São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Elio Gaspari

As prévias de Tasso podem oxigenar o PSDB


Sabe-se mais das propostas de Obama para os EUA do que as plataformas dos candidatos a prefeito no Brasil

HÁ UMA BOA notícia no cenário eleitoral brasileiro. É a proposta do senador Tasso Jereissati criando um sistema de prévias para a escolha dos candidatos a cargos executivos do PSDB. Quem está acompanhando as campanhas americanas pode avaliar o caráter purificador desse mecanismo. Obriga os candidatos a sair dos conchavos para disputar os votos da patuléia antes da hora do vamos ver.
As chances da proposta de Tasso são, no máximo, de 20%. Por enquanto, ela está aberta ao debate e o simples fato de provocá-lo já é um bom passo. As prévias do PSDB poderão ser abertas a todos os eleitores ou fechadas, só para os filiados. Elas poderiam definir diretamente até 80% dos votos das convenções. Os outros 20% ficariam com as bancadas federais e estaduais do partido. Os Estados poderiam formar delegações de tamanhos diferentes ou ter pesos diversos na convenção.
Depois que a caciquia do PSDB deixou-se fotografar em 2006 numa mesa de restaurante, dando a impressão (falsa) de que escolhiam o candidato a presidente da República, as decisões do tucanato adquiriram um travo de vinho italiano estragado.
A forma da prévia importa pouco. O essencial é o processo. O sistema americano levou quase 40 anos para amadurecer, mas faltam oito meses para o pleito e a campanha presidencial de Barack Obama, Hillary Clinton e James McCain entrou em todos os lares do mundo. Sabe-se mais das propostas de Obama para os Estados Unidos do que das plataformas de qualquer candidato a prefeito no Brasil. Esse é o milagre das prévias. Seria cópia de um modelo estrangeiro? Sem dúvida, como a calça comprida foi copiada aos bárbaros, prevalecendo sobre a tanga.
A idéia tem adversários e dificuldades. A tentativa de organizar prévias para a escolha do candidato no Rio naufragou como um ferro de passar numa piscina. Em 2000, o PPS tentou organizar uma primária para a escolha do candidato a prefeito de São Paulo, e o professor Mangabeira Unger foi denunciado por comprar inscrições. Coisas da vida. Seria bom para todo mundo que houvesse a discussão. Quem é contra bota a cara na vitrine e quem é a favor sobe no caixote.

O MISTÉRIO DO LAPTOP DO NARCOGUERRILHEIRO

Os militares colombianos dizem que capturaram o laptop do comandante Raúl Reyes, segundo homem das Farc e genro do chefão "Tirofijo". No disco do companheiro teriam encontrado coisas do arco da velha: o rastro de US$ 300 milhões de Hugo Chávez, negócios de cocaína, acordos com o governo do presidente equatoriano Rafael Correa e uma mirabolante transação de urânio.
Há um motivo para duvidar dessa história. Admita-se que o computador de Reyes não tivesse qualquer tipo de segurança e ainda assim é difícil acreditar que ele não protegesse com alguma senha os documentos mais sigilosos. Um dos textos indica que seus redatores usaram um código numérico para proteger nomes. Não faria sentido criptografar meia dúzia de identidades e deixar o caroço acessível para qualquer curioso.
Apesar disso, há motivos para acreditar nos generais colombianos. Em 1962, caiu nas montanhas do Peru um avião da Varig que levava o poeta Mário Faustino e uma comitiva de 11 cubanos. Entre os destroços foi encontrada uma mala diplomática com farto papelório sobre os focos guerrilheiros que o castrismo estava montando no Brasil. Havia até relatórios de um campo de treinamento em Goiás, visitado por um fiscal cubano.
A papelada foi publicada por "O Jornal" e os sábios do Itamaraty acharam que era tudo fantasia de anticomunistas profissionais.
Era tudo verdade. Infelizmente, Miguel Brugueras, o segundo homem da Embaixada de Cuba na ocasião, morreu em 2006 sem contar sua história.

XEPA DE FEIRA
Na tarde de quarta-feira, realizou-se no gabinete do senador Garibaldi Alves uma reunião de dirigentes partidários para discutir R$ 534 milhões dos intestinos do Orçamento da União. Durou mais de duas horas e juntou uns 20 deputados e senadores. Um dos participantes do encontro assegura que já esteve em inúmeros cambalachos dessa espécie, mas nunca viu cenas, diálogos e condutas tão repulsivas.
Aviso aos navegantes: um dia alguém grava uma reunião desse tipo, e o Congresso desaba, como o primeiro templo de Jerusalém.

VIDA SEM INTELIGÊNCIA
Surgiu um Frankenstein no debate das células-tronco. Criou-se uma distinção entre o início da vida segundo os critérios científicos e o início da vida de acordo com os princípios jurídicos, como se uma pudesse depender da outra.
A vida começa sem relação passada, presente ou futura com a ordem jurídica. Durante a maior parte do tempo de existência do Brasil como entidade territorial, estabeleceu-se que os negros não eram gente. Isso para não falar nos países europeus que legislaram sobre a procriação de judeus.
Se a vida começa (ou não) no momento da fecundação é um bonito debate. Mais: esse detalhe não é religioso. Um sujeito pode ser ateu, acreditar no argumento da fecundação e, ainda assim, defender as pesquisas com células-tronco (ou mesmo o direito de uma mulher decidir abortar). Achar que só há vida depois que ela é reconhecida em cartório ou autenticada pela OAB equivale a regredir ao período em que o cérebro do nosso macaco mal sabia comandar as pernas.

VOZ DA SABEDORIA
De um sábio que já viu de tudo, duvidando da hipótese de Nosso Guia sair pelo Brasil carregando nos ombros um candidato-poste para elegê-lo presidente da República: -Conheço-o há mais de 30 anos. Lula nunca apoiou ninguém.

PERIGO
A CUT já sentiu o cheiro de queimado das relações incestuosas entre as centrais sindicais, o Ministério do Trabalho e a bolsa da Viúva. Os companheiros tomam prudente distância dos homens-bomba.

REGISTRO
Nosso Guia é o pai dos pobres e a mãe da banca. Em 2007, o lucro de 101 instituições financeiras nacionais chegou a R$ 45,4 bilhões, ou US$ 26 bilhões. Essa cifra é maior que o PIB de 121 das 230 nações do mundo. Se a banca brasileira fosse um país, seu lucro ficaria abaixo da Jordânia e acima do Paraguai. (Essa comparação baseia-se na Paridade do Poder de Compra.)

SAUDADES
A associação da diplomacia espanhola à polícia dos aeroportos é coisa recente. O Brasil já teve um embaixador espanhol capaz de comover um combatente das tropas republicanas durante a Guerra Civil. Chamava-se Jaime de Alba, um aristocrata no porte e na conduta. Ele vivia no mesmo edifício da Vieira Souto habitado por Juscelino Kubitschek. Era embaixador da ditadura do generalíssimo Francisco Franco, "caudillo de España por la gracia de Dios". Em 1964, quando JK estava ameaçado de prisão pelos coronéis da ditadura, Don Jaime fez-lhe chegar um convite. Caso necessitasse, poderia tomar o elevador e teria a proteção do solo espanhol.


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