São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

Texto Anterior | Índice

OLHAR ESTRANGEIRO

O Brasil não merece o Congresso que tem

JEAN-JACQUES SÉVILLA

A democracia não tem preço, mas é exigente. O Tribunal Superior Eleitoral sabe bem quanto custa organizar a logística de um escrutínio num país com dimensões de continente. A cada eleição os brasileiros são convidados a acompanhar as viagens cheias de percalços das urnas eletrônicas a bordo de jipes que abrem caminho pelas estradas poeirentas do sertão ou, então, são transportadas em canoas pelos rios da Amazônia. Essas imagens "exóticas" não devem nos fazer esquecer o essencial: o exercício do dever cívico depende, em primeiro lugar, dos meios materiais à disposição dos eleitores. Sob esse ângulo, o TSE comprovou estar à altura do desafio. Nesse plano, o Brasil efetivamente dotou-se dos meios para realizar seu desejo por democracia.
Os pessimistas observarão que 2% das urnas eletrônicas, engenhosa criação autenticamente brasileira, apresentaram problemas e que alguns locais de votação acabaram ficando abertos até cinco horas após o horário previsto. Quando recordamos os episódios grotescos que marcaram as eleições americanas na Flórida, esses incidentes, limitados à margem de tolerância do TSE, aparecem como desprezíveis.
Se o chamado "voto de cabresto" sobreviveu nas regiões mais miseráveis do país, é porque os ingênuos que vendem seu direito ao voto acreditam que, depois de terem fornecido os dados de seus títulos eleitorais ao "comprador", que os gravou em seu computador, este terá condições de verificar se o contrato foi respeitado. A informática não pode pôr fim, da noite para o dia, a práticas perversas que são tão velhas quanto a república brasileira e têm suas raízes num clientelismo que sempre prosperou onde grassa a miséria. A ignorância dá espaço à venalidade. Quanto aos fraudadores, eles terão que demonstrar muita imaginação para driblar os sistemas de segurança.
Além do recurso muito eficaz à informática, outro elemento que distingue o funcionamento da democracia brasileira de outras é seu programa gratuito de propaganda. Tudo já foi dito a respeito das vantagens e dos defeitos do horário eleitoral. De um lado, impõe-se ao telespectador, mesmo que apenas temporariamente, uma emissão única, em flagrante violação de seu direito de escolha. Por outro, na medida em que a informação é um dos pilares do jogo democrático, o horário permite aos candidatos, mesmo os mais humildes, pelo menos se darem a conhecer aos eleitores.
O programa de propaganda política possui, entretanto, o mérito de visar uma democratização maior dos meios de comunicação. De outra parte, o TSE reagiu com determinação exemplar quando os juízes do TRE do Acre tentaram sabotar a candidatura à reeleição do governador Jorge Viana. Todos esses são motivos de orgulho para a democracia brasileira. É uma pena que uma de suas instituições mais importantes não siga o mesmo exemplo: em Brasília, o Congresso e seus parlamentares que trocam de partido como quem troca de camisa não evocam modernidade nenhuma.


Tradução de Clara Allain

JEAN-JACQUES SÉVILLA, jornalista, é correspondente no Brasil do jornal francês "Le Monde"


Texto Anterior: O personagem 2: Pedetista indica que deve recorrer ao TSE
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.