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PAÍS NO ESCURO
Presidente da Itaúsa avalia que sociedade ainda não mensurou consequências do racionamento para o país
"Apagão" é pior que crise política, diz Setubal
ANDRÉ SINGER
A REPORTAGEM LOCAL
O empresário Olavo Setubal, 78,
presidente da Itaúsa (Investimentos Itaú S.A.), holding que controla o Grupo Itaú, acredita que o racionamento de energia elétrica terá um impacto político "muito
maior que o escândalo da crise da
violação do painel de votação". A
seu ver, não apenas ocorrerá alguma retração econômica - cuja
extensão ainda seria impossível
medir -, como haverá desgaste
na popularidade do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
"Acho que a sociedade não está
consciente ainda das consequências que isso vai ocasionar sobre a
economia e a política do país",
disse ele em entrevista exclusiva
concedida à Folha anteontem.
Para o empresário, o efeito do
incômodo causado à população
pela falta de energia é muito
maior do que a indignação com
os deslizes senatoriais.
De volta à atividade, após uma
cirurgia realizada no começo do
ano, o empresário recebeu a Folha na sede da Itaúsa, localizada
na zona sul de São Paulo. Além de
preocupado com os desdobramentos da crise de energia, Setubal, uma das vozes de maior peso
no meio empresarial do país,
mostrou-se interessado no debate
indireto ocorrido na semana passada entre o ministro da Fazenda,
Pedro Malan, e o presidente do
PT, deputado José Dirceu (SP).
Durante conferência em Nova
York (EUA), pronunciada no dia
1º de maio, Malan criticou o PT
por ter endossado o plebiscito sobre o pagamento da dívida externa promovido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), no ano passado. Pedro
Malan chegou a qualificar a atitude de "irresponsável".
No dia seguinte, Dirceu retrucou. Disse que a instabilidade brasileira decorria de erros da equipe
econômica e que, se o governo tivesse acatado sugestões do PT,
como a de promover o controle
cambial, a situação estaria melhor. Disse que o PT defende uma
renegociação da dívida externa e
citou o caso da Argentina como
exemplo de renegociação.
Para Setubal, o PT erra ao tomar
a Argentina como exemplo de renegociação, uma vez que ela o estaria fazendo em péssimas condições, acuada pela impossibilidade
de pagar. Quanto ao controle
cambial, entende que experiência
semelhante, praticada por Delfim
Netto no final da década de 70, foi
decisiva para deslanchar o processo que culminou na hiperinflação. "Foi o início do fim do modelo Vargas", enfatiza o empresário.
Outro tema que interessa a Setubal é o da Alca. De acordo com
ele, trata-se de um processo de negociação tão longo, que ainda não
é possível saber o que de fato é a
Alca. Nesse contexto, seria um erro para o Brasil sair da conversa
antes ao menos que fique claro
qual o perfil do tratado em pauta.
Ele reconhece, contudo, que
atingir um acordo hemisférico
como o exigido por FHC em Québec (Canadá) - no interior do
qual cessem, por exemplo, os subsídios aos produtos agrícolas nos
EUA- é um objetivo difícil de alcançar. Setubal cita análise do ex-secretário de Estado dos EUA,
Henry Kissinger, segundo a qual
as pretensões brasileiras "exigem
o compromisso mútuo de países
da América Latina com uma revolução social que duraria décadas". Leia, a seguir, as declarações
de Olavo Setubal.
Folha - O que o sr. acha das críticas do ministro Pedro Malan ao PT
por ocasião da entrega do Prêmio
Liderança 2001 em Nova York, na
semana passada, e da resposta do
presidente do partido, José Dirceu?
Olavo Setubal - O ministro Malan falou em Nova York para o
mundo financeiro internacional.
Portanto não tinha como fazer
uma análise com base nos valores
da CNBB. O objetivo do encontro
é técnico, não ideológico ou filosófico.
Com relação à renegociação da
dívida argentina, destaco que ela
está sendo feita com ameaça de
moratória, a qual é defendida até
pelo ex-presidente Raúl Alfonsín.
Somente os bancos com sede em
Buenos Aires, portanto sob jurisdição argentina, concordaram,
em princípio, com essa renegociação. Mas os custos disso ainda
não foram divulgados. Eles devem ser muito altos e as exigências de garantias, também. Por
seu lado, as agências de ratings reduziram as avaliações desses bancos, motivo pelo qual eles perderam acesso ao mercado internacional para financiamentos ou investimentos.
A meu ver, teria sido muito melhor se o PT citasse a brilhante negociação conduzida pelo Banco
Central do Brasil, com grande
economia para o Tesouro Nacional, ampliando os prazos de pagamento, conforme explica o ex-presidente do BC Gustavo Franco, em artigo publicado nos jornais de domingo. As renegociações ora sob orientação de Armínio Fraga também envolveram
papéis de 30 anos, todos dentro
das premissas, da lógica e da racionalidade do mercado internacional.
Quanto ao controle cambial,
gostaria de lembrar ao PT a experiência do Brasil em 1979. Na época, o então ministro Mário Henrique Simonsen procurou conter a
inflação com uma política monetária restritiva, tendo como consequência uma reação muito forte
do mercado financeiro, especialmente da indústria paulista. Em
vista disso, o presidente Figueiredo substituiu Simonsen pelo ministro da Agricultura, Delfim Netto. Ele promoveu uma desvalorização do cruzado de 30% em dezembro daquele ano. Acelerou e
passou a controlar o câmbio e a
economia nacional mais fortemente. No começo do ano seguinte, houve a forte alta do preço do
petróleo, e a inflação brasileira
passou de 50% para 100%. Nos
anos seguintes, atingiu 200%, passando posteriormente para 400%.
Foi o início do fim do modelo
Vargas.
Folha - Qual o maior obstáculo a
ser enfrentado pelo governo Fernando Henrique este ano?
Setubal - Na minha opinião, é o
racionamento de energia elétrica.
Acho que a sociedade não está
consciente ainda das consequências que isso vai ocasionar sobre a
economia e a política do país. O
impacto será muito maior que o
escândalo da crise da violação do
painel de votação no Senado.
Folha - O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-presidente
do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) do Itamaraty, entre outros, tem-se mostrado frontalmente contrário à Alca.
Nessa visão, talvez não conviesse
ao Brasil nem sequer iniciar a negociação para constituir a Alca. Qual a
sua opinião a respeito?
Setubal - Os manuais militares de
estratégia dizem que todas as decisões tomadas antes do momento certo são erradas. O mesmo
ocorre com as decisões atrasadas.
Acho que o governo FHC adotou uma linha correta. Conseguiu
o apoio de todos os países da
América Latina para adiar as negociações da Alca para 2005. Note-se que a maioria desses países
quer a Alca.
Portanto, as decisões serão tomadas pelo governo que irá assumir em janeiro de 2003. Isso significa que a sociedade brasileira poderá discutir amplamente o assunto nas próximas eleições.
Folha - O que o sr. acha das posições assumidas pelo presidente
Fernando Henrique em Québec no
mês passado, por ocasião da cúpula presidencial?
Setubal - A melhor síntese a esse
respeito foi a do ex-secretário dos
Estados Unidos Henry Kissinger,
sem dúvida um dos mais brilhantes analistas de relações internacionais. Kissinger escreveu:
"FHC, o ponderado e carismático
presidente do Brasil, negou-se a
participar do otimismo da delegação americana em Québec. Para
ele, a prova de fogo de um esquema hemisférico seria o grau em
que este reduzisse as barreiras da
América do Norte às exportações
brasileiras. De outra forma, "será
um acordo irrelevante ou, no pior
dos casos, um acordo hipotético e
indesejável". Mas esses nobres objetivos são claramente impossíveis de alcançar até o último prazo, 2005, e impossível para qualquer acordo comercial previsível.
Eles exigem o compromisso mútuo dos países da América Latina
com uma grande revolução social
que duraria décadas".
Essa é a visão política dos subsídios para produtos agrícolas nos
Estados Unidos.
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