São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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DÍVIDA

STF deve julgar nos próximos dias se Estado pode parcelar ou não o pagamento, conforme emenda constitucional

Precatórios ameaçam gestão Alckmin

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de segurar a bandeira de saneamento das contas públicas, com a previsão de um superávit de R$ 3 bilhões neste ano, o Estado de São Paulo não poderá mais protelar o pagamento de precatórios, que neste ano alcançaram mais de R$ 6 bilhões.
O STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar nos próximos dias pedido de intervenção federal no Estado. São mais de 2.000 pedidos provenientes de credores de precatórios (dívidas com o pagamento ordenado pela Justiça depois de sentença definitiva).
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tenta se livrar da obrigação de pagar imediatamente os credores, apoiado em emenda constitucional de setembro de 2000 que permitiu o parcelamento dessas dívidas por dez anos. Os 11 ministros do STF deverão decidir nos próximos dias se Alckmin pode se apoiar nessa emenda. Em outras palavras, irão julgar se concedem ou não liminar em ação de inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional da Indústria contra o parcelamento.
Se a ação for julgada procedente, o Estado terá de se desdobrar para pagar as dívidas, sob o risco constante de intervenção federal. O impacto seria imediato no propalado ajuste fiscal das contas paulistas, além de afetar diretamente a imagem e os planos de investimento em obras de Alckmin, principalmente -em ano eleitoral- o impacto já se sentiria no próximo orçamento, em 2002.
Ciente de que os precatórios podem ser uma mancha em sua gestão, Alckmin fez reuniões com membros da Procuradoria Geral do Estado na semana passada. Ligou também para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Carlos Aidar, anunciando a liberação de cerca de R$ 60 milhões na semana passada para o pagamento das dívidas.
O relator da ação, ministro Néri da Silveira, está com o voto pronto para ser submetido aos colegas. Um dos argumentos contra o parcelamento é que ele feriria o princípio da Constituição segundo o qual as sentenças não podem ser descumpridas ou modificadas depois que se tornam definitivas.

Remédio
Para São Paulo, a emenda é a solução para o pagamento das dívidas. A Procuradoria Geral do Estado move ação nesta semana no STF para conseguir que a emenda seja mantida. Segundo a procuradora-geral do Estado, Rosali de Paula Lima, a emenda possibilitaria o pagamento neste ano de R$ 500 milhões em precatórios não-alimentares (indenizações por desapropriações), que são aqueles contemplados pelo parcelamento. Até abril, foram pagos R$ 175 milhões de precatórios alimentares (dívidas trabalhistas).
O governo paulista sente que a situação está periclitante, principalmente devido à posição do novo presidente do STF. Polêmico, Marco Aurélio de Mello já afirmou considerar "calote público" o não-pagamento das dívidas.
Marco Aurélio quer tratamento rigoroso para essa questão. Antes mesmo de tomar posse, em 31 de maio, ele pediu informações a tribunais de Justiça e regionais do Trabalho do país sobre a situação de inadimplência de cada Estado.
"Eles eram devedores sem medo. Mas agora Marco Aurélio ameaça cumprir a lei, para isso não virar faroeste", disse o advogado Vicente Renato Paulillo, da Comissão Especial de Precatórios da seção de São Paulo da OAB.
Os números mostram que o governo tem com o que se preocupar. O Estado tem pago menos da metade do que consta do Orçamento para o pagamento dos precatórios. Em 1999, foi orçado R$ 1,75 bilhão para essas dívidas. Foram liquidados R$ 894 milhões e pagos R$ 393 milhões. Em 2000, constava do Orçamento R$ 1,32 bilhão para o pagamento dos precatórios. Foram pagos R$ 490 milhões. Para os credores, a culpa é do governo de Mário Covas (1995-2001) e de Alckmin. Com a estabilização da moeda, os valores devidos ficaram menos defasados e mais pesados no orçamento.

Valorização
Os precatórios viraram um problema grave para os governadores após o real. Antes, os valores ficavam defasados entre a emissão e o seu eventual pagamento, 18 meses depois. A estabilidade acabou com essa distorção.
"Falta vontade política para pagar. Na hora de falar em superávit, todos se vangloriam. Superávit à custa de quem?", perguntou José Mário de Assis Moura, presidente da Abracap (Associação Brasileira de Advogados dos Credores da Administração Pública).
Os governadores Orestes Quércia (87-91) e Luiz Antonio Fleury (91-94) beneficiaram-se da decretação de moratória em 88, para que fosse incluído na Constituição o artigo 33 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, que permitia o parcelamento dos precatórios existentes em até oito vezes.
Uma das bandeiras erguidas contra as dívidas judiciais são os vultosos valores que alcançaram os precatórios ambientais, que, representando mais da metade dos precatórios não-alimentares, atingiram em dezenas de casos mais de R$ 1 bilhão.
O levantamento preliminar dos dados já recebidos pelo STF revela que há atraso no pagamento de precatórios em praticamente todos os Estados, segundo a presidência do tribunal. O governo de Goiás tem débito de 18 anos atrás. Em São Paulo, o último precatório pago é de 1995. Há ainda pedidos de intervenção contra outros 19 Estados e o Distrito Federal.
Depois que a polêmica sobre o parcelamento for resolvida, Marco Aurélio levará a julgamento um caso sobre indenização por causa da desapropriação de um imóvel em Santos. Esse processo definirá a posição do STF sobre a intervenção em São Paulo.
Se aprová-la, o Supremo requisitará ao presidente Fernando Henrique Cardoso que adote essa providência por meio de decreto.
FHC recebeu na última sexta-feira ofício do STJ (Superior Tribunal de Justiça) requisitando a intervenção no Rio por não-pagamento de precatório.



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