São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2000

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FRONTEIRA
Processo já reúne dez indícios; ação visa a impedir fuga de traficantes colombianos para o Brasil, diz delegado

PF abre inquérito para investigar as Farc

Patrícia Santos/Folha Imagem
Policial federal acompanha explosão, ontem, de pista de pouso próximo de Vila Bitencourt, na fronteira com a Colômbia


ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A TABATINGA

Depois de enviar 180 agentes para reforçar o policiamento da fronteira com a Colômbia, a Polícia Federal decidiu abrir inquérito para investigar o suposto envolvimento de lideranças das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) com o narcotráfico.
O primeiro líder da organização a ser investigado no Brasil é Tomás Medina Caracas, conhecido como "Negro Acácio" e ainda como "Arturo Guevara".
Com 35 anos de idade, ele comanda a 16ª frente das Farc, um pelotão com cerca de 300 guerrilheiros.
Segundo o delegado Mauro Spósito, que está coordenando a operação, o inquérito será aberto nesta semana, em Manaus.
Na visão da polícia, a abertura do processo servirá para evitar que dirigentes das Farc fujam para o Brasil quando for iniciado o Plano Colômbia de combate ao narcotráfico e à guerrilha, no próximo ano.
A PF decidiu abrir o inquérito contra "Negro Acácio" a partir do depoimento de um traficante. O traficante, que está sob proteção policial especial, declarou ter trabalhado durante dois anos e meio em Barrancomina (na Colômbia) embarcando cocaína em aviões brasileiros que levavam a droga para o Suriname.
O traficante afirmou que "Negro Acácio" teria o controle da pista de pouso de Barrancomina e que as Farc cobrariam de US$ 10 mil a US$ 15 mil por pouso. Segundo ele, chegam a ser feitos nove pousos por dia.
Na região de Barrancomina, segundo o traficante, funcionam quatro laboratórios de refino de coca. Ele disse que coordenava, pessoalmente, o embarque de 2,5 toneladas por semana em aviões brasileiros que traziam armas e munições do Suriname.
Além de acusar o líder guerrilheiro, o traficante o reconheceu nas fotos apresentadas pela Polícia Federal. Um outro líder das Farc na região de Barrancomina, conhecido como Camilo, foi igualmente acusado pelo brasileiro e também será investigado.
Além do testemunho do traficante, a Polícia Federal diz ter indícios de envolvimento das Farc com narcotráfico surgidos em inquéritos anteriores. Segundo Mauro Spósito, esses casos serão novamente investigados.
O delegado disse que os líderes das Farc serão investigados individualmente: "Queremos saber se algum dirigente está envolvido com o narcotráfico e que tipo de envolvimento é este". Segundo ele, o fato de os acusados serem estrangeiros residentes no exterior não impede que eles sejam investigados no Brasil. "Os crimes cometidos no exterior que tenham reflexo em território brasileiro podem ser julgados pela lei brasileira", afirma.

Outros casos
O inquérito será aberto para investigar indícios de participação das Farc com narcotráfico levantados a partir de 1991. Os principais casos são os seguintes:
1) 11 de agosto de 2000 - São apreendidos 116 aparelhos portáteis de raio-X, de uso militar, que saíram dos Estados Unidos como doação ao município de Fonte Boa (no Alto Solimões). A região dá acesso aos rios colombianos Caquetá e Putumaio, onde há concentração de efetivos das Farc. Segundo a PF, a prefeitura desconhecia a operação e já teria sido usada outras vezes para o envio de 19 mil kits com ferramentas, computadores e uniformes militares dos EUA para a guerrilha.
2) 11 de agosto de 2000 - Os traficantes Hermínio Gimenes Sanches e Manoel Maria Silva são presos no posto de controle de fronteira de Cucui (na região do Amazonas conhecida como Cabeça do Cachorro) com 2,5 quilos de cocaína e 40 uniformes do Exército Brasileiro. Eles disseram à PF que as fardas seriam trocadas por mais cocaína.
3) 12 de agosto de 2000 - O avião brasileiro PT-0KX deixa 25 quilos de cocaína na cidade de Porto Franco (Maranhão) e segue para o Suriname onde é carregado com munição para fuzis AK-47. De lá, ruma para Caruru (Colômbia) onde receberia uma carga de 120 quilos de cocaína. Surpreendido pela Força Aérea Colombiana, o piloto, identificado como Keno, pousa em uma pista clandestina, incendeia a aeronave se esconde na selva.
4) 30 de junho de 2000 - o ex-ditador do Suriname Desi Delano Bouterse é condenado pelo Tribunal de Segunda Instância de Haia (Holanda) a 11 anos de prisão por tráfico de 474 quilos de cocaína para os Países Baixos.
5) 19 de novembro de 2000 -Leonardo Dias Aguiar, considerado um dos maiores empresários do tráfico internacional de cocaína no Brasil, é preso em Goiás. A Polícia Federal afirma ter provas de que ele trabalha em conjunto com Desi Bouterse trocando armas por cocaína.
6) 24 de janeiro de 2000 - Os traficantes José Epifânio e Gilmar Rodrigues Chaves são presos com 140 quilos de cocaína em Manaus. Em depoimento à PF, afirmam que pagaram a droga com armas e munições.
7) 15 de agosto de 1999 - Duas aeronaves brasileiras são apreendidas numa pista de pouso em Cachoeira Porteira (Pará) com armas, munições e foguetes de foguetes líbios embarcados no Suriname. Os pilotos disseram à PF que as armas seriam destinadas às Farc e pagas com cocaína.
8) 26 de março de 98 - O brasileiro Gilberto de Moraes Lira e o paraguaio Osmar David levam 60 pistolas para Caruru, na Colômbia, e recebem, como pagamento, 44 quilos de cocaína. Dois dias depois, são presos com a droga em Itaituba (Pará).
9) 8 de novembro de 97 - Elinton Moraes Lira é preso na fazenda Nova Cordilheira (MS) com 237 quilos de cocaína a bordo do avião PT-KIC. Segundo disse à PF, a droga teria sido adquirida das Farc, em troca de 114 fuzis AR-15 e 20 pistolas Bereta adquiridos no Paraguai.
10) 17 de abril de 97 - O paraguaio Elígio Ramon Diaz Acosta é preso com um piloto brasileiro em Eirunepé (Amazonas) com seis pistas, três fuzis e US$ 34 mil em dinheiro que, segundo ele, seriam entregues às Farc em troca de cocaína.


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