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JANIO DE FREITAS
Direitos Desumanos
Um temor bastante justificado,
esse que o presidente da Câmara,
Michel Temer, manifestou ontem
quanto à possibilidade de que o
povo, um dia, vá para as ruas pedir o fechamento do Congresso.
Por mim, não disponho de explicação segura para o fato de que isso ainda não tenha acontecido.
Mas não por causa do noticiário
avesso ao Congresso, como supõe
o deputado. E, isso sim, porque o
povo quer um Congresso, e a
maioria dos parlamentares lhe dá
um Congresso antipovo.
Nessa contraposição há um
componente tão importante
quanto, no caso brasileiro, encoberto por pretextos técnicos e propaganda enganosa. É a deformação do sentido de governar e, portanto, dos direitos e deveres que o
definem.
Quando se fizer o exame do sentido presente nas reformas e novas leis aprovadas pelo Congresso
nos últimos anos, por certo vai sobressair um traço comum: nenhuma foi a favor, ainda que em medida mínima, à grande massa que
soma 80% ou mais da população
brasileira; e todas amputaram ou
extinguiram direitos penosa e demoradamente alcançados pelo
povo.
São aprovações parlamentares
necessárias à correção das distorções do Estado brasileiro. Isso, no
entanto, é uma explicação técnica. Não é uma justificativa, por
exemplo, para a evidência de que
tais correções do Estado, como
propostas ao Congresso e aí aceitas, são distorções terríveis na vida de quase toda a população.
O mecanismo tem sido o mais
simplista. Com o apoio irrestrito
dos meios de comunicação e da
maioria do Congresso, os formuladores das soluções governamentais para os problemas do Estado
não precisam fazer mais do que
qualquer quitandeiro, em seu lugar, faria: cortam deveres do Estado com a população e tomam
mais dinheiro da população. Sangram duas vezes o povo.
No governo, todos se sentem dispensados de criatividade. Não há
uma só medida contra as distorções do Estado que tenha trazido
alguma inovação, alguma particularidade proveniente do raciocínio aplicado ao conhecimento.
Theodore Zeldin, considerado
um dos grandes intelectuais da
atualidade, observa que há pessoas "cujo mundo é feito de números". Suponho que o problema,
mais do que isso, esteja em não
perceber a redução da pessoa a
um mundo feito de números. É a
desumanização.
Os economistas de governo não
têm contribuído mais para a melhoria dos países do que o fizeram
seus antecessores não-economistas. A permanência e até crescimento dos problemas sociais prova-o bem, com o aval das crises
sucessivas em todo o mundo. O
que os economistas levaram ao
ato de governar foi reduzi-lo ao
seu mundo feito de números. Foi a
desumanização progressiva, tanto do governo, como da população
vista pela ótica do governo.
Por melhores que aparentem ser
suas relações com os números, essas soluções são necessariamente
desprovidas de visão humana.
São desumanas, pois. Porque reduzir aposentadorias, pensões,
vencimentos líquidos e pequenos
direitos de quem, em vez de alguma sobra, tem necessidades não é
menos do que ato desumano. Cortar gastos com socorro à saúde pública, com educação, com saneamento das zonas de pobreza não é
senão desumanidade. Aumentar
impostos que vão recair, na última instância, nas despesas forçosas do povo, é outra forma de desumanidade.
Dizer que medidas assim são necessárias não é próprio de gente
respeitável. Se não há esforços na
busca de soluções humanas, dispensadas pelos apoios que a tudo
permitem impor ao povo, não é
decente dizer que as medidas desumanas são necessárias. São,
apenas, medidas provenientes dos
direitos desumanos de que governantes e parlamentares se dotam.
²
Dia especial
A autorização do governo inglês
para o processo de extradição de
Pinochet veio demarcar, agora
sim, o passo inicial de um novo
tempo. Muito menos, porém, para
os facínoras ditatoriais, sujeitos à
vida enclausurada de fugitivos
mesmo quando livres, do que para os povos subjugados pelas armas de compatriotas e, em particular, para as vítimas da covardia
sanguinária.
Os democratas de todos os quadrantes têm tudo a celebrar nesta
ocasião extraordinária em que a
desdita de Pinochet se sobrepõe
ao cinquentenário da Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Esse aniversário não poderia receber homenagem maior.
As atitudes de Espanha e Inglaterra permitem vislumbrar, embora no futuro incalculável, uma
sequência de desdobramentos.
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