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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Enfim, a doutrina

É questão de tempo, tenhamos paciência. Ainda não foi na última eleição presidencial, mas nossos netos, quem sabe, terão a suprema sorte de ver um governo que não se ajoelhe diante de setores como indústria farmacêutica, seguradoras, planos de saúde e bancos.
Estão aí dois ministros a ocupar-se de remédios. Antonio Palocci, como a Folha noticiou no sábado, levando a Fazenda a encabeçar o maior presente de Natal que pode haver no país: a liberação total dos preços dos remédios, anulando o controle que há dois anos José Serra aplicou sobre parte deles. Os remédios controlados não ficaram sem aumentos que, além da correção monetária, lhes melhorasse os lucros. Nesse sentido, é só notar que a subida do dólar, no ano passado, motivou aumentos enormes pretextados pelo maior custo da matéria-prima importada, mas a queda do dólar não provocou redução equivalente nos preços.
O outro ministro é o da Saúde, Humberto Costa, que faz ameaças de quebrar a patente de um remédio distribuído no pacote contra a Aids. O fabricante, a Roche, cobra do governo um preço considerado absurdo pelo Ministério da Saúde, e o ministro considera, "até o fim do mês", a possibilidade de produzir o remédio em laboratório estatal, com pagamento à Roche apenas da comissão de patente. Sem os remédios mais adequados, Aids significa morte. E, no entanto, para não conflitar com o laboratório que lhe cobra, segundo cálculo do próprio ministério, excedente de 35% no preço, o governo ainda estuda "até o fim do mês" se atua em favor da vida de tantos ou do maior lucro do laboratório.
Diante dessas e de outras concepções do governo, afinal pode-se ter, com a colaboração recente do ministro José Dirceu, uma idéia da doutrina que orienta o governo. É o que se poderia chamar de capitalismo absoluto. Com sua afirmação de que é preciso rever os gastos com os aposentados da universidade pública -ou seja, amputar-lhes as aposentadorias e pensões- , José Dirceu dá o toque definitivo a uma cadeia de medidas que têm, todas, o mesmo caráter (ou falta de) e o mesmo alvo.
Sem ordem cronológica, podem começar pela "solução final" criada por seu colega Ricardo Berzoini para os idosos; daí à redução das aposentadorias e pensões dos funcionários; vem a redução, na semana passada, do fator para aposentadoria dos assalariados do setor privado; agora a pretendida liberação dos remédios, que são vistos como os mais caros do mundo; e, claro, o aumento do Imposto de Renda sobre os salários, com a recusa à correção.
Tudo se volta contra quem passou a vida trabalhando ou trabalha ainda como assalariado ou como funcionário civil. O governo do Partido dos Trabalhadores pune quem não se tornou patrão ou, por qualquer modo, não se fez capitalista. Dá para entender a defesa petista de quem, em Santo André, ascendeu de guarda-costas a próspero empresário.
Esperemos pelo Partido dos Capitalistas, cujos dirigentes hão de compreender muito bem o valor (e, mais ainda, o sobrevalor) do trabalho, logo, dos trabalhadores, esse povaréu sem partido que o defenda ou represente.


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