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QUILOMBOS
Comunidade negra na divisa do Rio com Minas ainda prefere as lamparinas de querosene às lâmpadas elétricas
Herdeiros de escravos mantêm tradições até hoje
ANTONIO CARLOS DE FARIA
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DA SERRA
Na serra da Beleza, a três horas
do Rio de Janeiro, 113 descendentes de escravos convivem com o
desafio de receber benefícios da
vida moderna sem perder as tradições de seus antepassados.
A energia elétrica chegou há um
mês na comunidade, na fazenda
São José da Serra, a 55 quilômetros de Valença, quase divisa com
Minas Gerais.
Apesar disso, nenhuma das 14
casas trocou as lamparinas de
querosene por lâmpadas elétricas.
Os líderes têm receio de que isso
cause mudança de cultura.
O grupo é a sétima geração desde os escravos comprados para
trabalhar na fazenda a partir de
1830, com a expansão do café.
Vivendo em relativo isolamento, preservam tradições como o
jongo -dança de origem afro-brasileira-, a arquitetura rústica
das casas e um sincretismo entre o
catolicismo e a umbanda.
"Sem isso, seríamos mais um vilarejo de negros pobres", afirma
Zeferina do Nascimento Fernandes, 79, que divide a liderança da
comunidade com Manoel Seabra,
80. Zeferina, mãe-de-santo, é a líder espiritual. Seabra é o especialista em ervas medicinais.
Na quinta-feira, dia de são Pedro, os moradores da comunidade não trabalharam. "Guardaram
o dia santo" e comemoraram
dançando o jongo, estendendo-se
pela noite, iluminados por uma
fogueira. Zeferina, que comanda a
dança, diz que aprendeu com seus
avós, escravos da fazenda.
O jongo é uma dança afro-brasileira. Os participantes entoam
cantos acompanhados por tambores. Os dançarinos ficam em
roda, batendo palmas. No centro,
um casal dança em círculos.
Os tambores foram feitos em
troncos esculpidos a fogo, ainda
no tempo da escravidão. Os cantos, chamados "pontos", contêm
enigmas só decifráveis pelos que
conhecem o significado oculto
das palavras entoadas.
A comunidade é reconhecida
pela Fundação Palmares como
território cultural histórico. Em
agosto, começam pesquisas sobre
a propriedade da área. Se for necessário desapropriar, haverá indenizações.
O atual proprietário, Friedrich
Wolfgang Derschum, 77, brigadeiro aposentado da Força Aérea,
diz que não concorda com a desapropriação, mas oferece doar 7
dos 36 alqueires da propriedade.
"Sei que o governo não tem dinheiro e vão querer pagar a desapropriação com títulos podres. Isso eu não aceito", diz Derschum.
Enquanto não têm direito reconhecido, os moradores não podem obter financiamentos para
plantar ou desenvolver projetos
na área, vivendo de agricultura de
subsistência e como mão-de-obra
em propriedades vizinhas.
A Fundação Palmares, ligada ao
Ministério da Cultura, identifica
áreas remanescentes de quilombos ou ocupadas por comunidades negras, para regularizar a posse da terra. Atualmente há no país
724 áreas já identificadas.
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