São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Presidente recomenda a sucessor que mostre ter "linha de controle"

FHC alerta contra a inflação ao receber prêmio da ONU

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Da esq. para dir., Ruth Cardoso, Kofi Annan, secretário-geral da ONU, Celso Lafer, Mary Annan, FHC e Mary Lafer em almoço nos EUA


ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A NOVA YORK

O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu ontem à noite, em Nova York, o prêmio Mahbud ul Haq do desenvolvimento humano, concedido pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), da ONU (Organização das Nações Unidas).
Antes de receber a premiação, durante entrevista coletiva, o presidente FHC recomendou que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva seja "mais convincente" e mantenha uma "linha de controle" para evitar a disparada do dólar e seus efeitos sobre a inflação. "É preciso convencer os mercados de que [ele, Lula] tem capacidade efetiva de manter uma linha de controle, no que eu acredito."
FHC atribuiu a volta da inflação a dois fatores. À "forte variação de um preço, a moeda" e à alta do petróleo, com seus impactos negativos. E insistiu que Lula deve buscar uma "situação de confiança", porque a disparada do dólar "depende muito mais de uma ação política do que econômica".
À noite, em seu discurso de 20 minutos para agradecer o prêmio, FHC voltou a falar em inflação. "Precisamos consolidar a estabilidade econômica", pregou, destacando que "o controle da inflação exige vigilância permanente".
Relacionou, em seguida, as reformas que tentou sem sucesso concluir em seus dois governos e que Lula deve retomar agora: a tributária, a da Previdência e a política. "O que fizemos até agora nos dará força para seguir adiante", disse ele, de certa forma antecipando-se ao que Lula deverá dizer hoje, depois de encontro com o presidente George W. Bush.
"O que se alcançou no Brasil nos últimos anos deve ser visto como um começo. Ainda temos um caminho longo a percorrer", disse.
No seu primeiro pronunciamento depois de eleito, Lula falou que só ficaria satisfeito se todos os brasileiros pudessem comer pelo menos três vezes por dia. Ontem, numa espécie de contraponto, FHC falou que se sentia satisfeito, como "um futuro ex-presidente", com as estatísticas que lhe deram o prêmio de ontem.
"O que elas significam é que uma criança recém-nascida no Brasil de hoje, de uma família pobre, de um município pobre, terá chances muito melhores na vida."
E resumiu: "Mais chance de sobreviver, melhores chances de ter uma boa educação, uma expectativa de vida maior e viverá em liberdade".
"Se minha obra de presidente ajudou essa criança a ter melhores chances na vida, então valeu a pena", disse no discurso.
Durante a solenidade -na Morgan Library, no centro de Manhattan, o bairro nobre de Nova York-, FHC fez um agradecimento a sua mulher, Ruth, e citou a presença da família, inclusive dos netos, na festa.
Sempre em tom de balanço e defesa, FHC disse que deixa o país "no rumo certo", dedicou o prêmio aos "brasileiros mais pobres, que recuperaram a esperança" e declarou: "Para mim, pessoalmente, esse prêmio é um sinal de que dei o melhor de mim como presidente do meu país". Para concluir, citou nominalmente Lula: "Sob sua nova liderança, aposto, o Brasil continuará a avançar".
O administrador do Pnud, Mark Malloch Brown, elogiou "as mudanças desse enorme país [Brasil" nos últimos anos".
Em depoimentos gravados e exibidos num telão, os cinco jurados do prêmio elogiaram os avanços do Brasil na área social. Um deles foi prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, que é um crítico da globalização.
FHC enumerou índices sociais de seus dois mandatos, como, por exemplo, o fato de 10 milhões de brasileiros terem atravessado a linha da pobreza.

Crítica ao PT
Ele voltou a criticar, ainda de forma mais dura do que antes, a oposição que o PT fez ao seu governo. A pouco mais de 15 dias de deixar o cargo, FHC disse que o PSDB tem de ocupar o papel de oposição ao governo Lula, mas em moldes diferentes.
"O PT se opôs ao meu governo destrutivamente, com o "Fora FHC", os processos, os pedidos de impeachment. Fez oposição sem pestanejar, e isso são resquícios de uma visão autoritária e antidemocrática", condenou FHC.
Apesar das críticas ao PT, ele defendeu Lula, "um homem que vem das lides do trabalho" e que tem dado declarações de que pretende honrar contratos e manter o equilíbrio macroeconômico mesmo antes de se eleger.
FHC disse, em seguida, que sua aposta é que Lula cumprirá os compromissos: "Apostar o contrário é torcer contra o Brasil", declarou.
Lembrou, ainda, que "o mercado financeiro é sempre impaciente, mas o presidente disse o que tinha de dizer, que o tempo é dele".
Sobre a transição, FHC disse que tem sido "útil", porque a eleição do PT "é a vitória de um grupo que nunca teve experiência federal". Defendeu, porém, mudanças na "engenharia institucional", para abreviar a transição e permitir a posse num dia mais adequado do que primeiro de janeiro.


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