São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Poeta cativou público internacional

NELSON ASCHER
em Paris

João Cabral foi, ao mesmo tempo, um dos mais regionais e um dos mais cosmopolitas poetas brasileiros. Com sua memória firmemente enraizada em seu Pernambuco natal, ele descreveu com uma obsessão absolutamente detalhista as paisagens de sua região e o modo como esta moldava os seres humanos. E, no entanto, sua fidelidade a poetas estrangeiros como o francês Paul Valéry e o espanhol Jorge Guillén, sua carreira de diplomata e sua descoberta personalíssima da Andaluzia, uma região do mundo que, na sua poesia, harmoniza-se como um inusitado sinônimo com o Nordeste brasileiro, embutiram perspectivas autenticamente internacionais em sua obra.
Condizentemente, um público estrangeiro vem se interessando, há muito, pela confluência dessas "duas águas" que brotavam da sensibilidade racional de um poeta que logrou a coincidência do regional e do internacional sem ter nunca tentado ser propriamente nacional. Como se poderia esperar, seu viés ibérico despertou interesse, antes de mais nada, na Espanha e, ali, não tanto no sul, quanto na mais majoritariamente distinta de suas regiões, qual seja, na Catalunha. Foi ali que Cabral encontrou seu melhor e mais empenhado tradutor, o poeta Angel Crespo, que morreu em dezembro de 95. Mas Cabral, mais do que Drummond ou mesmo seu amigo Murilo Mendes (que, de fato, radicou-se no estrangeiro), foi provavelmente, dentre os poetas brasileiros da segunda geração modernista, aquele que, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, cativou uma pequena e dedicada platéia.
Elizabeth Bishop traduziu vários de seus poemas e estes se transformaram no núcleo da antologia que, depois de Cabral ter recebido um dos principais prêmios internacionais de poesia, a Wesleyan publicou nos Estados Unidos. Curt Meyer-Clason traduziu, entre outros, o seu "O Cão sem Plumas" para o alemão e a editora Einaudi publicou-lhe uma seleção em italiano. A prestigiosa revista "Poèsie", dirigida por Michel Déguy, esteve entre os que promoveram na França seu trabalho.
A tensão que Cabral sempre derivou da combinação de um estilo meio que propositadamente deselegante com a edificação quase algébrica do poema faz de sua obra um objeto refratário à tradução, uma atividade que pode facilmente mascarar as esquisitices que tornam inconfundível a sua voz. Daí não ser difícil imaginar que muito desta tenha se perdido em outras línguas.
Ainda assim, que o poeta tenha sido, em vida, apreciado em inglês, francês, alemão, espanhol, italiano etc. é prova clara de que nenhum idioma constitui uma prisão se quem se vale dela for, como Cabral o foi, indiscutivelmente grande.


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