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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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ELIO GASPARI

Lembra-se da privataria? A conta está no BNDES

Quiseram os orixás da economia que o velho e bom BNDES fechasse a renegociação do calote de US$ 1,2 bilhão da AES, dona da Eletropaulo, ao mesmo tempo em que o governo prepara um novo lance de privataria. São o Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social, o Pips, e a denominada Parceria Público Privado, ou PPP.
(Aviso aos navegantes: toda vez que o Brasília fala em "incentivo" e "interesse social", isso significa que vão jogar o dinheiro dos impostos em projetos do interesse do governo e daqueles empreendedores que entendem a grandeza dos projetos do governo.)
Em 1997, a patuléia viu um grupo de sábios festejando a venda da Eletropaulo. Era a época em que os marmanjos da privataria posavam para fotografias ridículas segurando o cabo de um martelo de leilão. Agora a choldra deveria convidar esses mesmos artistas para a cerimônia de reestatização de 49% da Eletropaulo. Preço da foto: US$ 600 milhões, dinheiro suficiente para alfabetizar 20 milhões de adultos, inclusive aqueles que venderam a Eletropaulo.
Se o governo não tiver o devido respeito pela capacidade das instituições nacionais de tramitar o dissenso, a ekipekonômica, que cozinha o Pips no gabinete do ministro Antonio Palocci Filho, transformará o Estado brasileiro numa franquia. Daqui a dez anos, a velha e boa bolsa do BNDES será chamada para ficar com a conta do Pips.
Esse novo programa cria mecanismos que permitirão ao governo arrendar obras e serviços públicos. É um esquema engenhoso. Fracassou no México e deu bons resultados em Portugal. Na sua expressão mais simples, a Viúva subsidia bancos privados para que emprestem dinheiro a empreendedores interessados em explorar serviços públicos. Como ninguém é de ferro e o capitalismo de risco estava numa das naus perdidas da esquadra de Cabral, a velha senhora garante a renda do capital investido.
É um retorno ao sistema de financiamento do Império, com remuneração fixa sobre o investimento. Era assim: os ingleses construíam uma ferrovia, investiam mil libras e o governo lhes garantia 50 libras de remuneração anual. Deu no seguinte: a ferrovia de Baturité, no Ceará, entrou para a história porque, enquanto sua malha aumentava, o volume de carga transportada diminuía. Desde então, a estradas de ferro foram encampadas e arrendadas por Campos Salles, estatizadas por Vargas, privatizadas por FFHH e agora o governo do Lula começará a recebê-las de volta. Um pedaço da ferrovia Novoeste será devolvida ao governador Zeca do PT. Tudo em nome da criação de um "ramal ecológico". Se o negócio é bom (e sério), por que os privatas não ficam com ele?
Nos anos 90, os sábios da economia disseram que iriam vender o patrimônio da Viúva para abater a dívida e trazer investimentos, progresso e qualidade aos serviços. A dívida aumentou, os investimentos precisaram de uma mãozinha do BNDES, o crescimento foi às urtigas e, em alguns casos, o serviço piorou.
O Pips tem tudo para acabar em coisa pior que a privataria tucana. Aparece como um artifício destinado a driblar a contabilidade regressista do FMI e foi aprovado nas duas casas do Congresso num lance de grande esperteza. Também foi muita esperteza dos tucanos torrar as empresas elétricas sem ter feito o dever de casa de uma regulamentação decente. Todos, muito espertos, deveriam lembrar-se de Tancredo Neves: "Esperteza, quando é muita, come o dono".


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