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ELIO GASPARI
Lembra-se da privataria?
A conta está no BNDES
Quiseram os orixás da economia que o velho e bom
BNDES fechasse a renegociação
do calote de US$ 1,2 bilhão da
AES, dona da Eletropaulo, ao
mesmo tempo em que o governo
prepara um novo lance de privataria. São o Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social, o Pips, e a
denominada Parceria Público
Privado, ou PPP.
(Aviso aos navegantes: toda
vez que o Brasília fala em "incentivo" e "interesse social", isso
significa que vão jogar o dinheiro dos impostos em projetos do
interesse do governo e daqueles
empreendedores que entendem
a grandeza dos projetos do governo.)
Em 1997, a patuléia viu um
grupo de sábios festejando a
venda da Eletropaulo. Era a
época em que os marmanjos da
privataria posavam para fotografias ridículas segurando o cabo de um martelo de leilão. Agora a choldra deveria convidar
esses mesmos artistas para a cerimônia de reestatização de
49% da Eletropaulo. Preço da
foto: US$ 600 milhões, dinheiro
suficiente para alfabetizar 20
milhões de adultos, inclusive
aqueles que venderam a Eletropaulo.
Se o governo não tiver o devido respeito pela capacidade das
instituições nacionais de tramitar o dissenso, a ekipekonômica,
que cozinha o Pips no gabinete
do ministro Antonio Palocci Filho, transformará o Estado brasileiro numa franquia. Daqui a
dez anos, a velha e boa bolsa do
BNDES será chamada para ficar
com a conta do Pips.
Esse novo programa cria mecanismos que permitirão ao governo arrendar obras e serviços
públicos. É um esquema engenhoso. Fracassou no México e
deu bons resultados em Portugal. Na sua expressão mais simples, a Viúva subsidia bancos
privados para que emprestem
dinheiro a empreendedores interessados em explorar serviços
públicos. Como ninguém é de
ferro e o capitalismo de risco estava numa das naus perdidas da
esquadra de Cabral, a velha senhora garante a renda do capital investido.
É um retorno ao sistema de financiamento do Império, com
remuneração fixa sobre o investimento. Era assim: os ingleses
construíam uma ferrovia, investiam mil libras e o governo lhes
garantia 50 libras de remuneração anual. Deu no seguinte: a
ferrovia de Baturité, no Ceará,
entrou para a história porque,
enquanto sua malha aumentava, o volume de carga transportada diminuía. Desde então, a
estradas de ferro foram encampadas e arrendadas por Campos
Salles, estatizadas por Vargas,
privatizadas por FFHH e agora
o governo do Lula começará a
recebê-las de volta. Um pedaço
da ferrovia Novoeste será devolvida ao governador Zeca do PT.
Tudo em nome da criação de
um "ramal ecológico". Se o negócio é bom (e sério), por que os
privatas não ficam com ele?
Nos anos 90, os sábios da economia disseram que iriam vender o patrimônio da Viúva para
abater a dívida e trazer investimentos, progresso e qualidade
aos serviços. A dívida aumentou, os investimentos precisaram de uma mãozinha do
BNDES, o crescimento foi às urtigas e, em alguns casos, o serviço piorou.
O Pips tem tudo para acabar
em coisa pior que a privataria
tucana. Aparece como um artifício destinado a driblar a contabilidade regressista do FMI e foi
aprovado nas duas casas do
Congresso num lance de grande
esperteza. Também foi muita esperteza dos tucanos torrar as
empresas elétricas sem ter feito o
dever de casa de uma regulamentação decente. Todos, muito
espertos, deveriam lembrar-se
de Tancredo Neves: "Esperteza,
quando é muita, come o dono".
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