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NO PLANALTO
A guerra de sempre entre
papadores e papados
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Hoje falaremos de gente
que não tem celular e
nunca foi a Miami. Gente que,
sem a sorte do Luiz Estevão para obter bons contratos e sem o
talento do Salvatore Cacciola
para fazer amigos em Brasília, é
obrigada a suar a camisa. Só
para manter o nome limpo numa praça suja.
Gente assim, de alma singela,
muitas vezes é dada a certas ingenuidades. E a ingenuidade,
como se sabe, é a matéria-prima
dos espertos. Espertos como Artur Falk, o idealizador do Papatudo, um empreendimento até
bem pouco alardeado na maior
emissora de TV do país, a Globo,
por uma garota-propaganda de
peso, a Xuxa.
Vendia-se a ilusão do prêmio
fácil, do dinheiro sem esforço.
Dava-se ao conto o apelido de
título de capitalização. Milhões
de brasileiros, desses que frequentam os fundões da sociedade, embarcaram na parola.
Súbito, descobriram-se na incômoda posição de papados.
Falk papou-lhe$ tudo, da esperança vã ao dinheiro escasso. O
caso não é novo. Mas frequenta
pouco o noticiário. Queixa de
papado não é coisa que jornal
ouça com facilidade.
O assunto voltou às páginas
há coisa de uma semana e meia,
graças à prisão do papador,
obra dos procuradores Artur
Gueiros e Raquel Branquinho,
do Rio. Como a cana durou
poucas horas, o escândalo foi logo devolvido à zona de penumbra. Uma pena.
Perde-se a oportunidade de
dissecar um caso exemplar de
esbulho à economia popular.
Foram abandonadas ao relento
128 mil cartelas de Papatudo.
Junto com elas, evaporaram R$
168 milhões. De resto, deixaram
na mão felizardos que, sorteados, tinham direito a R$ 500 mil
em dinheiro, 1.200 televisores
(coisa de R$ 300 mil) e 125 ambulâncias (R$ 2,5 milhões).
Alguém que se dê ao trabalho
de vasculhar o processo, que corre em segredo de Justiça, dará de
cara com detalhes inéditos. Manuseando-os, reconstituirá a trilha do vapor, chegando à nuvem que o sorveu.
A coisa funcionou assim: a Interunion Capitalização, controlada por Falk entre 94 e 95, vendia o Papatudo às almas simples. O papel era a única fonte
de renda da empresa. Quem o
comprasse candidatava-se a ganhar, em sorteios periódicos,
prêmios (dinheiro ou bens duráveis). Os que não fossem sorteados receberiam em um ano metade do dinheiro "aplicado".
A grana que deveria lastrear a
bolsa de prêmios foi sendo desviada aos poucos. Em seu lugar,
eram injetados na contabilidade direitos de qualidade duvidosa -ações micadas e papéis
podres, entre eles precatórios de
Alagoas. Tudo diante dos olhos
da Susep, órgão do governo que
deveria ter fiscalizado a farra.
Quando a Susep acordou, a
fuzarca estava feita. Os papéis
do Papatudo não valiam a tinta
que lhes borrava a face. Decretou-se, em 3 de março de 96, algo que em economês se chama
de "regime especial de direção
fiscal". A Receita começou a reconstituir a trilha do dinheiro.
Descobriu-se, por exemplo,
que, em outubro de 94, a Interunion Capitalização "comprou"
de Artur Falk, ao preço de R$ 2,8
milhões, 450 mil ações da empresa Tulo Transportes Internacionais Ltda, que tinha Falk como sócio. A Tulo registrava à
época patrimônio líquido negativo.
A Interunion comprou também ações da Ponta Funda Participações e Administrações S/
A., empresa que pertencia à Interunion Holding, controlada
pelo mesmo Artur Falk. Para
justificar o negócio, afirmou-se
que a Ponta Funda detinha
ações da Varig.
Verificou-se que, na data da
operação, as ações da Varig já
estavam registradas na CVM
(Comissão de Valores Mobiliários) em nome da Interunion
Capitalização. Em português
claro: a empresa pagou por uma
mercadoria que já era sua.
Há mais e pior: no livro de
acionistas da Varig, as ações estavam registradas em 31 de
agosto de 95 ao preço de R$ 31,5
mil. Na contabilidade da Ponta
Funda, "valiam" R$ 3,4 milhões.
Criativos, os gestores da Interunion Capitalização criaram
um expediente contábil chamado "adiantamento para futuro
aumento de capital". Sob tal rubrica, escoaram milhões do caixa da empresa que buscava o
seu sustento no bolso da choldra.
Inspeção feita pela Susep constatou que os "adiantamentos"
eram, na verdade, empréstimos
disfarçados. Ao final do mês de
junho de 95, só a empresa Tulo
Transportes Internacionais
Ltda. havia recebido da Interunion Capitalização R$ 44,2 milhões. A importância correspondia a "120 vezes a receita semestral" da Tulo.
Abrindo-se a contabilidade da
Tulo, verificou-se que a empresa
distribuía os seus recursos entre
"contas correntes" de firmas do
próprio grupo, entre elas uma
holding (R$ 32,4 milhões), um
banco (R$ 9,4 milhões) e uma
empresa de navegação (R$ 673
mil). Todas unidas pela mesma
razão social: Interunion.
Há até uma Interunion Cayman (R$ 3,6 milhões). Sem contar a menção ao nome do próprio Falk (R$ 248 mil). Apesar
do vistoso movimento financeiro, a Tulo registrava, também
em junho de 95, "prejuízos acumulados" de R$ 11,1 milhões.
Como se vê, o caso não fica devendo a outros escândalos que
estão na praça. Nada, porém,
abala a calma dos envolvidos.
Afinal, o nome do papador Artur Falk não frequenta apenas
as páginas de processos judiciais. Consta também do caixa-dois reeleitoral de FHC.
Ele aparece nos disquetes atribuídos a Bresser Pereira associado a uma tal Pitinga. Seu elo
com o comitê tucano era Mario
Petrelli, o "PP" da planilha. Não
se sabe se Falk fez doações. Não
há valores anotados adiante de
seu nome.
O que se deseja realçar é que o
simples fato de constar da lista
já deixa claro que pertence a um
grupo social diferente daquele
composto pelas pessoas que lesou. Um grupo que, no Brasil,
nem sempre sente o peso da lei.
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