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São Paulo, quarta-feira, 09 de julho de 2003

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ELIO GASPARI

Eu me elejo, nós tungamos, eles pagam

O governo insiste em dizer que o seu projeto de reforma da Previdência não mexe com o bolso do trabalhador da iniciativa privada. O último cambondo dessa lorota foi o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha. Ele diz que "nenhum, nenhum, nenhum trabalhador da iniciativa privada será afetado".
Empulhação. A reforma do governo embute uma tunga que lhe permitirá tirar cerca de R$ 1,5 bilhão anuais do bolso dos trabalhadores da iniciativa privada. Logo eles, que nada têm a ver com o sistema de previdência dos servidores públicos.
Aos fatos:
Hoje o trabalhador desconta 11% de seu salário até R$ 1.869 e se aposenta recebendo, no máximo, esse teto. Quem ganha acima de R$ 1.869 paga R$ 205 por mês ao INSS.
A reforma de Lula eleva o teto da aposentadoria (e da contribuição) para R$ 2.400. Isso significa que cerca de 1.2 milhão de pessoas que ganham acima de R$ 2.399 pagarão R$ 264 mensais. Uma diferença de R$ 59 por mês.
A charanga governista às vezes argumenta que o aumento do teto (e da contribuição) só afeta os trabalhadores para melhor. Tome-se o exemplo de alguém que ganha R$ 1.869 e vai se aposentar em dezembro do ano que vem. Receberá R$ 2.107, um ganho de R$ 237, ou 13%. O primeiro cheque de R$ 2.400, porém, só sairá do INSS daqui a 24 anos.
O aumento do teto dos trabalhadores da iniciativa privada é uma mistificação hipócrita colocada a serviço do autoritarismo presunçoso do governo de Lula. É mistificação porque diz que os trabalhadores não serão afetados. É hipócrita porque tunga a patuléia dizendo que faz isso em seu benefício, quando, na realidade, quer apenas fazer caixa. O truque permitirá uma arrecadação imediata três vezes superior ao que se espera juntar com a contribuição dos inativos do serviço público.
A tunga é autoritária porque é mandatória. Se houvesse tolerância e respeito pelo bolso dos trabalhadores, o governo poderia pulverizar todas as argumentações contrárias (inclusive esta) informando que a mudança de teto seria voluntária. Quem quiser ficar com o teto de R$ 1.869, fica. Quem não quiser, passa para o regime de R$ 2.400.
Imagine-se um trabalhador (Ricardo Gushiken) de 25 anos. Pela reforma do Planalto, ele poderá se aposentar aos 60, com R$ 2.400 depois de 35 anos de contribuição. Suponha-se que ele tem um irmão, Luís Berzoini, que preferiu ficar como está e decidiu botar os R$ 59 mensais da tunga num plano privado (o PGBL do Banco do Brasil). Ele pode escolher três caminhos. No mais conservador (6% ao ano) depois de 35 anos, receberá R$ 515 mensais. Somando o cheque do INSS ao do BB. receberá R$ 2.384. Perderá R$ 16 por mês. No intermediário (9%), receberá R$ 1.012, embolsando um total de R$ 2881. No mais agressivo (12%), serão R$ 2.056. Nesse caso, somará R$ 3.925. Em todos os casos, depois de 35 anos poderá sacar seu dinheiro, coisa que no INSS não acontece. Dependendo da agressividade escolhida, o BB calcula um mínimo de R$ 79 mil e um máximo de R$ 316 mil. Nada mal.
O autoritarismo é presunçoso porque os doutores de Brasília acham que devem ensinar à patuléia o que ela deve fazer com seu dinheiro. Gente esquisita essa: quer jogar os servidores numa modalidade de previdência privada e quer obrigar os trabalhadores a enfiar mais um pé na Previdência pública.


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