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OPINIÃO
O setor florestal e o desenvolvimento da Amazônia
FERNANDO CASTANHEIRA NETO
ESPECIAL PARA FOLHA
Nos faz refletir a simplificação a
que chegou o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre a problemática
da ocupação do solo, da violência
e do desmatamento na Amazônia, atribuindo ao setor florestal,
ou mais especificamente aos "madeireiros", a culpa por esses males. Será que é por acaso ou foi um
ato medido?
Talvez seja a metáfora que o governo encontrou para explicar à
sociedade o que acontece na região. Pela lógica do governo, seria
lógico pensar que bastaria retirar
esse setor produtivo de cena e estariam resolvidos todos os problemas, certo? Errado.
O próprio secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo
Capobianco, afirmou recentemente que dentre as medidas
aventadas por seu ministério para
enfrentar a questão do controle
sobre o uso dos recursos florestais
na Amazônia, estava a de declarar
a "moratória sobre a Amazônia",
não sendo mais permitido o uso
privado do recurso florestal na região. A medida, segundo o próprio, foi rechaçada, tendo em vista o imenso impacto socioambiental que uma ação desmedida
como essa acarretaria.
A afirmação do secretário se
sustenta em fatos. Segundo dados
da organização não governamental Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia1, na
Amazônia Legal o setor madeireiro é composto por cerca de 2.600
empresas, que proporcionam a
geração de mais de 353 mil trabalhos diretos e indiretos.
A região exportou, em 2004,
US$ 1 bilhão em produtos florestais, com aumento crescente na
agregação de valor. O Brasil é o
maior produtor e consumidor
mundial de madeira tropical, mas
participa com menos de 4% de
um mercado que movimenta cerca de US$ 150 bilhões ao ano em
volume de exportação2. O quadro
mostra os principais indicadores
do setor florestal, incluindo madeira sólida e celulose & papel.
De fato, a Amazônia apresenta
problemas de proporções continentais, principalmente na oferta
de serviços básicos. Há muitos
anos que não pode ser mais considerada um vazio demográfico. Lá
habitam mais de 20 milhões de
brasileiros. Juntas, as metrópoles
Belém e Manaus congregam quase três milhões de habitantes.
Existe uma economia diversificada e atuante, tocada por pessoas
vindas de toda parte do país e do
exterior. Sua realidade está fortemente vinculada à de outras regiões do Brasil, pois existe uma
migração constatada pelo IBGE3
de nordestinos pobres e de sulistas em busca de mais oportunidades de melhoria de vida.
O que não se pode permitir é
que, para justificar a própria incapacidade de lidar com essa complexa realidade, o governo desqualifique um dos mais importantes setores produtivos da
Amazônia Legal. Os problemas
são muito mais estruturantes e
profundos do que nos fazem crer
os pronunciamentos de nossas
autoridades.
Fato é que não existe um plano
regional de desenvolvimento para
a Amazônia que incorpore questões como as fundiária, indígena,
de saúde e educação, de acesso e
transferência de tecnologia, de infra-estrutura e de segurança, dentre outras, como partes indissolúveis de uma mesma realidade.
Não adianta atuar em apenas uma
vertente, pois caímos na armadilha do casuísmo e do imediatismo
que tanto mal fazem ao país. Hoje,
mais do que nunca, é premente
uma harmonização entre as agendas das diferentes políticas de desenvolvimento regional e de seus
ministérios afins.
Temos de reconhecer as limitações impostas pela realidade do
país e buscar uma opção de desenvolvimento que integre os diferentes interesses envolvidos
com a questão da ocupação do solo da Amazônia, incluindo madeireiros, sojicultores e pecuaristas. O que parece certo é que o governo não deve ser agente fomentador de conflitos.
Outro fato é que ainda não existe um modelo definido de desenvolvimento para a Amazônia.
Os exemplos conhecidos de atividades extrativistas são, na sua
maioria esmagadora, de pequena
escala e inviáveis economicamente, pois exigem uma forte presença do Estado no aporte de recursos para sua viabilização.
Do outro lado, existe todo um
modelo exploratório que deve ser
revisto e adequado a uma realidade mais sustentável. Todos as alternativas são lados de uma mesma moeda.
Indiferente à sua importância, o
setor florestal vive um momento
de indefinição. Existe uma disparidade de tratamento dentro do
próprio governo.
Para o Ministério do Meio Ambiente o setor madeireiro é tido
como "escória", segundo palavras
da própria ministra Marina Silva,
enquanto para outras áreas como,
por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), é tido
como parceiro importante, pois
representa parte significativa no
saldo recorde da balança comercial em 2004, em que só o setor da
madeira contribuiu com 3,2% da
pauta de exportações brasileiras,
com um crescimento de 46,3%
em relação a 20034.
Isso sem falar da participação
na balança do agronegócio brasileiro, em que o setor fica atrás
apenas para o complexo soja em
termos de exportação.
O Brasil é um dos poucos países
no mundo em que o setor produtivo florestal está vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente.
Pelas características de seus mandatários e de seu corpo técnico, o
MMA não está preparado para
trabalhar com políticas de indústria e comércio, e sim com aquelas
de comando e controle sobre o
uso desses recursos naturais, e aí
se inclui sua agência executora, o
Ibama.
Contudo, essa situação não traz
nenhuma surpresa. O governo federal há muito tempo utiliza o setor madeireiro como bode expiatório para camuflar a carência da
presença do Estado na região
amazônica e para chamar a atenção da mídia. Mas a culpa não pode ser atribuída apenas ao governo. Cabe ao setor florestal brasileiro a tarefa de ser mais atuante e
unido com o intuito de demonstrar sua contribuição ao desenvolvimento deste país, para que, então, a sociedade brasileira possa
fazer seu julgamento.
1 - Fatos Florestais da Amazônia 2003.
Belém: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
2 - SECEX/FAO, 2003
3 - IBGE, 2005. Tendências demográficas,
uma análise dos resultados da amostra
do Censo Demográfico 2000
4 - MDIC, 2005. Balança Comercial Brasileira
Fernando Castanheira Neto, 36, engenheiro florestal, é superintendente-executivo do Fórum Nacional das Atividades
de Base Florestal
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