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CELSO PINTO
A ajuda espúria da inflação
A inflação de setembro,
medida pelo IPCA (0,72%) e
pelo IGP-DI (2,64%), divulgada
ontem, surpreendeu para cima.
Inflação em alta é uma má notícia para a economia em geral,
mas vira uma ajuda espúria nas
contas fiscais. Tem ajudado, por
exemplo, a derrubar os juros
reais, descontada a inflação. Como o governo é o maior devedor,
sai ganhando.
Existem várias formas de se
medir o juro real. Se o objetivo é
saber qual o juro pago, deve-se
olhar para trás. Se o que se quer é
ver qual o juro que o mercado
imagina que estará recebendo
por suas aplicações, olha-se para
frente. Olhando para trás, se vê o
impacto fiscal. Olhando para
frente, mede-se onde andam as
expectativas do mercado, uma
conta que o Banco Central costuma fazer.
Olhando para trás, o ganho fiscal é inequívoco. O IPCA mensal
médio, de julho a setembro, ficou
em 0,82%, equivalente a 10,3%
ao ano. O juro de curto prazo pago pelo governo (Selic efetiva) ficou na média mensal de 1,45%,
ou 18,9% ao ano. Comparando
os dois, o juro real pago foi equivalente a 7,7% ao ano. No ano
passado, por exemplo, o juro real
médio medido da mesma forma
ficou em 9,4%.
Se a conta for feita com o IGP-DI, um índice que reflete mais de
perto a variação nominal do PIB,
a queda do juro real é muito
mais forte. O IGP-DI reflete mais
o impacto da desvalorização
cambial, porque 60% de sua
composição são preços por atacado.
A média mensal do IGP-DI dos
últimos três meses foi de 2,34%,
ou 31,9% anualizados, ou seja, ficou 9,9% acima da Selic efetiva
anualizada deste período. Quer
dizer: o juro foi negativo, inferior
à inflação. No ano passado, este
mesmo juro real foi positivo em
7,9%.
Olhando o juro real para frente, a tendência é a mesma, mas a
intensidade é menor. Para isso,
consideram-se as projeções do
mercado (medidas pelo Focus, do
BC) para a inflação em 12 meses,
proporcionais aos meses decorridos, e faz-se a comparação com a
Selic fixada pelo governo.
O resultado depende, basicamente, das expectativas do mercado em relação à inflação futura. Apesar do salto recente da inflação, as projeções ainda embutem a idéia de que esse salto será
temporário e que a inflação vai
cair no próximo ano. No caso do
IPCA, de 6,91% projetados para
2002, para 5,53% em 2003; no caso do IGP-DI, de 13,46% para
7,55%.
O juro real futuro, como se vê
pelo gráfico, está no ponto mais
baixo do ano e com clara tendência de queda desde maio/junho.
Deflacionado pelo IPCA, ele ainda é significativo: 12,1%. No ano
passado, ele havia chegado até a
13,9%, em setembro. É bom lembrar, contudo, que os resultados
da inflação de setembro, piores
do que o esperado, ainda não estavam considerados nesta última
projeção do Focus. Alguns bancos e consultorias, já ontem, revisaram para cima suas projeções
de inflação, o que, obviamente,
implicará em revisar para baixo
a projeção de juro real futuro. O
risco, se o juro real projetado cair
demais, é que leve a uma relutância maior do mercado em
aplicar em títulos do governo,
mas a taxa, deflacionada pelo IPCA, ainda está num nível elevado.
O juro que impacta a economia
real, a demanda, e, portanto, a
inflação, não é o juro básico, e
sim o juro de mais longo prazo. O
juro para seis meses fechou ontem em 23,6% e para um ano em
29%, enquanto a Selic está em
18%. Por qualquer parâmetro
que se use, portanto, o juro real
longo está muito alto e não é por
acaso que a economia está perto
da estagnação. Se a distância entre o juro longo e o curto continuar muito grande, contudo, haverá mais pressão para elevação
do juro básico.
A inflação ajuda as contas fiscais de várias formas, além de reduzir o juro real. Amplia nominalmente a receita, enquanto os
gastos, fixados nominalmente,
são minados, em termos reais.
Além disso, a inflação eleva o PIB
nominal, fazendo com que alguns indicadores que são medidos em relação a ele caiam, ou
subam menos, em termos relativos. O principal deles é a relação
dívida líquida do setor público/
PIB, o indicador mais sensível na
ótica dos investidores externos.
O BC publica um quadro mostrando os fatores que ajudaram a
ampliar ou reduzir a dívida líquida. No acumulado de janeiro
a agosto, a dívida líquida subiu
5% do PIB, de 52,2% para 58,2%.
Quem mais fez subir a dívida foi
o impacto contábil da desvalorização cambial (6,62%), os juros
nominais (4,51%), os esqueletos
(0,86%) e outros ajustes na dívida externa (0,21%). Ajudaram o
superávit primário (2,78%) e as
privatizações (0,27%). O outro
fator de ajuda, o mais importante, com 4,15% do PIB, foi o que o
BC chama de "efeito crescimento", que é o aumento nominal do
PIB.
Como se vê, o aumento nominal do PIB, engordado pela inflação, foi quase igual ao gasto com
juros nominais no período. Para
se ter uma comparação, o ano
passado fechou com 6,97% de
aumento dos juros nominais e
impacto positivo de 4,05% pelo
efeito do crescimento do PIB.
Contar com a inflação para
ajudar o ajuste fiscal, contudo, é
um jogo perigoso. Se a sociedade
deixar de acreditar que a inflação futura vai cair, pressionará
por juros nominais mais altos e
por reindexação. O que pode fazer com que a roda infernal que
havia no passado, em que ninguém saía ganhando, volte a girar. Será grande o desafio do próximo governo para provar que
estará disposto a controlar a inflação.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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