São Paulo, domingo, 09 de julho de 2000


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QUILOMBOS
Comunidade negra na divisa do Rio com Minas ainda prefere as lamparinas de querosene às lâmpadas elétricas
Herdeiros de escravos mantêm tradições até hoje

ANTONIO CARLOS DE FARIA
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DA SERRA

Na serra da Beleza, a três horas do Rio de Janeiro, 113 descendentes de escravos convivem com o desafio de receber benefícios da vida moderna sem perder as tradições de seus antepassados.
A energia elétrica chegou há um mês na comunidade, na fazenda São José da Serra, a 55 quilômetros de Valença, quase divisa com Minas Gerais.
Apesar disso, nenhuma das 14 casas trocou as lamparinas de querosene por lâmpadas elétricas. Os líderes têm receio de que isso cause mudança de cultura.
O grupo é a sétima geração desde os escravos comprados para trabalhar na fazenda a partir de 1830, com a expansão do café.
Vivendo em relativo isolamento, preservam tradições como o jongo -dança de origem afro-brasileira-, a arquitetura rústica das casas e um sincretismo entre o catolicismo e a umbanda.
"Sem isso, seríamos mais um vilarejo de negros pobres", afirma Zeferina do Nascimento Fernandes, 79, que divide a liderança da comunidade com Manoel Seabra, 80. Zeferina, mãe-de-santo, é a líder espiritual. Seabra é o especialista em ervas medicinais.
Na quinta-feira, dia de são Pedro, os moradores da comunidade não trabalharam. "Guardaram o dia santo" e comemoraram dançando o jongo, estendendo-se pela noite, iluminados por uma fogueira. Zeferina, que comanda a dança, diz que aprendeu com seus avós, escravos da fazenda.
O jongo é uma dança afro-brasileira. Os participantes entoam cantos acompanhados por tambores. Os dançarinos ficam em roda, batendo palmas. No centro, um casal dança em círculos.
Os tambores foram feitos em troncos esculpidos a fogo, ainda no tempo da escravidão. Os cantos, chamados "pontos", contêm enigmas só decifráveis pelos que conhecem o significado oculto das palavras entoadas.
A comunidade é reconhecida pela Fundação Palmares como território cultural histórico. Em agosto, começam pesquisas sobre a propriedade da área. Se for necessário desapropriar, haverá indenizações.
O atual proprietário, Friedrich Wolfgang Derschum, 77, brigadeiro aposentado da Força Aérea, diz que não concorda com a desapropriação, mas oferece doar 7 dos 36 alqueires da propriedade. "Sei que o governo não tem dinheiro e vão querer pagar a desapropriação com títulos podres. Isso eu não aceito", diz Derschum.
Enquanto não têm direito reconhecido, os moradores não podem obter financiamentos para plantar ou desenvolver projetos na área, vivendo de agricultura de subsistência e como mão-de-obra em propriedades vizinhas.
A Fundação Palmares, ligada ao Ministério da Cultura, identifica áreas remanescentes de quilombos ou ocupadas por comunidades negras, para regularizar a posse da terra. Atualmente há no país 724 áreas já identificadas.


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