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Poeta cativou público internacional
NELSON ASCHER
em Paris
João Cabral foi, ao mesmo tempo, um dos mais regionais e um
dos mais cosmopolitas poetas
brasileiros. Com sua memória firmemente enraizada em seu Pernambuco natal, ele descreveu
com uma obsessão absolutamente detalhista as paisagens de sua
região e o modo como esta moldava os seres humanos. E, no entanto, sua fidelidade a poetas estrangeiros como o francês Paul
Valéry e o espanhol Jorge Guillén,
sua carreira de diplomata e sua
descoberta personalíssima da Andaluzia, uma região do mundo
que, na sua poesia, harmoniza-se
como um inusitado sinônimo
com o Nordeste brasileiro, embutiram perspectivas autenticamente internacionais em sua obra.
Condizentemente, um público
estrangeiro vem se interessando,
há muito, pela confluência dessas
"duas águas" que brotavam da
sensibilidade racional de um poeta que logrou a coincidência do
regional e do internacional sem
ter nunca tentado ser propriamente nacional. Como se poderia
esperar, seu viés ibérico despertou interesse, antes de mais nada,
na Espanha e, ali, não tanto no sul,
quanto na mais majoritariamente
distinta de suas regiões, qual seja,
na Catalunha. Foi ali que Cabral
encontrou seu melhor e mais empenhado tradutor, o poeta Angel
Crespo, que morreu em dezembro de 95. Mas Cabral, mais do
que Drummond ou mesmo seu
amigo Murilo Mendes (que, de fato, radicou-se no estrangeiro), foi
provavelmente, dentre os poetas
brasileiros da segunda geração
modernista, aquele que, tanto na
Europa quanto nos Estados Unidos, cativou uma pequena e dedicada platéia.
Elizabeth Bishop traduziu vários de seus poemas e estes se
transformaram no núcleo da antologia que, depois de Cabral ter
recebido um dos principais prêmios internacionais de poesia, a
Wesleyan publicou nos Estados
Unidos. Curt Meyer-Clason traduziu, entre outros, o seu "O Cão
sem Plumas" para o alemão e a
editora Einaudi publicou-lhe uma
seleção em italiano. A prestigiosa
revista "Poèsie", dirigida por Michel Déguy, esteve entre os que
promoveram na França seu trabalho.
A tensão que Cabral sempre derivou da combinação de um estilo
meio que propositadamente deselegante com a edificação quase
algébrica do poema faz de sua
obra um objeto refratário à tradução, uma atividade que pode facilmente mascarar as esquisitices
que tornam inconfundível a sua
voz. Daí não ser difícil imaginar
que muito desta tenha se perdido
em outras línguas.
Ainda assim, que o poeta tenha
sido, em vida, apreciado em inglês, francês, alemão, espanhol,
italiano etc. é prova clara de que
nenhum idioma constitui uma
prisão se quem se vale dela for,
como Cabral o foi, indiscutivelmente grande.
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