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RUMO A 2002
Dirigente petista e presidente venezuelano julgam ter a missão de promover a integração na América Latina
Crítica aos EUA une
Hugo Chávez e Lula
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o pré-candidato do
PT a presidente do Brasil, Luiz
Inácio Lula da Silva, têm várias
opiniões comuns, inclusive sobre
o papel dos Estados Unidos no
mundo e na América Latina.
"Ele [Chávez" pensa o que eu
penso. Nada contra os EUA, mas
não podemos subordinar a soberania dos nossos países aos interesses norte-americanos", disse
Lula na noite de sexta-feira, ao
deixar a Venezuela depois de 24
horas de permanência.
Por causa do petróleo, Chávez
mantém relações estreitas com o
Iraque, um dos principais inimigos dos EUA no cenário internacional. Na mesma linha, Lula defende que o Brasil tenha relações
comerciais com a Líbia, que gera
lucros milionários para a Itália e a
França, por exemplo. "Por que
não tem? Os EUA não deixam?"
Quanto à guerra EUA-Afeganistão, Lula defendeu: "Os EUA
têm todo o direito de querer pegar
o Bin Laden, mas não têm o direito de exigir que todo o resto do
mundo concorde com eles". Chávez teve atritos com os EUA porque não apoiava os ataques ao
Afeganistão e mostrava fotos de
crianças afegãs atingidas.
Encantados
As relações com os EUA não foram os únicos pontos de concordância. Depois de passar mais de
quatro horas almoçando com o
presidente venezuelano, Lula, o
governador do Acre, Jorge Viana,
e o ex-governador do DF Cristovam Buarque estavam encantados com Chávez.
Chávez e Lula se dizem com
uma missão, ou convicção: promover a integração latino-americana, reagir ao autoritarismo das
elites e direcionar os instrumentos e os recursos de Estado para as
populações mais pobres.
Diferentemente das elites e de
parte de estudiosos do continente, principalmente da Venezuela e
inclusive do Brasil, Lula se disse
convencido de que Chávez "não
tem nada de lunático".
"Ao contrário, ele sabe perfeitamente o que está fazendo. É um
homem culto, com visão estratégica, planejamento de governo e
raciocínio sistemático. Tem clareza da sua missão e quer cumpri-la
dentro da democracia."
Não é o que acham setores importantes da sociedade venezuelana, como a Fedecámaras (a
principal entidade empresarial),
que organiza um locaute inédito
para amanhã e acusa o presidente
de excesso de autoritarismo, de
não ouvir a sociedade civil e manipular os menos esclarecidos.
A manifestação foi convocada
especialmente contra três reformas que Chávez está promovendo com direitos especiais que o
Congresso confere ao presidente:
a reforma agrária, a da pesca e a
do setor de petróleo.
Os empresários dizem que elas
são um retrocesso, prejudicam o
capital interno e afastam os investidores estrangeiros. Mas Lula,
Viana e Buarque consideram que
o problema é a ganância das elites.
De Lula: "Se até o Toledo [Alejandro Toledo, presidente do Peru", que é formado em Harvard e
não tem nada de esquerda, enfrenta oposição da elite só porque
tem origem pobre e indígena,
imagine o Chávez".
O petista disse que a reforma
agrária é "simples", porque apenas exige que os latifúndios sejam
produtivos. A da pesca é "para
acabar com a pesca predatória,
por arrastão". E a do petróleo é
para garantir os interesses do Estado em todas as fases econômicas do produto.
"Todas me parecem muito justas", disse Lula. Além de Chávez e
Toledo, o brasileiro também se
encontrou na semana passada
com Fidel Castro, em Cuba.
Segundo o relato do petista,
Chávez não está tão preocupado
com o locaute, nem com uma
eventual tentativa de golpe de Estado. Mas Lula aproveitou para
lhe dar "uns conselhos".
Um deles é que Chávez deve
tentar ouvir o maior número possível de setores e pessoas. Outra é
bem pragmática: "Eu disse a ele
[Chávez" que ele não deveria bater tão de frente com todo mundo.
Deveria fazer como eu, que às vezes ponho o Mercadante [Aloizio
Mercadante, deputado federal do
PT" e o Genoino [José Genoino,
idem" para brigar por mim".
Lula também ironiza a cobrança
das elites venezuelanas para melhorar mais rapidamente a economia, os empregos e a situação social: "Essa gente é engraçada. Como é que em três anos ele poderia
ter resolvido tudo? A direita não
pode cobrar dele o que não fez em
20 anos. É como a Marta [Suplicy"
em São Paulo. A direita cobra
uma pressa que ela própria [a direita" nunca teve".
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