São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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JANIO DE FREITAS

As vias de fato

Sem querer nem saber, tive um artigo meu atirado pelo deputado Severino Cavalcanti como um petardo direto aos peitos do deputado Alberto Goldman, na sessão de terça-feira da Câmara. O efeito parece ter sido perturbador, porque os berros de Goldman que se seguiram, além de um tanto desconexos, incluíram uma frase que denotava colapso da memória. Tal como nas situações em que o juiz pergunta ao pugilista atingido qual é o seu nome, e ele se confunde.
Deu-se que o incidente levou meu artigo, citado em vários jornais, até a suprema glória de aparecer (de esguelha, é verdade) na TV. O que me fez experimentar por um instante a sensação de ser quase tão importante no Brasil quanto o Ratinho, entre outras das maiores eminências públicas da vida nacional.
Mas, dadas as características dos contendores na Câmara e, depois, a habitual rapidez do noticiário, algumas pessoas não entenderam o que fazia o artiguinho no bafafá. Incompreensão acentuada por esta frase zonza de Goldman: "Vossa Excelência (lá o Severino) faz uma acusação sem mais nem menos de um jornalista que um dia citou uma privatização feita há 15 anos".
A privatização não seria há 15 anos, mas há 12, quando Alberto Goldman era ministro dos Transportes no governo Itamar Franco. O título do artigo, publicado em 16 de junho de 93, sugere o seu teor: "No rastro dos escândalos". Expunha as distorções aplicadas ao edital, para direcionar seu resultado, da concorrência de privatização da via Dutra, a primeira da série de privatizações articulada por Goldman.
Ao artigo seguiram-se, no dia 17, um editorial da Folha, "Mais um" (escândalo nas concorrências públicas) e, claro, as declarações de Goldman negando o dirigismo do edital. No dia 18, o artigo "A derrapagem de Goldman" desfazia, parte por parte, o artifício com que suas pretensas explicações distorceram a legislação das concorrências. Nada se salvou da sua defesa.
Cinco dias depois, Alberto Goldman teve que comunicar a suspensão de todos os editais de privatização de rodovias, juntamente com o da Dutra. E admitir que nem previsão havia mais para reabertura das licitações. Não disse, mas estava cumprindo ordem definitiva de Itamar Franco.
Quando Severino Cavalcanti recomendou que Goldman "olhe o seu passado", logo lembrando "critérios duvidosos sobre a privatização da via Dutra" (e sacou o artigo), não falava apenas de "um jornalista que um dia citou uma privatização feita há 15 anos". Referia-se ao responsável, quando ministro, pelo episódio assim descrito no editorial da Folha: "terrível espetáculo do conluio entre a sobranceira e fornida máfia de contratantes do serviço público e autoridades que "dão um jeitinho" para eliminar a saudável concorrência".
Se recuperado da sessão na Câmara, Alberto Goldman já pode vir com os mesmos insultos que usou no passado, como suas melhores respostas aos citados e outros artigos.


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