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JANIO DE FREITAS
Enfim, a doutrina
É questão de tempo, tenhamos paciência. Ainda
não foi na última eleição presidencial, mas nossos netos,
quem sabe, terão a suprema
sorte de ver um governo que
não se ajoelhe diante de setores
como indústria farmacêutica,
seguradoras, planos de saúde e
bancos.
Estão aí dois ministros a ocupar-se de remédios. Antonio
Palocci, como a Folha noticiou
no sábado, levando a Fazenda
a encabeçar o maior presente
de Natal que pode haver no
país: a liberação total dos preços dos remédios, anulando o
controle que há dois anos José
Serra aplicou sobre parte deles.
Os remédios controlados não ficaram sem aumentos que,
além da correção monetária,
lhes melhorasse os lucros. Nesse
sentido, é só notar que a subida
do dólar, no ano passado, motivou aumentos enormes pretextados pelo maior custo da matéria-prima importada, mas a
queda do dólar não provocou
redução equivalente nos preços.
O outro ministro é o da Saúde, Humberto Costa, que faz
ameaças de quebrar a patente
de um remédio distribuído no
pacote contra a Aids. O fabricante, a Roche, cobra do governo um preço considerado absurdo pelo Ministério da Saúde, e o ministro considera, "até
o fim do mês", a possibilidade
de produzir o remédio em laboratório estatal, com pagamento
à Roche apenas da comissão de
patente. Sem os remédios mais
adequados, Aids significa morte. E, no entanto, para não conflitar com o laboratório que lhe
cobra, segundo cálculo do próprio ministério, excedente de
35% no preço, o governo ainda
estuda "até o fim do mês" se
atua em favor da vida de tantos ou do maior lucro do laboratório.
Diante dessas e de outras
concepções do governo, afinal
pode-se ter, com a colaboração
recente do ministro José Dirceu,
uma idéia da doutrina que
orienta o governo. É o que se
poderia chamar de capitalismo
absoluto. Com sua afirmação
de que é preciso rever os gastos
com os aposentados da universidade pública -ou seja, amputar-lhes as aposentadorias e
pensões- , José Dirceu dá o toque definitivo a uma cadeia de
medidas que têm, todas, o mesmo caráter (ou falta de) e o
mesmo alvo.
Sem ordem cronológica, podem começar pela "solução final" criada por seu colega Ricardo Berzoini para os idosos;
daí à redução das aposentadorias e pensões dos funcionários;
vem a redução, na semana passada, do fator para aposentadoria dos assalariados do setor
privado; agora a pretendida liberação dos remédios, que são
vistos como os mais caros do
mundo; e, claro, o aumento do
Imposto de Renda sobre os salários, com a recusa à correção.
Tudo se volta contra quem
passou a vida trabalhando ou
trabalha ainda como assalariado ou como funcionário civil. O governo do Partido dos
Trabalhadores pune quem não
se tornou patrão ou, por qualquer modo, não se fez capitalista. Dá para entender a defesa
petista de quem, em Santo André, ascendeu de guarda-costas
a próspero empresário.
Esperemos pelo Partido dos
Capitalistas, cujos dirigentes
hão de compreender muito
bem o valor (e, mais ainda, o
sobrevalor) do trabalho, logo,
dos trabalhadores, esse povaréu sem partido que o defenda
ou represente.
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