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OLHAR ESTRANGEIRO
O Brasil não merece o Congresso que tem
JEAN-JACQUES SÉVILLA
A democracia não tem
preço, mas é exigente. O Tribunal Superior Eleitoral sabe
bem quanto custa organizar a
logística de um escrutínio num
país com dimensões de continente. A cada eleição os brasileiros
são convidados a acompanhar
as viagens cheias de percalços
das urnas eletrônicas a bordo de
jipes que abrem caminho pelas
estradas poeirentas do sertão ou,
então, são transportadas em canoas pelos rios da Amazônia. Essas imagens "exóticas" não devem nos fazer esquecer o essencial: o exercício do dever cívico
depende, em primeiro lugar, dos
meios materiais à disposição dos
eleitores. Sob esse ângulo, o TSE
comprovou estar à altura do desafio. Nesse plano, o Brasil efetivamente dotou-se dos meios para realizar seu desejo por democracia.
Os pessimistas observarão que
2% das urnas eletrônicas, engenhosa criação autenticamente
brasileira, apresentaram problemas e que alguns locais de votação acabaram ficando abertos
até cinco horas após o horário
previsto. Quando recordamos os
episódios grotescos que marcaram as eleições americanas na
Flórida, esses incidentes, limitados à margem de tolerância do
TSE, aparecem como desprezíveis.
Se o chamado "voto de cabresto" sobreviveu nas regiões mais
miseráveis do país, é porque os
ingênuos que vendem seu direito
ao voto acreditam que, depois de
terem fornecido os dados de seus
títulos eleitorais ao "comprador", que os gravou em seu computador, este terá condições de
verificar se o contrato foi respeitado. A informática não pode
pôr fim, da noite para o dia, a
práticas perversas que são tão
velhas quanto a república brasileira e têm suas raízes num clientelismo que sempre prosperou
onde grassa a miséria. A ignorância dá espaço à venalidade.
Quanto aos fraudadores, eles terão que demonstrar muita imaginação para driblar os sistemas
de segurança.
Além do recurso muito eficaz à
informática, outro elemento que
distingue o funcionamento da
democracia brasileira de outras
é seu programa gratuito de propaganda. Tudo já foi dito a respeito das vantagens e dos defeitos do horário eleitoral. De um
lado, impõe-se ao telespectador,
mesmo que apenas temporariamente, uma emissão única, em
flagrante violação de seu direito
de escolha. Por outro, na medida
em que a informação é um dos
pilares do jogo democrático, o
horário permite aos candidatos,
mesmo os mais humildes, pelo
menos se darem a conhecer aos
eleitores.
O programa de propaganda
política possui, entretanto, o mérito de visar uma democratização maior dos meios de comunicação. De outra parte, o TSE reagiu com determinação exemplar
quando os juízes do TRE do Acre
tentaram sabotar a candidatura
à reeleição do governador Jorge
Viana. Todos esses são motivos
de orgulho para a democracia
brasileira. É uma pena que uma
de suas instituições mais importantes não siga o mesmo exemplo: em Brasília, o Congresso e
seus parlamentares que trocam
de partido como quem troca de
camisa não evocam modernidade nenhuma.
Tradução de Clara Allain
JEAN-JACQUES SÉVILLA, jornalista,
é correspondente no Brasil do
jornal francês "Le Monde"
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