São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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JANIO DE FREITAS

A volta do mesmo


Mais do que ânsia de dar respostas neutralizantes à impressão deixada pelos abusos da Satiagraha, a PF evidencia desregramento

NA SEMANA Barack Obama de alívio e esperanças, dois assuntos ásperos eriçaram-se, por aqui, até níveis que seriam alarmantes, se nossa capacidade de alarmar-nos não estivesse esgotada.
Os desdobramentos policiais da Operação Satiagraha, ou a respeito de algumas de suas façanhas, mostram-se contaminados pelo que investigam. Nas notícias nessa linha, é difícil admitir a negação da Polícia Federal de que use métodos impróprios para identificar quem, na operação, deu à TV Globo o aviso sobre a madrugada e locais das prisões de Celso Pitta, Daniel Dantas e Naji Nahas.
Mais estranho, na busca de identificar chamadas, é que a PF pedisse à Nextel informações sobre a madrugada do dia 8 de julho, ocasião das prisões. Qualquer aviso precisaria ser de véspera, para dar tempo à montagem menos repentina das equipes da emissora e da organização dos procedimentos. Em tempo: a TV Globo recebeu a informação de valor jornalístico e usou-a jornalisticamente, não havendo o que ser dito a respeito, por seus profissionais, à PF ou à Justiça.
Mais do que ânsia de dar respostas neutralizantes à impressão deixada pelos abusos da Satiagraha, a PF evidencia desregramento. Nada a ver com Estado policial. Um à vontade que se realiza com a colaboração da própria Justiça, para poupá-lo de embaraços legais. É o caso da operação que foi apreender computadores e documentos na Abin em Brasília, Rio e São Paulo.
À parte outras maneiras menos desmoralizantes, para a Abin e o governo, de examinar e até coletar o material, a ação desconsiderou dois problemas. A Abin é órgão de assessoramento do presidente da República, e só isso já suscita complicadas questões legais, administrativas e políticas na ação da PF.
Segundo problema, a Abin não trabalha só com assuntos internos. Produz informações e análises da situação externa, para possível auxílio às definições de política e comércio internacional do governo. Não é imaginável que os computadores e documentos apreendidos contenham só, e eventualmente, informação relativa aos telefonemas que a PF quer identificar. O simples risco de que em algum deles a PF tenha acesso a informações e análises para conhecimento estrito da Presidência e do Ministério das Relações Exteriores, por si só, já exporia a impropriedade da ação policial. E não há por que supor, apenas, que tudo tenha ficado no risco.
A fertilidade da Satiagraha continua tão grande, que nos deu até uma sessão interessante do Supremo Tribunal Federal. Certos ânimos por ali explodem com facilidade incomum, mas em relação ao juiz da Satiagraha, Fausto De Sanctis, as exaltações de alguns chegaram ao incompreensível. E era só para confirmar o ministro Gilmar Mendes, nos habeas corpus dado a Daniel Dantas, e reprovar o desafio que lhe fez o juiz desautorizado. Nove a um para Gilmar Mendes, mas o verdadeiro escore foi dado pelas granadas adjetivas que a ira de alguns ministros lançou sobre De Sanctis. Se o juiz sobrevive, é milagre do nome.
O outro assunto eriçado ainda é, e será sempre, o da tortura por militares. Nota do Clube Militar, o ministro Nelson Jobim, o coronel Jarbas Passarinho, generais e outros retomaram as acusações de que "a esquerda", por "ódio ou revanchismo de derrotada", recusa-se a esquecer o passado e "olhar para a frente". Se tiverem razão, devem orgulhar-se da conduta da "esquerda". A lição foi dada pelas dezenas de anos em que, já os comunistas absolvidos e até eleitos para o Congresso, os militares celebraram cada aniversário da "Intentona Comunista", com discursos ferozes e acusações ameaçadoras. Mais tarde, a estas juntaram os festejos anuais, a cada 31 de Março, da tomada do poder em 64.


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