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Depressão tomou conta de Cabral
da Redação
Os últimos anos da vida de João
Cabral de Melo Neto foram ainda
mais cheios de nãos do que aqueles com que o escritor fez sua poesia, mais negativos do que foi sua
vida em geral recatada e discreta.
O poeta ficou mais cego a partir
de 1993. Poderia ter dito, com ironia amarga, que foram anos sem
vício, sem seu vício fundamental,
esses últimos de sua vida -ler.
"Eu confesso a você que tenho o
vício da linguagem, quer dizer, o
vício da leitura. Desde que me entendo por gente, não me lembro
de mim, desde menino, senão
com um livro na mão. Eu tenho a
doença de ler, é um vício", declarou certa vez João Cabral.
Nas até numerosas entrevistas
que concedeu depois que voltou
ao Brasil, em particular depois
que sua retina começou a degenerar, João Cabral sempre se queixava de maneira muito deprimida sobre sua impotência e sobre
certa falta de sentido de seus dias.
Não podia escrever, não podia ler.
De resto, sua poesia, como tanto
se disse, era visual, no sentido de
formada pelo que o poeta via, pela
concretude, pelos substantivos
concretos, pelas coisas. Mas o
próprio ato de escrever, à mão depois à máquina, lhe fazia falta.
Não conseguia compor por
meio do ditado. Precisava ver o
papel. Depois de cego, ou quase,
não escreveu, ou não tentou mandar para o papel, mais poema algum. "Tenho de encarar a realidade. Estou cego. Não há poesia para mim sem ver". Por volta de
1992, ainda dizia estar esboçando
alguns textos, ou algumas "brincadeiras". Quando a cegueira
apertou, Cabral desistiu.
Rotina de ler
Ler era parte fundamental de
sua rotina, como ele mesmo a
descreveu tantas vezes. Acordar
mais ou menos entre 8h e 9h, tomar café, ler jornais. Depois do almoço, um repouso, por recomendação médica, e ler seus livros.
Parava de ler no começo da noite. Pelo menos desde que voltara
ao Brasil, aposentado em 1987,
João Cabral dizia precisar de focos de luz próximos para ler. Mas
eles aumentavam o calor, de maneira que o poeta ficava muito irritado de ter de largar os livros depois das 18h.
Por falar em calor, disse algumas vezes não gostar do Rio, onde
no entanto passou os anos finais
da vida, desde que se aposentou e
deixou seu último posto, no Porto, em Portugal. Reclamava da
paisagem, que não era a sua, dos
planos pernambucanos e recifenses. Vivia na cidade por causa dos
filhos, seus e da mulher, a poetisa
Marly de Oliveira, por quem tinha
grande e, curiosamente, se dizia,
derramada paixão.
De resto não gostava mais de
sair de casa. Jamais gostou, dizia,
a não ser para uma exposição ou
para o cinema, especialmente em
Londres. Ouvia rádio, mas não
música, que sempre detestou,
com a relativa exceção do flamenco e do frevo.
Apesar do casamento com
Marly de Oliveira, se dizia mais
melancólico do que o habitual,
sujeito a crises de depressão, como a que o abateu logo depois de
sua volta ao país, devido à irritação que a reforma de seu apartamento no Rio lhe causou. Sua
saúde estava mais frágil do que o
habitual. Pouco antes de se aposentar, passou por duas cirurgias
sérias de úlcera, no estômago e
duodeno. Sua vida se apagou nesses últimos dez anos como sua visão e a capacidade de linguagem,
ler e escrever, seu vício e seu motivo de vida.
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