São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2001

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PAÍS NO ESCURO

Presidente da Itaúsa avalia que sociedade ainda não mensurou consequências do racionamento para o país

"Apagão" é pior que crise política, diz Setubal

ANDRÉ SINGER
A REPORTAGEM LOCAL

O empresário Olavo Setubal, 78, presidente da Itaúsa (Investimentos Itaú S.A.), holding que controla o Grupo Itaú, acredita que o racionamento de energia elétrica terá um impacto político "muito maior que o escândalo da crise da violação do painel de votação". A seu ver, não apenas ocorrerá alguma retração econômica - cuja extensão ainda seria impossível medir -, como haverá desgaste na popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Acho que a sociedade não está consciente ainda das consequências que isso vai ocasionar sobre a economia e a política do país", disse ele em entrevista exclusiva concedida à Folha anteontem.
Para o empresário, o efeito do incômodo causado à população pela falta de energia é muito maior do que a indignação com os deslizes senatoriais.
De volta à atividade, após uma cirurgia realizada no começo do ano, o empresário recebeu a Folha na sede da Itaúsa, localizada na zona sul de São Paulo. Além de preocupado com os desdobramentos da crise de energia, Setubal, uma das vozes de maior peso no meio empresarial do país, mostrou-se interessado no debate indireto ocorrido na semana passada entre o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP).
Durante conferência em Nova York (EUA), pronunciada no dia 1º de maio, Malan criticou o PT por ter endossado o plebiscito sobre o pagamento da dívida externa promovido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no ano passado. Pedro Malan chegou a qualificar a atitude de "irresponsável".
No dia seguinte, Dirceu retrucou. Disse que a instabilidade brasileira decorria de erros da equipe econômica e que, se o governo tivesse acatado sugestões do PT, como a de promover o controle cambial, a situação estaria melhor. Disse que o PT defende uma renegociação da dívida externa e citou o caso da Argentina como exemplo de renegociação.
Para Setubal, o PT erra ao tomar a Argentina como exemplo de renegociação, uma vez que ela o estaria fazendo em péssimas condições, acuada pela impossibilidade de pagar. Quanto ao controle cambial, entende que experiência semelhante, praticada por Delfim Netto no final da década de 70, foi decisiva para deslanchar o processo que culminou na hiperinflação. "Foi o início do fim do modelo Vargas", enfatiza o empresário.
Outro tema que interessa a Setubal é o da Alca. De acordo com ele, trata-se de um processo de negociação tão longo, que ainda não é possível saber o que de fato é a Alca. Nesse contexto, seria um erro para o Brasil sair da conversa antes ao menos que fique claro qual o perfil do tratado em pauta.
Ele reconhece, contudo, que atingir um acordo hemisférico como o exigido por FHC em Québec (Canadá) - no interior do qual cessem, por exemplo, os subsídios aos produtos agrícolas nos EUA- é um objetivo difícil de alcançar. Setubal cita análise do ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, segundo a qual as pretensões brasileiras "exigem o compromisso mútuo de países da América Latina com uma revolução social que duraria décadas". Leia, a seguir, as declarações de Olavo Setubal.

Folha - O que o sr. acha das críticas do ministro Pedro Malan ao PT por ocasião da entrega do Prêmio Liderança 2001 em Nova York, na semana passada, e da resposta do presidente do partido, José Dirceu?
Olavo Setubal -
O ministro Malan falou em Nova York para o mundo financeiro internacional. Portanto não tinha como fazer uma análise com base nos valores da CNBB. O objetivo do encontro é técnico, não ideológico ou filosófico.
Com relação à renegociação da dívida argentina, destaco que ela está sendo feita com ameaça de moratória, a qual é defendida até pelo ex-presidente Raúl Alfonsín. Somente os bancos com sede em Buenos Aires, portanto sob jurisdição argentina, concordaram, em princípio, com essa renegociação. Mas os custos disso ainda não foram divulgados. Eles devem ser muito altos e as exigências de garantias, também. Por seu lado, as agências de ratings reduziram as avaliações desses bancos, motivo pelo qual eles perderam acesso ao mercado internacional para financiamentos ou investimentos.
A meu ver, teria sido muito melhor se o PT citasse a brilhante negociação conduzida pelo Banco Central do Brasil, com grande economia para o Tesouro Nacional, ampliando os prazos de pagamento, conforme explica o ex-presidente do BC Gustavo Franco, em artigo publicado nos jornais de domingo. As renegociações ora sob orientação de Armínio Fraga também envolveram papéis de 30 anos, todos dentro das premissas, da lógica e da racionalidade do mercado internacional.
Quanto ao controle cambial, gostaria de lembrar ao PT a experiência do Brasil em 1979. Na época, o então ministro Mário Henrique Simonsen procurou conter a inflação com uma política monetária restritiva, tendo como consequência uma reação muito forte do mercado financeiro, especialmente da indústria paulista. Em vista disso, o presidente Figueiredo substituiu Simonsen pelo ministro da Agricultura, Delfim Netto. Ele promoveu uma desvalorização do cruzado de 30% em dezembro daquele ano. Acelerou e passou a controlar o câmbio e a economia nacional mais fortemente. No começo do ano seguinte, houve a forte alta do preço do petróleo, e a inflação brasileira passou de 50% para 100%. Nos anos seguintes, atingiu 200%, passando posteriormente para 400%. Foi o início do fim do modelo Vargas.

Folha - Qual o maior obstáculo a ser enfrentado pelo governo Fernando Henrique este ano?
Setubal -
Na minha opinião, é o racionamento de energia elétrica. Acho que a sociedade não está consciente ainda das consequências que isso vai ocasionar sobre a economia e a política do país. O impacto será muito maior que o escândalo da crise da violação do painel de votação no Senado.

Folha - O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) do Itamaraty, entre outros, tem-se mostrado frontalmente contrário à Alca. Nessa visão, talvez não conviesse ao Brasil nem sequer iniciar a negociação para constituir a Alca. Qual a sua opinião a respeito?
Setubal -
Os manuais militares de estratégia dizem que todas as decisões tomadas antes do momento certo são erradas. O mesmo ocorre com as decisões atrasadas.
Acho que o governo FHC adotou uma linha correta. Conseguiu o apoio de todos os países da América Latina para adiar as negociações da Alca para 2005. Note-se que a maioria desses países quer a Alca.
Portanto, as decisões serão tomadas pelo governo que irá assumir em janeiro de 2003. Isso significa que a sociedade brasileira poderá discutir amplamente o assunto nas próximas eleições.

Folha - O que o sr. acha das posições assumidas pelo presidente Fernando Henrique em Québec no mês passado, por ocasião da cúpula presidencial?
Setubal -
A melhor síntese a esse respeito foi a do ex-secretário dos Estados Unidos Henry Kissinger, sem dúvida um dos mais brilhantes analistas de relações internacionais. Kissinger escreveu: "FHC, o ponderado e carismático presidente do Brasil, negou-se a participar do otimismo da delegação americana em Québec. Para ele, a prova de fogo de um esquema hemisférico seria o grau em que este reduzisse as barreiras da América do Norte às exportações brasileiras. De outra forma, "será um acordo irrelevante ou, no pior dos casos, um acordo hipotético e indesejável". Mas esses nobres objetivos são claramente impossíveis de alcançar até o último prazo, 2005, e impossível para qualquer acordo comercial previsível. Eles exigem o compromisso mútuo dos países da América Latina com uma grande revolução social que duraria décadas".
Essa é a visão política dos subsídios para produtos agrícolas nos Estados Unidos.


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