São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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ESTRATÉGIA E TECNOLOGIA

Submarino é síntese do que há de bom e ruim no desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas

S-34 Tikuna representa lento avanço

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O submarino S-34 Tikuna, lançado ao mar ontem no Rio, é uma síntese do que há de bom e ruim no desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas.
Primeiro, as boas notícias. O Tikuna representa um avanço. É o quarto submarino construído no Brasil a partir do projeto alemão IKL-209/1.400, do estaleiro HDW, o mais popular submersível do mundo com propulsão convencional (diesel e bateria).
O contrato, de 1982, previa a entrega de uma unidade pronta, o S-30 Tupi -que deu nome à classe de submarinos mais moderna em operação no Brasil. O principal ponto do acerto, porém, era a previsão de produção de três aparelhos sob licença, o que de fato ocorreu. Assim, a frota incorporou, além do Tupi, o Tamoio, o Timbira e o Tapajós. Cada um custou cerca de US$ 200 milhões.

Versão aprimorada
Com a aquisição da tecnologia, o Arsenal da Marinha capacitou-se a desenvolver, com assistência alemã, uma versão aprimorada do IKL-209, com sensores mais avançados, como controles eletrônicos para tiro. Só 15 países operam tecnologia similar.
A Marinha agora trabalha para construir do SMB-10, uma versão maior e mais potente, com design nacional. A idéia da Marinha é construir uma ou duas unidades do aparelho, para torná-lo plataforma do seu grande sonho: o submarino nuclear.
Por outro lado, há más notícias. O Tikuna consumiu nove anos de trabalho, o dobro do tempo planejado. A Marinha se queixa da falta crônica de verbas, o que é verdade, também é fato que os almirantes gastaram muita energia no período com a aquisição do porta-aviões São Paulo.

"Pechincha"
O antigo Foch francês foi comprado para substituir o ainda mais idoso Minas Gerais por uma pechincha: US$ 12 milhões em 2000. Só que ele veio ""pelado" e sem o principal, os aviões. O governo então fez outro ""bom negócio": US$ 70 milhões por uma esquadrilha de caças A-4 usados do Kuwait.
O problema é que os A-4 não possuem armamento operacional, ou seja, os que estiverem em condição de vôo não teriam como participar de forma efetiva de um combate. Ou seja, o São Paulo praticamente só serve hoje para treinar os pilotos a pousar e decolar do deque.
A aquisição mostra uma mania de grandeza discutível do ponto de vista estratégico. Porta-aviões são projeções de poder -não por acaso, os colossos americanos são a expressão da capacidade de Washington de se impor em todo o mundo.
Ocorre que o Brasil não consegue nem cuidar da chamada ""Amazônia Azul", a imensa área (metade do tamanho do Brasil) de mar sob sua alçada que compreende a região da plataforma continental e a zona de exploração econômica que dista 200 milhas náuticas da costa.

Status
Há quem argumente que o porta-aviões dá status de país grande e, principalmente, credencia o Brasil para efetuar missões da ONU e assim turbinar sua candidatura a um assento permanente no Conselho de Segurança. Mas poucos discordam que o submarino é uma arma mais eficaz taticamente e estrategicamente, além de mais barata de operar.
Aí entram os problemas do programa nuclear da Marinha. Primeiro, a Força tomou para si o processo em 1979. O controle dos militares pôs o programa numa redoma de segredo. Houve ganhos tecnológicos para o país, que passou a dominar o processo de enriquecimento de urânio. Mas esses ganhos, além de lentos pela descontinuidade dos investimentos e dificuldades técnicas, tiveram pouca interação com a sociedade a que deveria beneficiar.
Para seus defensores, o ganho foi tão claro que houve até uma crise diplomática, no ano passado, por conta das ameaças que o programa poderia conter. Surgiram antigas suspeitas de roubo de tecnologia européia que nunca foram confirmadas.
Há também a crítica de quem considera esse tipo de gasto desnecessário num país de Terceiro Mundo cheio de outras carências. Neste ano, deve consumir cerca de R$ 57 milhões, valor baixo se comparado a outros programas do Ministério da Defesa -o novo avião presidencial custou três vezes mais.
Se der certo, o aparelho brasileiro chegará ao mar depois de torrar US$ 1,4 bilhão ou mais. A mais recente classe nuclear americana, a Seawolf, sai por US$ 4,4 bilhão a unidade, mas trata-se, no caso, do topo da cadeia alimentar desse tipo de predador.
De todo modo, os sucessivos atrasos vão manter a discussão em pé pelo menos até 2020, data estimada para o lançamento do submarino nuclear brasileiro.


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