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ENTREVISTA DA 2ª
Autora de "Crimes Eleitorais" propõe ação que puna propaganda enganosa
Desembargadora defende campanha curta
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A forma mais prática de diminuir a corrupção e o abuso do poder econômico nas eleições seria
reduzir o período das campanhas
e da propaganda eleitoral.
A tese é da desembargadora Suzana de Camargo Gomes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que acaba de
lançar o livro "Crimes Eleitorais".
Ela propõe mecanismos mais
eficientes para punir a propaganda enganosa no horário eleitoral
gratuito. Sugere uma maior integração entre a Justiça Eleitoral e a
sociedade, que deveria denunciar
as práticas ilícitas, como a divulgação de fatos inverídicos.
Suzana atuou durante quatro
anos na Justiça Eleitoral em Mato
Grosso do Sul. Seu interesse pelo
tema surgiu com o escândalo dos
desvios de recursos envolvendo
Paulo César Farias, tesoureiro de
campanha do candidato Fernando Collor de Mello, em 1989.
"Estudando a legislação estrangeira, verifiquei vários pontos falhos na nossa", diz. O livro -com
prefácio do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro
Paulo Costa Leite- analisa todos
os crimes tipificados no Código
Eleitoral e em leis esparsas.
Costa Leite diz que o livro surge
quando "ingentes esforços estão
sendo empregados no combate à
fraude eleitoral". Tramita no
Congresso proposta de reforma
do Código Eleitoral, considerado
pelo presidente do STJ "incompatível com a nova ordem social".
Suzana defende a criminalização mais adequada de ações que
caracterizam abuso do poder econômico, definido por ela como "o
grande mal que ainda violenta o
processo eleitoral no Brasil".
Segundo a autora, "não podemos mais conviver com uma legislação casuística, mutável a cada
eleição, ditada com a finalidade
de atender a interesses momentâneos de grupos".
Folha - É possível uma avaliação
da eficiência da Justiça Eleitoral,
comparada com a Justiça comum?
Suzana Camargo - Acho que a
Justiça Eleitoral é eficiente, porque é muito rápida. As eleições
transcorrem com celeridade e ela
precisa dar uma resposta muito
rápida. Precisaria haver, no meu
entender, uma investigação
maior do abuso do poder econômico. Acho que a Justiça às vezes
não é avisada. Defendo uma
maior integração entre a Justiça e
a própria comunidade, a comunidade denunciando.
Folha - Onde esse sistema deu
bons resultados?
Suzana - Em Mato Grosso do
Sul, certa vez, fizemos reuniões
com os candidatos, delegados dos
partidos, explicando o que poderia e o que não poderia ser feito.
Explicamos para a população. A
partir disso, a própria comunidade telefonava denunciando. Esse
tipo de denúncia, sem identificação, permite que seja feita uma rápida verificação, uma integração
da sociedade com a Justiça.
Folha - A sra. pode citar um caso
em que essa integração funcionou?
Suzana - Certa vez, quando estava na fiscalização da propaganda
eleitoral em Mato Grosso do Sul,
houve a impugnação de uma pesquisa por um dos candidatos. Determinei imediatamente a
apreensão das fichas de pesquisas. Como eles foram surpreendidos, alguns funcionários do próprio instituto, em outra sala, começaram a adulterar dados das fichas para poder justificar aqueles
resultados. E isso ficou claro porque havia, inclusive, canetas diferentes numa mesma ficha.
Folha - Como caracterizar o uso
irregular da pesquisa?
Suzana - O grande problema da
pesquisa é saber se as entrevistas
realmente ocorreram. Se aquela
ficha corresponde a uma pessoa
realmente entrevistada. E se o
conteúdo foi a expressão da vontade daquela pessoa. O anonimato do entrevistado permite que
haja uma espécie de distorção de
dados. É claro que existem institutos sérios, que fazem pesquisas
realmente de acordo com o que
foi respondido pelo entrevistado.
Folha - Como a sra. avalia a importância das pesquisas?
Suzana - A questão das pesquisas eleitorais sempre foi delicada,
porque elas têm uma influência
imensa no eleitorado. Deveriam
servir exclusivamente para dar
um panorama da tendência, da
preferência do eleitorado em determinado momento. Mas acabam servindo como meio de propaganda, para influenciar os que
estão indecisos, para convencê-los de que aquele é o melhor candidato ou o que apresenta maiores qualidades e que, por isso, estaria contemplado de forma mais
efetiva nas pesquisas.
Folha - Para atuar com eficiência,
a Justiça Eleitoral depende de uma
denúncia, de uma impugnação?
Suzana - Não. A Justiça Eleitoral
pode atuar de ofício (por iniciativa própria). Mas uma impugnação sempre é acatada. O tribunal
não sabe tudo que está acontecendo.
Folha - Qual é a maior distorção
da propaganda eleitoral?
Suzana - O grande problema da
propaganda eleitoral, para o qual
não há punição devida, é a divulgação de fatos inverídicos. Mas a
maioria dos fatos que são considerados crimes no Código Eleitoral são os depreciativos, quando
também é crime a propaganda
enganosa que enaltece o candidato, aquela que diz que ele fez coisas e promete coisas impossíveis.
Folha - Se não houver a denúncia
ou a impugnação por um partido, a
Justiça fica apenas assistindo à repetição desses fatos?
Suzana - Ela pode tomar providências. O Ministério Público pode agir nessa seara, e o juiz encarregado da propaganda eleitoral
também pode agir. Mas o bom seria que acontecesse a denúncia.
Às vezes é difícil para o juiz que
fiscaliza a propaganda conferir se
aquele fato é real ou inverídico. Se
é uma propaganda enganosa ou
não. Então, seria conveniente que
a população e os partidos denunciassem, porque há uma grande
divulgação de fatos inverídicos. A
ponto até de a população já nem
acreditar na propaganda.
Folha - Uma lei recente permite
ao juiz cassar o registro do candidato. Ela está sendo bem aplicada?
Suzana - Eu tenho a impressão
de que vai ser bem aplicada. É a
primeira eleição possibilitando a
cassação do registro e até a perda
do mandato.
Folha - A Justiça Eleitoral tem
uma legislação excepcional, rápida. Mas o que acontece depois? O
candidato, por exemplo, vende
uma imagem falsa, é eleito e diplomado. O que ocorre nesse período?
Suzana - Se ocorreu a prática de
um crime, ele pode perder o mandato, mesmo depois.
Folha - A Justiça tem punido muitos casos desse tipo?
Suzana - É difícil ocorrer. A dificuldade maior é a obtenção da
prova. Há a corrupção eleitoral, o
abuso do poder econômico. Como nós vivemos numa sociedade
de grandes disparidades sociais,
um grande contingente de pessoas pobres consegue arrumar
uma fonte de recursos na eleição.
Elas não podem abrir mão desse
dinheiro, dessa cesta básica, dessa
promessa, desse presente que recebem em troca do voto. Então,
elas não denunciam. Quando são
chamadas, negam a ocorrência. O
candidato e o cabo eleitoral também negam.
Folha - O que a sra. recomendaria
para inibir essas práticas?
Suzana - A solução seria diminuir o período de propaganda e
de campanha eleitoral. O período
muito extenso permite que haja
maior tempo para esse tipo de influência do poder econômico.
Numa eleição presidencial, evidentemente, o período não pode
ser tão curto. Há a necessidade de
uma divulgação em todos os recantos do país. Mas talvez para
uma eleição municipal não houvesse necessidade de uma campanha tão longa.
Folha - No segundo turno, é previsível que esses problemas se
agravem...
Suzana - O grande problema é
esse. Nós não podemos esquecer
que a população pobre sobrevive
nesse período eleitoral. Não só
aqueles que trabalham na campanha, mas também aqueles que
conseguem algum tipo de benefício.
Folha - De que instrumentos a
Justiça Eleitoral deveria dispor para reduzir a corrupção eleitoral?
Suzana - Eu acho que a Justiça
Eleitoral tem trabalhado muitíssimo nessa área. O que precisaria
acontecer seria a própria população repelir. Mas é difícil para o pobre repelir. É uma luta que teríamos que desencadear, talvez diminuindo o tempo de campanha.
Folha - Como a sra. avalia o programa eleitoral gratuito?
Suzana - Eu acho que nós deveríamos adotar uma forma diferente de divulgação das idéias.
Em vez do programa eleitoral gratuito, em que cada um traz sua
proposta, a Justiça Eleitoral poderia estabelecer pontos prioritários
de discussão, com perguntas distribuídas entre jornalistas e representantes dos partidos e da sociedade, para que houvesse um diálogo democrático. Evitaríamos a
propaganda enganosa, programas em que as pessoas não têm
interesse porque sabem que tudo
é preparado por especialistas.
Folha - Nesta eleição houve várias acusações de uso da máquina
federal: ministros destinando recursos para municípios de sua base
eleitoral ou trabalhando pela candidatura de parentes. Houve até
um presidente de tribunal federal
acusado de coordenar a campanha
da mulher. Como ficam esses casos? A Justiça Eleitoral, para agir,
vai depender de denúncias?
Suzana - A Justiça Eleitoral é a
única que pode agir de ofício. Ela
pode atuar independentemente
de reclamação.
Folha - Na sua avaliação, ela age
com eficiência?
Suzana - Sempre que toma conhecimento, ela age. A dificuldade, às vezes, está em tomar conhecimento.
Folha - A sra. cita, no livro, a questão do casuísmo, a necessidade de
uma legislação duradoura. Quais
seriam os exemplos mais notáveis
e recentes de legislação para atender a interesses momentâneos?
Suzana - Eu acho, por exemplo,
que precisariam ser introduzidos,
de uma forma definitiva, mecanismos para inibir os desvios de
fundos de campanha. No início
da campanha, há o registro no tribunal, pela coligação, pelo partido, uma indicação de quais serão
os gastos naquela campanha. Ao
término da campanha, há uma
prestação de contas, no sentido de
demonstrar o que realmente foi
gasto e como foi gasto. Mas é uma
prestação de contas formal. Haveria a necessidade, talvez, de uma
atuação do Tribunal de Contas
ajudando a Justiça Eleitoral, que
não dispõe de um quadro técnico
para fazer o confronto dos dados.
Folha - E sobre as distorções criadas com a reeleição?
Suzana - No código eleitoral, há
um dispositivo que não permite a
exceção da verdade em relação ao
presidente da República. Pelo dispositivo, quando alguém atribui
um fato criminoso ao presidente
da República durante a propaganda eleitoral, fica impedido de
comprovar que a alusão é verdadeira. Como agora já é possível a
reeleição, eu defendo no livro que
não é possível se negar esse direito. Seria prestigiar a mentira em
detrimento da verdade que os
eleitores precisam conhecer. Seria
privilegiar o cargo em prejuízo do
interesse público.
Folha - Como a sra. avalia a anistia das multas eleitorais decidida
pelo Senado e derrubada, depois,
pelo Supremo Tribunal Federal?
Suzana - Acho que é uma forma
de violação do princípio da divisão, da independência dos Poderes. No momento em que o Judiciário impõe multas, é porque verificou a ocorrência de infrações.
E a Justiça Eleitoral precisa manter a autonomia das suas decisões,
até como maneira de coibir a prática ilícita. Foi muito bem-vinda a
decisão do STF que suspende a
anistia. Se é decisão do Judiciário,
tem que ser respeitada.
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