São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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SEGUNDO TURNO

Líder do PSB diz que não vai à TV pedir votos, rejeita participar de gestão petista e revela ser candidato à Presidência em 2006

Garotinho declara voto, mas ataca Lula e o PT

PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O candidato derrotado à Presidência pelo PSB, Anthony Garotinho, 42, decidiu ontem apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, mas rejeita sua participação ou de seu partido em um eventual governo petista.
Prega que a bancada socialista no Congresso seja "independente", sem fazer parte da base de apoio de Lula, caso este se eleja. "Já rompemos o cordão umbilical com o PT", afirmou à Folha.
Apesar do apoio, mantém discurso crítico sobre o petista. "Disse durante o tempo inteiro da campanha que o Lula, para chegar ao poder, fez concessões demais. Minha expectativa é que ele está enganando alguém."
O ex-governador do Rio diz que não pretende participar dos programas de televisão do PT: "Para quê? Ele [Lula] também vai aparecer ao lado do [José] Sarney".
O candidato do PSB obteve mais de 15 milhões de votos no primeiro turno, grande parte do eleitorado evangélico. Mas avalia que Lula tem de "esclarecer diversas dúvidas" se quiser o apoio deles. "Fomos maltratados por muitas administrações petistas, como a do Cristovam Buarque quando governou o Distrito Federal."
Como exemplo, ele cita dificuldades para a aprovação de construção de igrejas e problemas com a lei do silêncio durante cultos evangélicos.
Garotinho diz que não aceita ser ministro de Lula, não indica ministros e não integrará o governo de sua mulher, Rosinha, eleita governadora do Rio no primeiro turno, tendo como principal adversária a petista Benedita da Silva. Rosinha ontem recebeu um telefonema do presidente Fernando Henrique Cardoso, parabenizando-a por sua vitória. É o máximo de diálogo que a família diz aceitar com os tucanos.
"Fiz a campanha inteira criticando o modelo econômico que eles implantaram. Não faz sentido conversar agora", declara Garotinho. Ele nega que o ex-ministro do Trabalho Francisco Dornelles tenha tentado aproximá-lo do candidato do PSDB à Presidência, José Serra.
O projeto de Garotinho é assumir a presidência da Fundação João Mangabeira, responsável pela formação política e elaboração de estratégias para o PSB. Aposta que o partido terá candidatos nos 200 maiores municípios do país na eleição municipal de 2004, de olho em seu projeto futuro. "Pretendo disputar a Presidência em 2006", revela. Na sua análise, o que mais prejudicou seu projeto neste ano foi a ausência de dinheiro: "Em um cálculo preliminar, nossa campanha custou apenas R$ 2 milhões".

Folha - Por que o sr. vai apoiar Lula e que condições estabeleceu para tal?
Anthony Garotinho
- As condições que estabelecemos ainda não foram respondidas. Queremos uma posição clara do PT sobre alguns pontos, nos quais Lula, durante toda a campanha, não foi objetivo. Ele é contra ou a favor da entrega da Base de Alcântara (MA) para ser operada pelos americanos? Ele é contra ou a favor da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que significa a destruição do parque industrial brasileiro? Ele é contra ou a favor do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) nos moldes em que está feito, que impede a retomada do crescimento econômico? Ele é contra ou a favor da atual política de enfraquecimento da defesa nacional que destruiu as Forças Armadas brasileiras, deixando-as em situação de miséria? Por último, queremos um compromisso de recomposição do salário mínimo, já em 1º de maio de 2003, para R$ 280.

Folha - E se alguns desses pontos não forem respondidos, na sua opinião, satisfatoriamente?
Garotinho
- Uma coisa é o apoio entusiasmado. Outra é a declaração apenas de voto. Uma resposta clara e objetiva o quanto antes seria melhor para que pudéssemos externar a esses brasileiros que confiaram em nossa candidatura a nossa posição.

Folha - "Apoio entusiasmado" incluiria comícios, viagens e aparições no programa eleitoral gratuito da televisão?
Garotinho
- É isso que será discutido [hoje na reunião da Executiva Nacional do PSB, em Brasília]. Não fizemos ainda uma avaliação. Vamos dar uma resposta política ao PT. Diferentemente do que o PT fez em toda a sua história, quando se omitiu de tomar posições. Nós não ficaremos omissos. Na minha campanha de 1994, pelo governo do Estado, contra Marcello Alencar, o PT pregou o voto nulo no segundo turno. Não quis votar em mim. Não faremos isso agora. Temos consciência da responsabilidade. Mas vamos deixar bem claro: o PSB não será mais um apêndice do PT. Teremos identidade própria. Esse entendimento não significa adesão.

Folha - O sr. apóia Lula, mas não aceita participação no governo?
Garotinho
- Não. Porque o governo do PT, e digo isso agora, quando talvez meu apoio possa ser apenas uma declaração de voto, nada mais do que isso, porque as alianças que o Lula fez levam a crer num governo de grandes problemas. Lula sinaliza com uma área econômica conservadora e uma área social progressista. Na hora em que a área social quiser gastar os recursos necessários, a área econômica vai dizer: "Esses recursos não existem". Como o Lula vai decidir? Não será fácil. Como brasileiro, torço para que dê certo. Ele precisa deixar de ser o "Lulinha paz e amor", porque um presidente da República tem de tomar decisões. Que vão agradar a uns e desagradar a outros.

Folha - Se o eleito for Lula, o sr. defende que o PSB vá para a oposição?
Garotinho
- Minha opinião pessoal, que vou defender na reunião [hoje", é que o partido não participe do governo e fique numa posição de independência em relação ao PT. Ou seja, naquilo que considerarmos certos, votamos a favor. Naquilo que considerarmos errado, votamos contra.

Folha - O PT pretendia levar à televisão o sr. e Ciro Gomes (PPS), ao lado de Lula, para simbolizar a união de uma frente de oposição que obteve 76% dos votos. O sr. aceitará?
Garotinho
- Não. Para quê? Ele também vai aparecer do lado do Sarney. Do lado do Antonio Carlos Magalhães.

Folha - O PT diferencia apoio -caso de Sarney e ACM- de aliança, o que estaria sendo proposto a PPS e PSB.
Garotinho
- O PT me lembra uma expressão: faço o que digo, mas não faça o que eu faço. A vida inteira o PT criticou isso que está fazendo. O PT dizia que o grande equívoco do FHC foi fazer o que o partido está fazendo agora.

Folha - O sr. fez todas essas críticas na conversa que teve com o Lula, anteontem?
Garotinho
- Não. Foi muito rápida.

Folha - É verdade que o PSDB mandou emissários para tentar, se não o seu apoio, mas ao menos que se declarasse neutro na disputa?
Garotinho
- Não. Ninguém do PSDB me procurou. Fiz a campanha inteira criticando o modelo econômico que eles implantaram. Não faz sentido conversar agora. Modelo que achatou os salários, diminui o poder de compra da classe média e não deu ao país uma inserção soberana no mundo globalizado. Não poderia, de forma alguma, ter a menor possibilidade de apoiar José Serra.

Folha - Grande parte de seus votos veio dos evangélicos. O sr. pretende trabalhar em favor de Lula nesse segmento?
Garotinho
- O apoio do PSB não significa o apoio dos evangélicos ao Lula. Existem muitas questões que preocupam as lideranças evangélicas e que o PT precisa esclarecer. Não me considero líder evangélico, sou um político que é evangélico. A minha posição como membro do PSB não significa transferência de voto evangélico para o Lula.

Folha - Que questões precisariam ser esclarecidas para os evangélicos?
Garotinho
- Prefiro que Lula converse pessoalmente com eles, como eu fiz. Se o Lula me pedir, possa até ajudar de alguma maneira.

Folha - A tendência dos evangélicos hoje é Lula ou Serra?
Garotinho
- Não sei. Mas há muita resistência em relação ao Lula, não há dúvida. Em alguns governos petistas, o relacionamento com os evangélicos foi muito difícil, especialmente em Brasília, no governo Cristovam, em temas como construção de igrejas, lei do silêncio etc.

Folha - O sr. enfrentou pressões durante toda a campanha, de membros do seu próprio partido, para renunciar. O sr. venceu a queda de braço interna e tornou-se a principal liderança do partido?
Garotinho
- Quem tem de fazer essa avaliação é a direção partidária. Fizemos uma bancada aquém da que esperávamos por falta de recursos. Ela é maior do que tínhamos, mas não quanto esperávamos. Mas rompemos o cordão umbilical com o PT. O PSB é a segunda força oposicionista da esquerda brasileira -maior do que o PDT e o PPS. Vamos nos preparar para as eleições municipais de 2004 e teremos candidatos nas 200 maiores cidades. Fazer uma campanha com a falta de recursos que enfrentei foi uma vitória. Numa primeira estimativa, gastamos pouco mais de R$ 2 milhões. Vai ser a campanha mais barata da história. Só gastamos com avião. Para as circunstâncias -setores do partido indo contra, pouco tempo na TV etc.- foi um resultado excepcional.

Folha - O sr. está pavimentando sua candidatura para presidente em 2006?
Garotinho
- Sim. Eu pretendo ser candidato a presidente da República em 2006. E vou começar num patamar bem diferente do que comecei neste ano, quando só tinha voto no Rio. Fui o primeiro candidato do Rio que conseguiu penetrar em São Paulo, onde tive quase 3 milhões de votos.

Folha - Até lá, o sr. não é ministro, não participa do governo de Rosinha e só vai dirigir a Fundação João Mangabeira.
Garotinho
- Vou estudar mais, escrever mais, viajar pelo Brasil, conhecer experiências administrativas de outros países, dar palestras.

Folha - O Brasil pode eleger um presidente que não sabe o que é Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) e que o sr. apóia. O país corre risco de ter um presidente que não sabe o que é essa taxação ou a pergunta que o sr. fez no debate da Rede Globo não tinha importância?
Garotinho
- Gostaria de esclarecer que não foi "pegadinha". A pergunta era para falar sobre pedágio. Queria que o Lula me dissesse o que achava da Cide para que, na minha réplica, eu afirmasse que, com R$ 10 bi que o governo tem em caixa, as estradas continuam esburacadas e o governo enchendo as estradas de pedágio. Quando ele não falou o que era Cide, num primeiro momento, fiquei sem saber a continuidade que iria dar. O Lula sabe o que é Cide. Ele se esqueceu.

Folha - O sr. já definiu o Lula como "docinho de coco" dos banqueiros. O que ele precisaria fazer para mudar, na sua opinião?
Garotinho
- Gostaria que o Lula compreendesse que a arte de decidir é muito difícil. Só quem já ocupou cargo público sabe disso. Toda assinatura de um presidente agrada alguém e desagrada a alguém. Vou dar um conselho, usando uma linguagem que conheço bem, que é a bíblica: "Não pretenda servir a dois senhores". Ou sirva ao povo brasileiro, ou aos que exploram o povo brasileiro.

Folha - O sr. parece menos entusiasmado com a candidatura Lula do que Miguel Arraes, presidente de seu partido.
Garotinho
- É correta sua impressão. Disse durante o tempo inteiro da campanha que o Lula para chegar ao poder fez concessões demais. Minha expectativa é que ele está enganando alguém. Essa a minha opinião. Ele está falando a verdade quando conversa com a embaixadora americana ou quando conversa com a CUT?

Folha - Sua opção agora seria pelo menos pior?
Garotinho
- Sim, é isso. Nós não vamos ser avalistas cegos de ninguém.

Folha - Se o Lula for derrotado no segundo turno, a oposição pode ser responsabilizada por não ter se unido ainda no primeiro turno?
Garotinho
- Se o Lula perder, ele é o culpado. Fez tanta concessão que já ouvi tanta gente: um é, outro parece que é.


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