São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

A ajuda espúria da inflação

A inflação de setembro, medida pelo IPCA (0,72%) e pelo IGP-DI (2,64%), divulgada ontem, surpreendeu para cima. Inflação em alta é uma má notícia para a economia em geral, mas vira uma ajuda espúria nas contas fiscais. Tem ajudado, por exemplo, a derrubar os juros reais, descontada a inflação. Como o governo é o maior devedor, sai ganhando.
Existem várias formas de se medir o juro real. Se o objetivo é saber qual o juro pago, deve-se olhar para trás. Se o que se quer é ver qual o juro que o mercado imagina que estará recebendo por suas aplicações, olha-se para frente. Olhando para trás, se vê o impacto fiscal. Olhando para frente, mede-se onde andam as expectativas do mercado, uma conta que o Banco Central costuma fazer.
Olhando para trás, o ganho fiscal é inequívoco. O IPCA mensal médio, de julho a setembro, ficou em 0,82%, equivalente a 10,3% ao ano. O juro de curto prazo pago pelo governo (Selic efetiva) ficou na média mensal de 1,45%, ou 18,9% ao ano. Comparando os dois, o juro real pago foi equivalente a 7,7% ao ano. No ano passado, por exemplo, o juro real médio medido da mesma forma ficou em 9,4%.
Se a conta for feita com o IGP-DI, um índice que reflete mais de perto a variação nominal do PIB, a queda do juro real é muito mais forte. O IGP-DI reflete mais o impacto da desvalorização cambial, porque 60% de sua composição são preços por atacado.
A média mensal do IGP-DI dos últimos três meses foi de 2,34%, ou 31,9% anualizados, ou seja, ficou 9,9% acima da Selic efetiva anualizada deste período. Quer dizer: o juro foi negativo, inferior à inflação. No ano passado, este mesmo juro real foi positivo em 7,9%.
Olhando o juro real para frente, a tendência é a mesma, mas a intensidade é menor. Para isso, consideram-se as projeções do mercado (medidas pelo Focus, do BC) para a inflação em 12 meses, proporcionais aos meses decorridos, e faz-se a comparação com a Selic fixada pelo governo.
O resultado depende, basicamente, das expectativas do mercado em relação à inflação futura. Apesar do salto recente da inflação, as projeções ainda embutem a idéia de que esse salto será temporário e que a inflação vai cair no próximo ano. No caso do IPCA, de 6,91% projetados para 2002, para 5,53% em 2003; no caso do IGP-DI, de 13,46% para 7,55%.
O juro real futuro, como se vê pelo gráfico, está no ponto mais baixo do ano e com clara tendência de queda desde maio/junho. Deflacionado pelo IPCA, ele ainda é significativo: 12,1%. No ano passado, ele havia chegado até a 13,9%, em setembro. É bom lembrar, contudo, que os resultados da inflação de setembro, piores do que o esperado, ainda não estavam considerados nesta última projeção do Focus. Alguns bancos e consultorias, já ontem, revisaram para cima suas projeções de inflação, o que, obviamente, implicará em revisar para baixo a projeção de juro real futuro. O risco, se o juro real projetado cair demais, é que leve a uma relutância maior do mercado em aplicar em títulos do governo, mas a taxa, deflacionada pelo IPCA, ainda está num nível elevado.
O juro que impacta a economia real, a demanda, e, portanto, a inflação, não é o juro básico, e sim o juro de mais longo prazo. O juro para seis meses fechou ontem em 23,6% e para um ano em 29%, enquanto a Selic está em 18%. Por qualquer parâmetro que se use, portanto, o juro real longo está muito alto e não é por acaso que a economia está perto da estagnação. Se a distância entre o juro longo e o curto continuar muito grande, contudo, haverá mais pressão para elevação do juro básico.
A inflação ajuda as contas fiscais de várias formas, além de reduzir o juro real. Amplia nominalmente a receita, enquanto os gastos, fixados nominalmente, são minados, em termos reais. Além disso, a inflação eleva o PIB nominal, fazendo com que alguns indicadores que são medidos em relação a ele caiam, ou subam menos, em termos relativos. O principal deles é a relação dívida líquida do setor público/ PIB, o indicador mais sensível na ótica dos investidores externos.
O BC publica um quadro mostrando os fatores que ajudaram a ampliar ou reduzir a dívida líquida. No acumulado de janeiro a agosto, a dívida líquida subiu 5% do PIB, de 52,2% para 58,2%. Quem mais fez subir a dívida foi o impacto contábil da desvalorização cambial (6,62%), os juros nominais (4,51%), os esqueletos (0,86%) e outros ajustes na dívida externa (0,21%). Ajudaram o superávit primário (2,78%) e as privatizações (0,27%). O outro fator de ajuda, o mais importante, com 4,15% do PIB, foi o que o BC chama de "efeito crescimento", que é o aumento nominal do PIB.
Como se vê, o aumento nominal do PIB, engordado pela inflação, foi quase igual ao gasto com juros nominais no período. Para se ter uma comparação, o ano passado fechou com 6,97% de aumento dos juros nominais e impacto positivo de 4,05% pelo efeito do crescimento do PIB.
Contar com a inflação para ajudar o ajuste fiscal, contudo, é um jogo perigoso. Se a sociedade deixar de acreditar que a inflação futura vai cair, pressionará por juros nominais mais altos e por reindexação. O que pode fazer com que a roda infernal que havia no passado, em que ninguém saía ganhando, volte a girar. Será grande o desafio do próximo governo para provar que estará disposto a controlar a inflação.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: Decisão do TRF livra Jader de pedido de prisão
Próximo Texto: Crime organizado: Missão trabalha com 63% do efetivo no ES
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.