São Paulo, terça-feira, 09 de maio de 2006

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JANIO DE FREITAS

Sons da corrupção

O mais importante na entrevista em que o ex-secretário-geral do PT reesquenta o escândalo do "valerioduto" não está no que disse a Soraya Aggege ("O Globo"). Está no fato inexplicado, mas não imotivado, do repentino rompimento de seu retiro para um falatório vasto e espalhafatoso, contra todo o esforço do governo e do PT para para dar novo rumo às atenções.
Silvio Pereira, como ele mesmo diz, tem bastante experiência política, ainda por cima adquirida na politicagem pesada da luta de facções, comum aos partidos ditos de esquerda. Imaginá-lo cometendo desabafos não tem cabimento. Menos ainda, que de repente se dispusesse a revelações comprometedoras sobre as atividades ilegais de que foi integrante. Participação que nega mais uma vez, enquanto se refere a planos, métodos e cifras da corrupção que só poderia conhecer se integrante do esquema.
A observação inicial que a entrevista suscita diz respeito ao senador Aloizio Mercadante. Pela primeira vez, alguém que fala da corrupção movida pelo PT junta o nome de Mercadante aos de Lula, José Dirceu e Genoino como os "que mandavam no PT". Silvio Pereira ficou identificado como um dos petistas mais ligados a Dirceu, que, por sua vez, há muito é reconhecido como adversário de Mercadante. E, por isso, adepto da indicação de Marta Suplicy como candidata do PT contra José Serra para o governo paulista.
Por uma coincidência admirável, a entrevista de Silvio Pereira foi dada para divulgação no mesmo domingo, anteontem, da escolha dos petistas entre os pré-candidatos Mercadante e Marta.
Servir a José Dirceu não requer oportunidade para Silvio Pereira. Dirceu, portanto, obviamente "não recebia Marcos Valério". Mas os arremates costumam ser traiçoeiros, como se vê da frase completa de defesa: "Já ministro, José Dirceu não recebia Marcos Valério nem gostava da situação". Se não gostava, é porque tinha conhecimento "da situação" que levou o PT a dívidas, com Marcos Valério, que "chegaram a R$ 120 milhões". O arremate do escudeiro confirma o que Dirceu nega.
Mas a referência à dívida tem um componente esquisito. Apesar de algumas frases que sobrecarregam Marcos Valério de culpas, para inocentação de Delúbio Soares e outros, Silvio Pereira, ao citar aquele montante de dívida, dá uma suspeita cobertura à cobrança judicial, de mesma dimensão, que Valério faz contra o PT. Um testemunho público e autorizado em benefício do "credor" Marcos Valério.
Outra frase perdida que, de perdida, nada tinha. Há um ano batalhando para escapar das acusações de manipulador dos fundos de pensão e seus muitos bilhões, Luiz Gushiken foi lembrado por Silvio Pereira para umas palavras rápidas e explosivas: "Os maiores [fundos] ficaram com o Gushiken". Mesmo nos bons tempos, as facções de Dirceu e de Gushiken não guardavam aparências de convívio nem pela frente, quanto mais, agora, pelos fundos.
Diz Silvio Pereira que "o plano era faturar um bi", com intermediações e coberturas para falcatruas em licitações e outros negócios do governo, dos quais cita alguns.
Ainda que as comissões fossem muito altas, por exemplo, na média de 20% do valor dos negócios, o esquema precisaria ter o controle de R$ 5 bilhões dos negócios governamentais. O que exigiria, provavelmente, grande quantidade de transações sob domínio do esquema Valério/ PT/ministérios.
A CPI dos Bingos voltou a convocar Silvio Pereira, para depor amanhã sobre temas de sua entrevista. Caso compareça, nem por isso vai dizer o mais importante em sua entrevista: o motivo.


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