São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2000

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ENTREVISTA DA 2ª
Autora de "Crimes Eleitorais" propõe ação que puna propaganda enganosa

Desembargadora defende campanha curta

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A forma mais prática de diminuir a corrupção e o abuso do poder econômico nas eleições seria reduzir o período das campanhas e da propaganda eleitoral.
A tese é da desembargadora Suzana de Camargo Gomes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que acaba de lançar o livro "Crimes Eleitorais".
Ela propõe mecanismos mais eficientes para punir a propaganda enganosa no horário eleitoral gratuito. Sugere uma maior integração entre a Justiça Eleitoral e a sociedade, que deveria denunciar as práticas ilícitas, como a divulgação de fatos inverídicos.
Suzana atuou durante quatro anos na Justiça Eleitoral em Mato Grosso do Sul. Seu interesse pelo tema surgiu com o escândalo dos desvios de recursos envolvendo Paulo César Farias, tesoureiro de campanha do candidato Fernando Collor de Mello, em 1989.
"Estudando a legislação estrangeira, verifiquei vários pontos falhos na nossa", diz. O livro -com prefácio do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite- analisa todos os crimes tipificados no Código Eleitoral e em leis esparsas.
Costa Leite diz que o livro surge quando "ingentes esforços estão sendo empregados no combate à fraude eleitoral". Tramita no Congresso proposta de reforma do Código Eleitoral, considerado pelo presidente do STJ "incompatível com a nova ordem social".
Suzana defende a criminalização mais adequada de ações que caracterizam abuso do poder econômico, definido por ela como "o grande mal que ainda violenta o processo eleitoral no Brasil".
Segundo a autora, "não podemos mais conviver com uma legislação casuística, mutável a cada eleição, ditada com a finalidade de atender a interesses momentâneos de grupos".

Folha - É possível uma avaliação da eficiência da Justiça Eleitoral, comparada com a Justiça comum?
Suzana Camargo -
Acho que a Justiça Eleitoral é eficiente, porque é muito rápida. As eleições transcorrem com celeridade e ela precisa dar uma resposta muito rápida. Precisaria haver, no meu entender, uma investigação maior do abuso do poder econômico. Acho que a Justiça às vezes não é avisada. Defendo uma maior integração entre a Justiça e a própria comunidade, a comunidade denunciando.

Folha - Onde esse sistema deu bons resultados?
Suzana -
Em Mato Grosso do Sul, certa vez, fizemos reuniões com os candidatos, delegados dos partidos, explicando o que poderia e o que não poderia ser feito. Explicamos para a população. A partir disso, a própria comunidade telefonava denunciando. Esse tipo de denúncia, sem identificação, permite que seja feita uma rápida verificação, uma integração da sociedade com a Justiça.

Folha - A sra. pode citar um caso em que essa integração funcionou?
Suzana -
Certa vez, quando estava na fiscalização da propaganda eleitoral em Mato Grosso do Sul, houve a impugnação de uma pesquisa por um dos candidatos. Determinei imediatamente a apreensão das fichas de pesquisas. Como eles foram surpreendidos, alguns funcionários do próprio instituto, em outra sala, começaram a adulterar dados das fichas para poder justificar aqueles resultados. E isso ficou claro porque havia, inclusive, canetas diferentes numa mesma ficha.

Folha - Como caracterizar o uso irregular da pesquisa?
Suzana -
O grande problema da pesquisa é saber se as entrevistas realmente ocorreram. Se aquela ficha corresponde a uma pessoa realmente entrevistada. E se o conteúdo foi a expressão da vontade daquela pessoa. O anonimato do entrevistado permite que haja uma espécie de distorção de dados. É claro que existem institutos sérios, que fazem pesquisas realmente de acordo com o que foi respondido pelo entrevistado.

Folha - Como a sra. avalia a importância das pesquisas?
Suzana -
A questão das pesquisas eleitorais sempre foi delicada, porque elas têm uma influência imensa no eleitorado. Deveriam servir exclusivamente para dar um panorama da tendência, da preferência do eleitorado em determinado momento. Mas acabam servindo como meio de propaganda, para influenciar os que estão indecisos, para convencê-los de que aquele é o melhor candidato ou o que apresenta maiores qualidades e que, por isso, estaria contemplado de forma mais efetiva nas pesquisas.

Folha - Para atuar com eficiência, a Justiça Eleitoral depende de uma denúncia, de uma impugnação?
Suzana -
Não. A Justiça Eleitoral pode atuar de ofício (por iniciativa própria). Mas uma impugnação sempre é acatada. O tribunal não sabe tudo que está acontecendo.

Folha - Qual é a maior distorção da propaganda eleitoral?
Suzana -
O grande problema da propaganda eleitoral, para o qual não há punição devida, é a divulgação de fatos inverídicos. Mas a maioria dos fatos que são considerados crimes no Código Eleitoral são os depreciativos, quando também é crime a propaganda enganosa que enaltece o candidato, aquela que diz que ele fez coisas e promete coisas impossíveis.

Folha - Se não houver a denúncia ou a impugnação por um partido, a Justiça fica apenas assistindo à repetição desses fatos?
Suzana -
Ela pode tomar providências. O Ministério Público pode agir nessa seara, e o juiz encarregado da propaganda eleitoral também pode agir. Mas o bom seria que acontecesse a denúncia. Às vezes é difícil para o juiz que fiscaliza a propaganda conferir se aquele fato é real ou inverídico. Se é uma propaganda enganosa ou não. Então, seria conveniente que a população e os partidos denunciassem, porque há uma grande divulgação de fatos inverídicos. A ponto até de a população já nem acreditar na propaganda.

Folha - Uma lei recente permite ao juiz cassar o registro do candidato. Ela está sendo bem aplicada?
Suzana -
Eu tenho a impressão de que vai ser bem aplicada. É a primeira eleição possibilitando a cassação do registro e até a perda do mandato.

Folha - A Justiça Eleitoral tem uma legislação excepcional, rápida. Mas o que acontece depois? O candidato, por exemplo, vende uma imagem falsa, é eleito e diplomado. O que ocorre nesse período?
Suzana -
Se ocorreu a prática de um crime, ele pode perder o mandato, mesmo depois.

Folha - A Justiça tem punido muitos casos desse tipo?
Suzana -
É difícil ocorrer. A dificuldade maior é a obtenção da prova. Há a corrupção eleitoral, o abuso do poder econômico. Como nós vivemos numa sociedade de grandes disparidades sociais, um grande contingente de pessoas pobres consegue arrumar uma fonte de recursos na eleição. Elas não podem abrir mão desse dinheiro, dessa cesta básica, dessa promessa, desse presente que recebem em troca do voto. Então, elas não denunciam. Quando são chamadas, negam a ocorrência. O candidato e o cabo eleitoral também negam.

Folha - O que a sra. recomendaria para inibir essas práticas?
Suzana -
A solução seria diminuir o período de propaganda e de campanha eleitoral. O período muito extenso permite que haja maior tempo para esse tipo de influência do poder econômico. Numa eleição presidencial, evidentemente, o período não pode ser tão curto. Há a necessidade de uma divulgação em todos os recantos do país. Mas talvez para uma eleição municipal não houvesse necessidade de uma campanha tão longa.

Folha - No segundo turno, é previsível que esses problemas se agravem...
Suzana -
O grande problema é esse. Nós não podemos esquecer que a população pobre sobrevive nesse período eleitoral. Não só aqueles que trabalham na campanha, mas também aqueles que conseguem algum tipo de benefício.

Folha - De que instrumentos a Justiça Eleitoral deveria dispor para reduzir a corrupção eleitoral?
Suzana -
Eu acho que a Justiça Eleitoral tem trabalhado muitíssimo nessa área. O que precisaria acontecer seria a própria população repelir. Mas é difícil para o pobre repelir. É uma luta que teríamos que desencadear, talvez diminuindo o tempo de campanha.

Folha - Como a sra. avalia o programa eleitoral gratuito?
Suzana -
Eu acho que nós deveríamos adotar uma forma diferente de divulgação das idéias. Em vez do programa eleitoral gratuito, em que cada um traz sua proposta, a Justiça Eleitoral poderia estabelecer pontos prioritários de discussão, com perguntas distribuídas entre jornalistas e representantes dos partidos e da sociedade, para que houvesse um diálogo democrático. Evitaríamos a propaganda enganosa, programas em que as pessoas não têm interesse porque sabem que tudo é preparado por especialistas.

Folha - Nesta eleição houve várias acusações de uso da máquina federal: ministros destinando recursos para municípios de sua base eleitoral ou trabalhando pela candidatura de parentes. Houve até um presidente de tribunal federal acusado de coordenar a campanha da mulher. Como ficam esses casos? A Justiça Eleitoral, para agir, vai depender de denúncias?
Suzana -
A Justiça Eleitoral é a única que pode agir de ofício. Ela pode atuar independentemente de reclamação.

Folha - Na sua avaliação, ela age com eficiência?
Suzana -
Sempre que toma conhecimento, ela age. A dificuldade, às vezes, está em tomar conhecimento.

Folha - A sra. cita, no livro, a questão do casuísmo, a necessidade de uma legislação duradoura. Quais seriam os exemplos mais notáveis e recentes de legislação para atender a interesses momentâneos?
Suzana -
Eu acho, por exemplo, que precisariam ser introduzidos, de uma forma definitiva, mecanismos para inibir os desvios de fundos de campanha. No início da campanha, há o registro no tribunal, pela coligação, pelo partido, uma indicação de quais serão os gastos naquela campanha. Ao término da campanha, há uma prestação de contas, no sentido de demonstrar o que realmente foi gasto e como foi gasto. Mas é uma prestação de contas formal. Haveria a necessidade, talvez, de uma atuação do Tribunal de Contas ajudando a Justiça Eleitoral, que não dispõe de um quadro técnico para fazer o confronto dos dados.

Folha - E sobre as distorções criadas com a reeleição?
Suzana -
No código eleitoral, há um dispositivo que não permite a exceção da verdade em relação ao presidente da República. Pelo dispositivo, quando alguém atribui um fato criminoso ao presidente da República durante a propaganda eleitoral, fica impedido de comprovar que a alusão é verdadeira. Como agora já é possível a reeleição, eu defendo no livro que não é possível se negar esse direito. Seria prestigiar a mentira em detrimento da verdade que os eleitores precisam conhecer. Seria privilegiar o cargo em prejuízo do interesse público.

Folha - Como a sra. avalia a anistia das multas eleitorais decidida pelo Senado e derrubada, depois, pelo Supremo Tribunal Federal?
Suzana -
Acho que é uma forma de violação do princípio da divisão, da independência dos Poderes. No momento em que o Judiciário impõe multas, é porque verificou a ocorrência de infrações. E a Justiça Eleitoral precisa manter a autonomia das suas decisões, até como maneira de coibir a prática ilícita. Foi muito bem-vinda a decisão do STF que suspende a anistia. Se é decisão do Judiciário, tem que ser respeitada.


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