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SUCESSÃO EM DEBATE
Cebrap organiza discussão com intelectuais sobre conjuntura política e as perspectivas para as eleições
Aventureiro em 2002 preocupa acadêmicos
ANDRÉ SINGER
DA REPORTAGEM LOCAL
Três dos quatro intelectuais reunidos na última sexta-feira pela
revista "Novos Estudos Cebrap"
para discutir o tema "Como Pensar Politicamente a Corrupção?"
manifestaram preocupação
quanto à possibilidade de que um
aventureiro político chegue à Presidência em 2002.
De acordo com o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), pesquisa
recentemente publicada por ele
mostra na população "um desapego por valores cívicos". Para
Reis, "isso representa um caldo de
cultura perigoso do ponto de vista
de eventuais aventureiros".
O mesmo estudo, segundo o
cientista político, "mostra que as
pessoas estão prontas para o cesarismo". Uma pergunta do questionário propunha ao entrevistado a tese de que o país precisaria
de um líder enérgico e decidido
em vez de partidos políticos. "A
aprovação disso foi simplesmente
avassaladora", contou Reis.
O filósofo e ex-presidente do
Cebrap José Arthur Giannotti
acha "despolitizante" a onda moralizadora que percorre o país e,
nesse, contexto teme "que apareçam salvadores da pátria". Para
ele, na atual situação, um "político
messiânico", que negue a política,
poderia "repetir o filme que já conhecemos há muito tempo".
Giannotti voltou a defender, no
debate, as teses polêmicas de seus
últimos artigos na Folha. Segundo elas, "a corrupção é a condição
da liberdade humana", no sentido
de que uma sociedade capaz de
vigiar tão bem os seus membros, a
ponto de que eles nunca possam
quebrar as regras, termina por ser
uma sociedade totalitária.
O filósofo enfatiza que não "está
fazendo a defesa da corrupção",
ou que "quanto mais livre mais
corrupto". "Apenas estou dizendo que para que nós possamos ser
livres, tem que ser permissível
quebrar a norma."
Para Giannotti, a mecânica política requer margens de liberdade.
"Se você ajustar de tal forma o
êmbolo ao canal, não há movimento", diz Giannotti. "Por isso,
não pode haver uma política de
governo ou de oposição que tenha
na bandeira contra a corrupção a
sua linha fundamental."
O ex-presidente do Cebrap atribui à mídia um papel destacado
na construção da mentalidade
moralista. "A imprensa tem em
relação à notícia um papel extraordinário", afirma. "Ela não
apenas dá a notícia, ela encena a
notícia." Com isso, ganha o poder
de criar padrões de pensamento.
O jornalista Carlos Eduardo
Lins da Silva, diretor-adjunto do
jornal "Valor", reconheceu que,
"além de espelhar os sentimentos
do leitorado, os jornais exercem
um papel de liderança". Lins da
Silva mostrou-se, também, desconfortável com a maré moralizante, mas disse que faz parte de
um processo de avanço do país.
"É natural que se passe por um
período de moralismo exagerado
em um momento em que a maioria das pessoas se dá conta de que
não é possível viver com uma coisa tão tradicionalmente corrupta", argumentou Lins da Silva. Na
visão do jornalista, haverá um
reequilíbrio natural da postura
extremada. "No frigir dos ovos, a
imprensa exerce um papel que
ajuda o país a melhorar."
Giannotti defendeu a idéia de
que "as pequenas e médias corrupções que sejam restos da socialização" poderiam ser menosprezadas pela mídia. Isso é, aquelas quebras das normas que não
tivessem efeito sobre a formação
da sociabilidade deveriam ser deixadas de lado.
O filósofo criticou o espaço que
a mídia concedeu ao caso do dossiê Cayman. "Bastava pensar na
inviabilidade de uma conta conjunta de quatro pessoas que têm
as posições políticas mais diversas", disse ele referindo-se a Fernando Henrique Cardoso, José
Serra, Mário Covas e Sérgio Motta. "Imagine só se Sérgio Motta e
Mário Covas iam ter uma conta
conjunta."
Em linha de argumentação semelhante à de Giannotti, a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora da
Universidade de São Paulo, afirmou que a corrupção tornou-se
um dos eixos do conflito político
no Brasil. "O PT está progressivamente caminhando de um discurso classista para um discurso
da moralidade."
Tavares de Almeida ressalvou,
no entanto, que o PT tem compromisso com o regime democrático. "O PT depende da existência
da democracia", afirmou ela.
"As outras alternativas são mais
complicadas."
De acordo com a cientista política, há dois candidatos "que não
têm compromisso partidário", o
que representa uma situação de
menor dependência estrutural
com a democracia. "Não é uma
questão de compromisso pessoal,
é um problema de em que estrutura você está", argumenta Tavares de Almeida.
Democracia ameaçada
Embora para três dos quatro debatedores o risco de retrocesso
institucional não esteja no horizonte, Reis advertiu que "a nossa
democracia ainda não passou pelo teste de ver uma esquerda à lá
PT". O professor da UFMG assinalou que o PT "é uma herança
do mundo socialista e tem a revolução no seu programa". De acordo com ele, tais características
têm "focos de resistência importantes na sociedade brasileira".
Apesar de reconhecer, junto
com Tavares de Almeida, que as
instituições brasileiras têm passado bem por provas duras como o
impeachment de Collor, a CPI
dos anões do orçamento e o caso
da lista no Senado, Reis afirmou
que "não podemos dar a democracia por favas contadas".
Para ele, mesmo descontada as
dificuldades que o PT poderia ter
para governar, uma eventual presidência de Itamar Franco causaria turbulências. "Itamar já está
propondo soluções para a crise de
energia que implica em deixar de
pagar a dívida externa", afirmou o
professor da UFMG.
Lembrou também que, em entrevista recente, o presidente Fernando Henrique Cardoso tomou
uma atitude "alarmista". "O presidente da República está falando
abertamente em democracia
ameaçada", disse Reis. "Um presidente da República alarmista é
uma razão de alarme, qualquer
que seja a razão subjetiva dele."
A íntegra do debate, que ocorreu na sede do Cebrap sem a presença de público, será publicada
em julho pelo número 60 da revista editada pela instituição. A revista é editada pelo sociólogo Antônio Flávio Pierucci.
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