São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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ENTREVISTA DA 2ª
Tasso quer governo "com cara do PSDB'



"É um constrangimento (ter Ciro Gomes candidato), sem dúvida. Somos parceiros, amigos, temos uma história comum na política do Ceará. Mas sou do PSDB e acho que o nome ideal para tocar adiante o projeto de país é o Fernando Henrique."


"Eu discordo dessa declaração (de Gustavo Franco, que faltam recursos), porque esse governo já fez muitos investimentos na área social e tem plena condição de fazer mais ainda. Precisa aprofundar, consolidar e focar mais num determinado grupo."
ELIANE CANTANHÊDE
enviada especial a Fortaleza

O governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), defende uma ampla reforma ministerial caso o presidente Fernando Henrique Cardoso seja reeleito este ano.
Ele acha que um segundo governo deverá ficar "mais homogêneo, com caras mais parecidas umas com as outras e falando a mesma língua".
Na sua opinião, um eventual novo governo deverá ter "a cara do PSDB", ser mais desenvolvimentista e mais focado no social. "Um governo muito diferente desse que está aí", disse.
Falou também de suas divergências com a equipe econômica do governo FHC, mas não quis particularizar críticas a Gustavo Franco (presidente do Banco Central) ou a Pedro Malan (ministro da Fazenda).
O governador cearense admitiu que é constrangedor ter seu afilhado político Ciro Gomes como adversário de Fernando Henrique Cardoso na corrida presidencial. Ciro, do PPS, está em terceiro lugar nas pesquisas de opinião, em patamar bem inferior ao de FHC e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em entrevista à Folha, no seu gabinete em Fortaleza, ele mostrou que apesar de disputar o terceiro mandato no Ceará continua atento às questões nacionais. E não descartou uma futura candidatura presidencial.
Seguem os principais trechos da entrevista:

Folha - Se o presidente Fernando Henrique Cardoso for reeleito, o que se pode esperar do segundo mandato?
Tasso Jereissati -
A expectativa de todos nós, acho que até do próprio presidente, é que seja um governo bastante diferente desse que aí está.
O atual ficou muito preso às reformas e aos três quintos (dos parlamentares) para as votações no Congresso. Em função disso, teve suas ações bastante limitadas. O próximo governo precisará ter uma postura mais desenvolvimentista e uma aliança política mais compacta e mais consolidada.
Folha - Quais foram os grandes nós por causa dessa dependência do governo às reformas e aos três quintos?
Jereissati -
O presidente foi obrigado a ficar constantemente correndo atrás das reformas e elas exigiam alianças e negociações muito amplas.
Folha - O sr. está falando em barganha?
Jereissati -
Não propriamente, mas é uma situação difícil. Em determinados momentos o governo teve de ceder onde não queria ceder. As negociações eram sempre específicas, em cima de temas e projetos também específicos. Eram negociações muito desgastantes.
Folha - Parte disso é pelo sistema político, mas outra parte não é pela própria característica de um governo que ficou marcado pela compra de votos?
Jereissati -
Não concordo. Que houve uma grande negociação política, sem dúvida nenhuma houve. Mas não houve compra de voto. Isso é uma expressão muito forte. E as negociações foram necessárias porque as reformas eram fundamentais para o país, o governo tinha de enfrentar.
Folha - A reeleição também era fundamental para o país?
Jereissati -
A reeleição ficou muito importante num determinado momento. Depois que ela foi lançada, não tinha mais jeito. Ou ela era aprovada ou o Brasil parava. Não dava para voltar atrás.
Folha - E agora, com as reformas praticamente concluídas?
Jereissati -
Agora, vencida a etapa das reformas, mesmo que elas tenham ficado capengas, está na hora de fazer um governo mais com a cara do PSDB.
Um governo que tenha o crescimento sustentável, com perspectiva de crescimento grande e constante, mas com uma perspectiva de melhor distribuição de renda e de melhor distribuição espacial dos recursos, hoje muito concentrados no Centro-Sul.
Um governo que tenha no combate à miséria e à pobreza um de seus objetivos principais,
Folha - É possível fazer esse governo com a cara do PSDB sem mudar a equipe econômica?
Jereissati -
Acho que é possível, sim. O problema não foi o Malan (ministro da Fazenda, Pedro Malan) e o Gustavo Franco (presidente do Banco Central). Foi o governo ficar muito preso aos três quintos do Congresso (necessários para mudanças constitucionais).
Folha - O Gustavo Franco deu entrevista dizendo que não há recursos. O sr. concorda com ele?
Jereissati -
Eu discordo dessa declaração, porque esse governo já fez muitos investimentos na área social e tem plena condição de fazer mais ainda. Precisa aprofundar, consolidar e focar mais num determinado grupo, desprezando dentro do possível as políticas compensatórias.
Hoje, o índice de crianças dentro da escola, entre 7 e 14 anos, deve ser mais de 90%. No Ceará, já podemos falar que não haverá analfabetos na próxima geração.
Folha - Com um déficit fiscal de quase 7% do PIB ainda é possível se pensar em prioridade para a área social? Ou a prioridade é combater o déficit?
Jereissati -
Uma coisa não exclui a outra. É possível fazer um programa de ajuste fiscal e dar prioridade a essas questões: saúde, educação, saneamento básico.
Folha - Quando o sr. fala em pacote fiscal...
Jereissati -
"Pera lá". Eu não falei em pacote, falei em programa.
Folha - Foi um ato falho, porque está se criando uma sensação de que pode vir um pacote fiscal depois das eleições.
Jereissati -
Não acredito nisso. Seria insensato, não tem sentido, não precisa. Acredito que, se houver alguma modificação de maior profundidade, virá a partir do programa de governo montado para o segundo mandato.
Folha - O sr. não acha que com o déficit atual deve haver medidas de choque, não só de longo prazo?
Jereissati -
Não necessariamente. Já está comprovado que o que dá certo não são medidas de choque, são as medidas que tenham efeito gradual, constante, seguro.
Folha - O que, por exemplo?
Jereissati -
No caso de déficit, a primeira tem que ser a queda dos juros. Outra é definir prioridade para os investimentos. O pacote fiscal do ano passado foi uma dose cavalar.
Reconheço que é melhor você exagerar na dose para mais do que fazer o mal sem ter o resultado. Mas, na hora em que a credibilidade da economia está se restabelecendo, é preciso rever isso.
Folha - Sempre que se fala em déficit, a área econômica põe a culpa nos Estados. O sr. veste a carapuça?
Jereissati -
Existe uma posição comodista, principalmente da área econômica, de botar sempre a culpa nos Estados. Não é bem assim. Todos temos de fazer algum tipo de corte, de sacrifício, de redução de alguns investimentos.
Mas isso não pode estancar os investimentos prioritários e tem de ser trabalhado mais em conjunto no segundo mandato.
O jogo de empurra não foi bom para ninguém.
Folha - Na sua opinião, qual deve ser o papel de cada um, governo federal, Estados e municípios, no esforço de cortar os gastos?
Jereissati -
Até que se defina isso, que é mais complicado, é preciso definir melhor o papel de cada um na educação, na saúde, no saneamento básico.
Até hoje, isso não está claro. Algumas prioridades que são nacionais devem ser assumidas pelo governo federal. Não adianta empurrar.
Folha - Essa falta de parâmetros não vai dificultar, até impedir, a reforma tributária?
Jereissati -
Ela é extremamente necessária, mas é dificílima de ser feita exatamente por causa disso. Ela não vai implicar somente no que a maioria da pessoas pensa, que é aumentar ou mudar esse ou aquele imposto.
A maior dificuldade é a definição do que vai caber a cada um, ao governo federal, aos Estados e aos municípios. Mexer nisso é delicadíssimo, porque ninguém admite perder.
Folha - O que o governo federal diz é que os Estados querem descentralizar os recursos, não os encargos.
Jereissati -
É por isso que é preciso discutir muito. Eu nunca vi a proposta do governo. Acho que os outros governadores também não. Tenho até a impressão de que não existe.
Folha - O sr. não falou nenhuma vez a palavra desemprego, que está crescendo e é um dos maiores flancos para os candidatos à reeleição.
Jereissati -
Quando falo de crescimento econômico estou falando de criação de empregos. Fala-se muito hoje do desemprego como um problema estrutural e blablablá.
Mas o ponto de partida para resolver a questão é o crescimento econômico, uma política industrial mais agressiva e uma política de emprego mais bem planejada. Faltou isso ao país.
Folha - Ao país ou ao governo?
Jereissati -
Bem, está se trabalhando nisso agora, sempre com base no crescimento econômico. Qualquer política de emprego fora disso é apenas paliativa. E não pode existir um país socialmente justo sem estar fiscalmente ajustado.
Folha - Mas o governo teve esse enorme ônus político para votar as reformas, como o sr. mesmo disse, e nem por isso resolveu a questão fiscal.
Jereissati -
Não resolveu porque nenhuma das reformas está efetivamente tendo efeito. As reformas administrativa e da Previdência, além de muito capengas a meu ver, só vão ter efeito prático a médio e longo prazos.
Mas, do ponto de vista da economia, a primeira reforma, da quebra dos monopólios, está trazendo resultados formidáveis e terá efeitos importantes para o próprio crescimento econômico.
A próxima reforma tem que ser a política. Sem a fidelidade partidária, em que as negociações são com partidos, não com parlamentares individualmente, não vamos a lugar algum.
Folha - O presidente tem a máquina, o favoritismo nas pesquisas, a boa vontade da elite. Por que precisou fazer tantos acordos nos Estados para a reeleição?
Jereissati -
Fernando Henrique vai ser reeleito, ou não, ainda pelo Real.
Folha - Isso só reforça a pergunta anterior. Então, por que ele precisou fazer tantos acordos políticos?
Jereissati -
Esses acordos são ainda consequência dos acordos congressuais. Tanto que as alianças estaduais são tão confusas quanto as do próprio Congresso.
Daí a necessidade da reforma política. Se a reforma não for aprovada, nós vamos ter de escapar o mais rapidamente possível dos três quintos, das reformas constitucionais.
Até lá, qualquer presidente, seja o Fernando Henrique, seja eu, seja o Lula, seja o Ciro, seja o Enéas, qualquer um ficará refém do Congresso.
Folha - Já que o sr. se colocou entre os presidenciáveis...
Jereissati -
Eu só quis dizer que até eu, que sou radicalmente contra isso, não teria outra alternativa.
Folha - Como vai ficar um eventual segundo governo FHC com Maluf ou Rossi em São Paulo, César Maia no Rio e Itamar Franco em Minas?
Jereissati -
Não imagino nem quero imaginar. As pesquisas mudam. Não é possível, por exemplo, que o voto em Covas não suba em São Paulo.
Folha - Vários líderes governistas vão sobrar da eleição. O sr. prevê uma reforma ministerial no próximo ano se FHC vencer?
Jereissati -
O presidente nunca me falou, mas eu acredito que o ministério do futuro mandato será um ministério novo com essas características que lhe falei.
E também mais homogêneo, com caras mais parecidas umas com as outras e falando a mesma língua.
Hoje, todo mundo reconhece que, em função das circunstâncias, o governo é muito heterogêneo.
Folha - Quem deve ser trocado?
Jereissati -
(Rindo) Não sei. Só sei que não deve haver ministério para acomodar pessoas. Isso não.
Folha - E o constrangimento de ter Ciro Gomes candidato?
Jereissati -
É um constrangimento, sem dúvida. Somos parceiros, amigos, temos uma história comum na política do Ceará.
Mas sou do PSDB e acho que o nome ideal para tocar adiante o projeto de país é o Fernando Henrique.
Folha - Mas ele está perdendo para o Ciro aqui no Ceará. Para o sr. é bom ou ruim o Ciro ganhar no Estado?
Jereissati -
Não é bom que o Ciro perca, é bom que o Fernando Henrique ganhe.
Folha - Criou-se uma sensação de que o FHC já ganhou, mas o Lula tem de 25% a 30% dos votos sem o governo, sem a máquina, sem a mídia, sem a elite. Não é muito significativo?
Jereissati -
O Lula tem uma força eleitoral constante, é inclusive maior do que o PT. Dependendo do grau circunstancial de insatisfação, isso cresce. Esse negócio de dinheiro, de divulgação, é importante, mas o Lula independe disso. Ele já é nacionalmente conhecido.
Folha - E o Ciro? Se ele tivesse tido tempo e recursos, poderia ameaçar FHC e Lula?
Jereissati -
Nesse caso, sim, os recursos são muito importantes, porque ele precisa ser conhecido. De qualquer forma, com a segurança que o Real dá, dificilmente qualquer candidato terá chance contra Fernando Henrique.
Folha - O que, afinal, animou o sr. a disputar um terceiro mandato no Ceará e abdicar de uma liderança nacional?
Jereissati -
Foram os grandes projetos que podem definitivamente mudar o perfil do Ceará e ainda estão no meio do caminho.
A nova refinaria no porto de Pecém, integralmente com recursos privados, é um deles. Outro é o que chamamos de Projeto de Águas, de interligação de bacias, com o Banco Mundial, e que vai tornar o Estado muito resistente à seca. O Ceará ainda é minha prioridade.
Folha - O presidente costuma dizer que a geração dele acaba com ele. Quem são os novos presidenciáveis? Um governador do Ceará tem chances?
Jereissati -
Na política, quatro anos são uma eternidade e não dá para prever nada. Acho difícil um governador nordestino ter chances nesse tempo, mas tudo é imprevisível.
Folha - E o parlamentarismo?
Jereissati -
Essa é a grande reforma política do país.



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