São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SUCESSÃO EM DEBATE

Cebrap organiza discussão com intelectuais sobre conjuntura política e as perspectivas para as eleições

Aventureiro em 2002 preocupa acadêmicos

ANDRÉ SINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

Três dos quatro intelectuais reunidos na última sexta-feira pela revista "Novos Estudos Cebrap" para discutir o tema "Como Pensar Politicamente a Corrupção?" manifestaram preocupação quanto à possibilidade de que um aventureiro político chegue à Presidência em 2002.
De acordo com o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisa recentemente publicada por ele mostra na população "um desapego por valores cívicos". Para Reis, "isso representa um caldo de cultura perigoso do ponto de vista de eventuais aventureiros".
O mesmo estudo, segundo o cientista político, "mostra que as pessoas estão prontas para o cesarismo". Uma pergunta do questionário propunha ao entrevistado a tese de que o país precisaria de um líder enérgico e decidido em vez de partidos políticos. "A aprovação disso foi simplesmente avassaladora", contou Reis.
O filósofo e ex-presidente do Cebrap José Arthur Giannotti acha "despolitizante" a onda moralizadora que percorre o país e, nesse, contexto teme "que apareçam salvadores da pátria". Para ele, na atual situação, um "político messiânico", que negue a política, poderia "repetir o filme que já conhecemos há muito tempo".
Giannotti voltou a defender, no debate, as teses polêmicas de seus últimos artigos na Folha. Segundo elas, "a corrupção é a condição da liberdade humana", no sentido de que uma sociedade capaz de vigiar tão bem os seus membros, a ponto de que eles nunca possam quebrar as regras, termina por ser uma sociedade totalitária.
O filósofo enfatiza que não "está fazendo a defesa da corrupção", ou que "quanto mais livre mais corrupto". "Apenas estou dizendo que para que nós possamos ser livres, tem que ser permissível quebrar a norma."
Para Giannotti, a mecânica política requer margens de liberdade. "Se você ajustar de tal forma o êmbolo ao canal, não há movimento", diz Giannotti. "Por isso, não pode haver uma política de governo ou de oposição que tenha na bandeira contra a corrupção a sua linha fundamental."
O ex-presidente do Cebrap atribui à mídia um papel destacado na construção da mentalidade moralista. "A imprensa tem em relação à notícia um papel extraordinário", afirma. "Ela não apenas dá a notícia, ela encena a notícia." Com isso, ganha o poder de criar padrões de pensamento.
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, diretor-adjunto do jornal "Valor", reconheceu que, "além de espelhar os sentimentos do leitorado, os jornais exercem um papel de liderança". Lins da Silva mostrou-se, também, desconfortável com a maré moralizante, mas disse que faz parte de um processo de avanço do país.
"É natural que se passe por um período de moralismo exagerado em um momento em que a maioria das pessoas se dá conta de que não é possível viver com uma coisa tão tradicionalmente corrupta", argumentou Lins da Silva. Na visão do jornalista, haverá um reequilíbrio natural da postura extremada. "No frigir dos ovos, a imprensa exerce um papel que ajuda o país a melhorar."
Giannotti defendeu a idéia de que "as pequenas e médias corrupções que sejam restos da socialização" poderiam ser menosprezadas pela mídia. Isso é, aquelas quebras das normas que não tivessem efeito sobre a formação da sociabilidade deveriam ser deixadas de lado.
O filósofo criticou o espaço que a mídia concedeu ao caso do dossiê Cayman. "Bastava pensar na inviabilidade de uma conta conjunta de quatro pessoas que têm as posições políticas mais diversas", disse ele referindo-se a Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Mário Covas e Sérgio Motta. "Imagine só se Sérgio Motta e Mário Covas iam ter uma conta conjunta."
Em linha de argumentação semelhante à de Giannotti, a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora da Universidade de São Paulo, afirmou que a corrupção tornou-se um dos eixos do conflito político no Brasil. "O PT está progressivamente caminhando de um discurso classista para um discurso da moralidade."
Tavares de Almeida ressalvou, no entanto, que o PT tem compromisso com o regime democrático. "O PT depende da existência da democracia", afirmou ela.
"As outras alternativas são mais complicadas."
De acordo com a cientista política, há dois candidatos "que não têm compromisso partidário", o que representa uma situação de menor dependência estrutural com a democracia. "Não é uma questão de compromisso pessoal, é um problema de em que estrutura você está", argumenta Tavares de Almeida.

Democracia ameaçada
Embora para três dos quatro debatedores o risco de retrocesso institucional não esteja no horizonte, Reis advertiu que "a nossa democracia ainda não passou pelo teste de ver uma esquerda à lá PT". O professor da UFMG assinalou que o PT "é uma herança do mundo socialista e tem a revolução no seu programa". De acordo com ele, tais características têm "focos de resistência importantes na sociedade brasileira".
Apesar de reconhecer, junto com Tavares de Almeida, que as instituições brasileiras têm passado bem por provas duras como o impeachment de Collor, a CPI dos anões do orçamento e o caso da lista no Senado, Reis afirmou que "não podemos dar a democracia por favas contadas".
Para ele, mesmo descontada as dificuldades que o PT poderia ter para governar, uma eventual presidência de Itamar Franco causaria turbulências. "Itamar já está propondo soluções para a crise de energia que implica em deixar de pagar a dívida externa", afirmou o professor da UFMG.
Lembrou também que, em entrevista recente, o presidente Fernando Henrique Cardoso tomou uma atitude "alarmista". "O presidente da República está falando abertamente em democracia ameaçada", disse Reis. "Um presidente da República alarmista é uma razão de alarme, qualquer que seja a razão subjetiva dele."
A íntegra do debate, que ocorreu na sede do Cebrap sem a presença de público, será publicada em julho pelo número 60 da revista editada pela instituição. A revista é editada pelo sociólogo Antônio Flávio Pierucci.



Texto Anterior: No Planalto - Josias de Souza: Em uma frase, o que é ser brasileiro sob o iluminismo tucano
Próximo Texto: Intelectuais do Rio fazem campanha por pleno emprego
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.