF atuam como advogados em 529 processos nos próprios tribunais em que trabalharam. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) defende uma quarentena de dois anos para os ex-ministros.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco Aurélio Mello, 56, apóia uma medida ainda mais radical, a vedação de trabalho de advogado para os ex-colegas. "Acho que a aposentadoria é um ócio com dignidade", afirmou. O presidente do STF considera suficientes os R$ 12 mil líquidos que um ministro aposentado recebe, em média.
A atuação de ex-ministros nos tribunais em que trabalharam foi proibida por lei entre 1933 e 1945 (leia texto abaixo).
Como ex-integrantes dos tribunais, esse grupo seleto de advogados pode participar, ao lado dos atuais ministros, de um lanche servido diariamente nos dois tribunais, dividir elevadores privativos com os atuais ministros e desfrutar da amizade que possam ter criado na época em que trabalharam juntos.
A senadora Roseana Sarney (PFL-MA), o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB), a mulher do ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, Sylvia, o ex-deputado federal Sérgio Naya, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia e o laboratório Schering do Brasil (acusado de fabricar pílulas anticoncepcionais de farinha): em comum, todos contrataram escritórios de ex-ministros para se defender de acusações do Ministério Público ou de supostas vítimas.

Clientela política
O campeão de clientes políticos é o ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, 73, que atuou por dez anos no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele defendeu, nos últimos quatro anos, Roseana, Roriz e Naya, além de Sylvia Maluf. "Pode até parecer um ato de empáfia, mas devo dizer que eles me procuram pelo meu conhecimento jurídico, não pelo fato de eu ser ex-ministro", disse Cernicchiaro.
No processo em que representou Roseana, Cernicchiaro pediu que o processo que tramitava no Maranhão fosse enviado ao STJ e, também, a anulação dos atos da Polícia Federal que resultaram na apreensão de documentos e R$ 1,3 milhão na empresa Lunus, de São Luís (episódio que resultou na renúncia da candidatura de Roseana à Presidência da República, em março de 2002).
O pedido foi atendido em parte. O ministro relator Ruy Rosado decidiu que o processo contra Roseana deveria tramitar no STJ, mas negou a anulação dos atos da PF. Roseana queria tirar da Justiça Federal do Maranhão a competência de determinar investigações, o que conseguiu.
A mulher do ex-ministro Cernicchiaro, Concita Ayres, também advoga para dois acusados de narcotráfico que a Polícia Federal considera de alto interesse: o colombiano Vicente Wilson Rivera Ramos, preso em 95 sob acusação de envolvimento com uma carga de 7,5 toneladas de cocaína, e Sâmia Haddock Lobo, ex-mulher de Antônio Mota Graça, o "Curica", um dos principais traficantes presos na década de 90 no país -ambos relacionados à mesma carga atribuída a Rivera.
Os próprios ministros aposentados admitem que parte da procura de seus clientes se deve ao fato de conhecerem os meandros dos tribunais. "Não posso me despir da minha condição de ex-presidente do STJ. Mas isso aí me dá confiabilidade, credibilidade. Não significa que eu venha a ganhar todas as minhas ações. Se for olhar no STJ, verá que já perdi ações", afirmou o ex-presidente do STJ, Paulo Costa Leite, 54.
Em número, o desempenho dos ex-ministros não fica atrás de estrelas da advocacia, como Nabor Bulhões, advogado do ex-presidente Fernando Collor no impeachment, que registra 109 ações no STF e 78 no STF, ou Sergio Bermudes (187 e 63, respectivamente). O ex-ministro mais atuante, Francisco Cláudio de Almeida Santos, 67, registra 168 processos em seu nome no STJ e 18 no STF.
"Tenho tido muitas dificuldades, tenho sofrido derrotas, como qualquer advogado", afirmou Luiz Cernicchiaro.
O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Aldir Guimarães Passarinho, 81, atuou em 53 processos no STJ, onde seu filho, Aldir Guimarães Passarinho Júnior, 40, é ministro desde 1998. Ele não vê problemas na situação: "Por lei, meu filho se declara impedido quando recebe um processo em que eu atuo. Eu acho que isso ocorreu em um ou dois casos. É muito pouca coisa".
Todos os oito ex-ministros ouvidos pela Folha negaram frequentar os lanches nos tribunais e alegaram manter atitude "de respeito" aos ministros julgadores.
"Tem o tradicional chá das 16h, mas lá não se comenta sobre os processos. É uma tradição e uma cortesia do tribunal. Advogados ilustres também são chamados para participar", afirmou o ministro aposentado do STF, Paulo Brossard, 78, que afirmou não comparecer aos encontros.
O ex-ministro José Cândido de Carvalho Filho, 78, atua como advogado há oito anos. Nesse período, diz ele, o STJ teve sua composição toda modificada. "O tribunal já está renovado. E eles também não dão a menor bola para general de pijama", ironizou.



Texto Anterior: Professor da PUC-SP, candidato foi aluno de Miguel Reale
Próximo Texto: Ofício cita "trânsito fácil" no STJ
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.