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ENTREVISTA DA 2ª
Enchentes no Sudeste não foram surpresa, diz geógrafa
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio
Para a a geógrafa Antonia Martins Ferreira, a enchente que abalou o vale do rio Paraíba do Sul na
semana passada não foi catástrofe
natural e nem sequer uma surpresa: poderia ser lida nas entrelinhas dos mapas da região, ameaçada pela erosão, o assoreamento
de rios, o desmatamento e a ocupação irregular.
Até ontem, as enchentes haviam matado 41 pessoas e deixado
quase 100 mil desabrigadas nos
Estados do Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas Gerais.
Antonia, 49, é especializada em
gestão territorial (o planejamento
integrado para uso do espaço) e
professora da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Passou
os últimos 15 meses estudando sete municípios fluminenses na região do Paraíba, muitos deles alagados com a subida do rio. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que causou as enchentes no Vale do Paraíba?
Antonia Martins Ferreira -Uma
coisa, claro, é a intensidade de
chuva no início do ano, já prevista
nesta época. Mas por que essas
enchentes se tornam catástrofes,
erroneamente chamadas de catástrofes naturais? A enchente
não é uma catástrofe natural, é
uma catástrofe social. Houve uma
enchente porque eu fiz alterações
no entorno do rio. Criei desequilíbrios. Com isso, a chuva se transforma em catástrofe.
Folha - Qual a situação das
áreas estudadas pela senhora?
Antonia - O grande problema é
a erosão generalizada, no alto do
morro, nas margens dos rios, nas
áreas urbanas. São zonas suscetíveis a desabamentos e quedas de
barreiras. No total, cerca de 20%
dos terrenos estão sujeitos à erosão. Isso é o que é mapeável, porque há coisas que não vemos. Outro problema é o lixo que entope
os canais menores.
Folha - O desmatamento está
relacionado ao problema?
Folha - Sim, sim. Não há vegetação para sustentar o solo, então a água passa e leva tudo. Na
área estudada, só há 0,51% de
cobertura vegetal original. Cerca de 60% do solo estão expostos, são áreas de pastos.
Folha - A colonização do rio
contribuiu para o problema?
Antonia - Sim. A gente tem tendência a jogar a culpa nos outros,
mas as nossas premissas de ocupação primaram por uma visão
de curto prazo. À medida em que
a gente se urbaniza, a relação da
natureza com a sociedade é muito
distante. Você só sente a natureza
na cidade quando há enchente. Aí
você reclama. Hoje, metade das
áreas urbanas da região estudada
tem ocupação desordenada.
Folha - Os problemas dos municípios fluminenses acontecem
em Minas e São Paulo?
Antonia - Isso é geral para o Vale do Paraíba, a não ser para áreas
de ocupação mais restrita, onde
ainda há cobertura vegetal. No eixo do Paraíba, por onde tiver passado e se fixado a política da agropecuária, com formação de pasto,
onde isso tiver sobrevivido até a
década de 70, vai haver situações
desse tipo. Em São Paulo está sendo estudado um programa para
recuperação da mata ciliar.
Folha - Não é muito utópico
querer recuperar o rio e a mata?
Folha - A questão é o que significa recuperação. Não vou recuperar aquele rio de 1500. A
questão é trazer o rio e a mata
para as condições mínimas de
hoje. Tenho de pensar numa cobertura vegetal que proteja o
solo e tenha utilização econômica. Temos que mostrar ao homem que, com a árvore em pé,
ele vai ganhar mais dinheiro.
Uma cidade como Teresópolis,
por exemplo, vende o que nos
seus condomínios? O verde. O
verde está passando a ser um
capital.
Folha - Há soluções?
Antonia - Há soluções de curto
prazo para problemas já configurados: uma barragem aqui, um
muro de contenção ali. Para evitar
que os problemas aconteçam, não
adianta só fazer obras. É preciso
ter um planejamento urbano e é
preciso educar.
Folha - Houve prevenção à enchente nas cidades estudadas?
Antonia - Até houve, mas muito
pontual. Alguns municípios cadastraram as áreas vulneráveis e
tentaram retirar as pessoas para
locais mais protegidos. Mas isso é
difícil. Só no momento da catástrofe é que a prefeitura dispõe de
dinheiro para fazer alguma coisa.
Folha - De que esfera de governo é a responsabilidade pela
prevenção à enchente?
Antonia - Do ponto de vista de
obter financiamento, caberia ao
governo estadual e ao federal.
Mas isso tem de estar dentro de
uma gestão participativa, para
que esse dinheiro não chegue às
prefeituras e não seja desviado
para uma questão eleitoral. Se você não revalorizar o município,
não adianta um plano estratégico.
Folha - Diante desse estudo
que a senhora fez, a enchente
não foi uma surpresa?
Antonia - Nenhuma surpresa.
Muitos pesquisadores ficam até
esperando para poder validar o
modelo. Você faz o mapeamento
e diz, com a previsão de chuva,
que vai cair aqui e aqui. Isso é triste. Mas não é surpresa.
Folha - A Lei das Águas prevê
uma cobrança pelo uso da água
para bancar investimentos nas
bacias. Qual a sua opinião?
Antonia - Acho correto. Há pessoas por aí que vão chiar, dizer
que a água é dádiva da natureza.
Folha - O que a senhora diria
para alguém que já paga impostos e conta de água? Ele vai ter
de pagar mais pela água?
Antonia - Aí ficaria sem saber o
que dizer. (Pensa) Eu diria que, se
ele gastar menos água, vai pagar
menos. Diria que exija do síndico,
do governo, que os encanamentos e o sistema de saneamento estejam corretos. A água não é dada.
Fazemos parte de um planeta e
somos responsáveis pela manutenção e pelo esgotamento de
qualquer recurso natural.
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