São Paulo, Sexta-feira, 10 de Setembro de 1999
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AS CONVERSAS DE LYNDON JOHNSON

Transcrição da fita número WH6403.19 da biblioteca de Lyndon Johnson, feita por Lincoln Gordon em17 de julho de 1999
Secretário de Estado Dean Rusk (em Washington) e presidente Lyndon Johnson no Texas (EUA), 30 de março de 1964, às 21h35 em Washington (23h35 em Brasília):

Rusk - Tive uma reunião com Tom Mann e um grupo daqui, incluindo a CIA (Agência Central de Inteligência), sobre a situação brasileira. A crise vai chegar ao auge nos próximos um ou dois dias, talvez até mesmo de hoje para amanhã. A resistência a Goulart está crescendo como bola de neve, logo a coisa pode estourar a qualquer momento. As Forças Armadas, os governadores -especialmente nos Estados mais povoados da costa leste- parecem estar montando uma resistência real ali. Eu gostaria de enviar uma mensagem a Linc Gordon. Gostaria de ler a mensagem ao senhor, se o senhor permitir, e também indicar que pedi ao Bob McNamara (secretário de Defesa) que apronte alguns navios-tanque para suprimentos POL -coisas desse tipo.
(Lendo) "A política dos EUA em relação ao Brasil se baseia em nossa determinação de apoiar de todas as maneiras possíveis a manutenção do governo representativo e constitucional no Brasil, livre da ameaça contínua de ditadura da esquerda erigida por meio de uma manipulação Goulart-Brizola. É de grande importância que haja uma preempção da posição de legitimidade por parte daqueles que irão se opor à influência comunista e outras influências extremistas. É altamente desejável, portanto, que, se alguma ação for tomada pelas Forças Armadas, tal ação seja precedida ou acompanhada por uma demonstração clara de atos inconstitucionais por parte de Goulart ou de seus colegas, ou que a legitimidade seja confirmada por atos do Congresso, se este estiver livre para agir, ou por expressões dos governadores chaves ou por algum outro meio que confira peso substancial à legitimidade.
Com respeito à capacidade norte-americana de apoio, agiríamos prontamente com medidas financeiro-econômicas. Com relação à assistência militar, os fatores logísticos são importantes. Os navios de superfície sugerem que as forças contrárias a Goulart podem estar desenvolvendo um certo ímpeto. Nosso grande problema é determinar se isso apresenta uma oportunidade que pode não vir a se repetir. Nesse caso, desejamos tomar uma decisão importante quanto a se, e por que meios, poderíamos dar um impulso adicional às forças já em movimento, conforme o que eu disse acima."
Agora a situação é que...
Johnson - A mensagem acabou?
Rusk - Sim. Basicamente a situação é a seguinte: há um crescimento muito substancial da resistência a Goulart. Se os governadores dos Estados chaves da costa leste, tais como Minas Gerais, São Paulo e todos aqueles Estados densamente povoados da costa leste, que são contrários a Goulart, se unissem às Forças Armadas estacionadas nesses Estados chaves, acho que isso poderia ser algo que deveríamos aceitar, incentivar e com o qual deveríamos manter contato. E precisamos obter a avaliação fundamental de Linc Gordon. Vou dizer a ele que essa é a avaliação principal que ele precisa fazer e com a qual fará jus a seu pagamento. Ele tem que nos dizer sua opinião ponderada quanto a se essa é ou não uma oportunidade que não irá se repetir, e que, se não for aproveitada agora, dará a Goulart a chance de solapar sua oposição e levar o Brasil pelo caminho da ditadura comunista.
Essa mensagem que li ao senhor não o compromete de qualquer maneira. Basicamente, ela apenas pede informações a ele e lhe dá uma idéia do clima das atitudes nossas aqui.
Johnson - Mas o que ela está dizendo, na verdade, é: consiga alguém legítimo e substancial e não deixe (o país) virar comunista.
Rusk - Isso mesmo. E já falei com Bob McNamara para preparar alguns navios-tanque para colocar alguns suprimentos POL e outras coisas a caminho. E o general O'Meara também recebeu ordem de Bob McNamara para vir a Washington hoje à noite para discutir os planos de contingência que podem vir a ser necessários nessa situação.
Então eu gostaria apenas de enviar este telegrama -em efeito- de conselho a Linc Gordon, nosso embaixador, para ver se até amanhã de manhã ou no decorrer do dia vamos querer tomar uma decisão sobre como vamos proceder nessa situação. Está certo?
Johnson - Claro. Isso é bom. Está ótimo.
Rusk - Outra coisa: tivemos um acidente infeliz hoje. O (Comitê) de Assuntos Externos da Câmara dos Deputados divulgou um relatório que incluiu nas referências ao Brasil um relatório que foi preparado em janeiro passado e que incluiu uma referência ao fato de que não esperávamos uma tomada comunista do poder no Brasil no futuro próximo.
Johnson - Foi redigido em janeiro de 1964?
Rusk - Isso mesmo. Já conversei com algumas pessoas da imprensa esta noite para que digam que um alto representante do Departamento de Estado falou que a situação no Brasil deteriorou nesse ínterim, desde que aquele relatório foi divulgado, e que estamos profundamente preocupados com as perspectivas da democracia representativa e constitucional no Brasil. Porque se esse relatório descer até o Brasil sem algum tipo de correção, Goulart pode interpretar isso como uma bênção para as coisas que está tentando fazer. Por isso, sem nenhuma citação direta de minhas palavras ou suas, fiz um trabalho de pano de fundo para tentar corrigir uma das sentenças nesse relatório por causa de seu impacto no Brasil amanhã de manhã.
Johnson - (neste ponto a conversa passa a tratar da situação na zona do canal do Panamá).
Rusk - Excetuando essa questão brasileira, posso lhe telefonar de manhã cedo. Não há nada aqui, com a exceção do Brasil, que exija que o senhor volte a Washington amanhã, em lugar de quarta-feira. Mas acho que é possível que esse assunto brasileiro exploda de hoje para amanhã, e vou estar em contato com o senhor sobre isso, para que o senhor possa se planejar.
Johnson - Tudo bem. Me ligue. Senão, volto na quarta-feira, mas voltarei a qualquer momento em que precisar.
Rusk: Obrigado, senhor presidente.


Subsecretário de Estado George Ball (em Washington) e o então presidente dos EUA, Lyndon Johnson, no Texas, 31 de março de 1964, às 15h38 em Washington (17h38 em Brasília).

Ball - Senhor presidente, é George Ball.
Johnson - Sim, George.
Ball - Tom Mann está ao telefone comigo.
Johnson - Oi, Tom.
Ball - Um resumo rápido da situação atual no Brasil. Tivemos uma reunião hoje de manhã com Bob McNamara (secretário de Defesa) e Max Taylor (chefe do Estado-Maior Conjunto) e o general O'Meara (comandante do Comando Suldos EUA, com quartel-general no Panamá), que veio para cá ontem à noite, e, com base nas informações que chegaram esta manhã, decidimos seguir em frente e enviar nossa força-tarefa naval, mas sem nenhum compromisso. Então ela vai descer naquela direção. Ela não vai poder chegar à área antes de 10 de abril, e enquanto isso vamos poder observar o desenrolar dos fatos para ver se ela deve continuar ou não. Poderia ser feito de uma maneira que não suscitasse nenhum tipo de comoção pública.
A segunda coisa é que localizamos alguns navios-tanque da Marinha em Aruba. O que eles mais vão precisar em algum momento se tiverem uma revolta bem sucedida por lá provavelmente será gasolina para os veículos motorizados e a aviação. Os navios-tanque estarão carregados, mas também não vão poder chegar lá até 8 a 13 de abril, mas essa é uma medida de cautela que estamos tomando. A terceira coisa é que eles estão reunindo uma carga de munição, mas isso provavelmente terá que esperar para começarmos a enviá-la porque provavelmente terá que ser transportada por avião, e isso só poderá ser feito depois que a situação ficar clara e que tomemos uma decisão clara quanto a assumir um engajamento na situação.
O que está acontecendo de fato em campo é muito confuso. Acabamos de ter uma conversa via teletipo com Linc Gordon, no Rio. Parece que o Estado logo ao norte do Rio, que é Minas Gerais, está rebelado. Tanto o Exército quanto as autoridades civis do Estado parecem estar agindo em conjunto, e o Exército aparentemente fechou a rodovia do Rio, de modo que o Primeiro Exército no Rio não possa se deslocar para parar a revolta. Estamos aguardando maiores informações sobre a situação em São Paulo, que é a chave da questão militar. Ao que parece, não houve nenhuma movimentação em São Paulo, mas espera-se alguma coisa a qualquer momento, e nas próximas horas deveremos ficar sabendo o que está acontecendo. O ideal seria que o Segundo Exército bloqueasse a estrada do Rio para o Sul, isolando o Rio.
Enquanto isso, nos círculos parlamentares, está sendo preparado um esboço de impeachment de Goulart, mas nada de concreto foi feito. Eles redigiram uma lista de todas as violações à Constituição que alegam ter sido cometidas e há muita discussão para ver o que deve ser feito, presume-se que no sentido de formar algum tipo de governo civil remanescente que tenha alguma base para se dizer legítimo. Aparentemente os governadores contrários a Goulart vão se reunir na quarta-feira, e, com base nas informações que Gordon possui, há um número significativo de governadores que estão dispostos a tomar atitude contra Goulart -são cerca de nove ao todo, o que é um número muito eficaz.
Johnson - Quantos eles têm?
Ball - O número total de Estados por lá é de mais ou menos 19 a 21, conforme me foi dito, mas esses aqui são os Estados grandes, os importantes.
Demos instruções a Gordon no sentido de que não faça mais contatos com os brasileiros até vermos como a situação vai evoluir. Acho que tem que haver mais movimentação em São Paulo para garantir que essa coisa vá adiante, porque não queremos nos comprometer antes de saber que rumo a coisa vai tomar. Ele acha que, com base no que começou até agora, podemos esperar 12 horas -ou até a noite inteira- antes de tomarmos qualquer decisão sobre entrarmos em ação ou não, e acho que podemos esperar para ver o que vai acontecer e fazer uma avaliação com base nisso.
Pelo que vejo, o senhor está pensando em voltar (do Texas a Washington) hoje à noite.
Johnson - Sim. Estarei aí por volta das 20h30.
Ball - Talvez a gente tenha outra reunião com McNamara hoje à tarde. Seja como for, eles (os brasileiros) vão estar modificando a situação. Eu só queria deixar o senhor a par de como está até agora.
Johnson - Acho que devemos tomar todas as medidas que pudermos e estar preparados para fazer tudo que for preciso, exatamente como faríamos no Panamá -desde que seja viável de alguma maneira.
Ball - Obrigado, senhor presidente. Estamos examinando todas as possibilidades. Estamos...
Johnson - Eu colocaria qualquer pessoa que tem alguma imaginação ou inventividade na unidade do Gordon (embaixada no Rio), a de McCone (a CIA), a sua (Departamento de Estado) ou a de McNamara (Departamento de Defesa)... Simplesmente não podemos aceitar isso. Eu seria a favor de que a gente se arrisque um pouco.
Ball - Isto é apenas a visão que estamos tendo, e já estamos com as coisas bem organizadas...
Johnson - Alguma coisa a mais sobre o Panamá? (fim das referências ao Brasil)


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