São Paulo, quinta, 10 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TÚNEL DO TEMPO
Ação de Covas em 61 elimina riscos

Jurisprudência provocada por tucano assegura a posse de vice em caso de impedimento JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação

De passagem por São Paulo, onde se recupera de uma cirurgia, José Sarney discou ontem para o advogado Saulo Ramos. Conversaram longamente a respeito de uma pergunta que paira sobre o cenário político paulista: e se Mário Covas, em guerra contra o câncer, ficar impedido de tomar posse?
A resposta, recordaram Sarney e Saulo, repousa nos arquivos da Justiça Eleitoral há quase quatro décadas. Nasceu de uma ação movida em 1961 por um jovem político de Santos. Seu nome: Mário Covas.
Aliás, se prevalecessem as teses que o Covas de 1961, 31 anos, sustentou nos tribunais, o impedimento do Covas de 1998, 68 anos, geraria uma reviravolta política de consequências nefastas para o tucanato.
O jovem Covas havia concorrido ao cargo de prefeito de Santos. Ficou em segundo lugar. O candidato vitorioso, Luís La Scala Júnior, morreu antes do dia da posse.
Na ação judicial que moveu, Covas argumentou que restavam dois caminhos à Justiça Eleitoral: dar posse ao segundo colocado, no caso ele próprio, ou convocar novas eleições. Aplicada ao caso atual, a tese de Covas conduziria à posse de Paulo Maluf, segundo colocado nas eleições de outubro, ou a um novo pleito.
Para sorte do PSDB, o processo movido por Covas na década de 60 não prosperou. Ele perdeu em primeira e em segunda instância.
Recorreu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Perdeu de novo. A Justiça entendeu que quem deveria assumir em Santos era José Gomes, vice de La Scala, o candidato morto. Assim foi feito.
A decisão do TSE transformou-se em algo que os juristas chamam de jurisprudência, ou seja, uma interpretação reiterada que a Justiça faz de determinada lei.
Hoje, com raras divergências entre advogados, entende-se que o candidato a vice possui direitos autônomos em relação ao titular. Ao votar em uma chapa, o eleitor opta também pelo vice. Significa dizer que, impedido Covas, assume Geraldo Alkimin, seu vice.
No telefonema de ontem, Sarney e Saulo tinham muito a recordar. Ambos tiveram envolvimento direto na tentativa empreendida pelo Covas de 1961 de ganhar a Prefeitura de Santos nos tribunais. A participação de Sarney foi episódica. A de Saulo, intensa.
Saulo era à época oficial de Gabinete do presidente Jânio Quadros. Recebera a missão de articular uma candidatura capaz de vencer a de La Scala, candidato de Adhemar de Barros, em Santos. Sugeriu a Jânio o nome de Covas, um jovem político em ascensão. O presidente aceitou a indicação. Apoiou vivamente a candidatura Covas.
Com a morte de La Scala, foi Saulo também quem indicou o caminho dos tribunais como forma de tentar brecar a posse do vice do prefeito eleito. Para encorpar a ação movida por Covas, anexou aos autos uma decisão judicial do Maranhão. Quem obteve o acórdão maranhense foi um jovem deputado daquele Estado, filiado à UDN: José Sarney.
Em 1985, Sarney se beneficiaria da derrota sofrida por Covas no TSE. Vice de Tancredo Neves, teve de assumir a Presidência da República no lugar do titular. Na véspera da posse, ainda se argumentava em Brasília que quem deveria assumir era Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara.
Covas voltou à cena, agora na pele de líder do PMDB no Senado. Sua voz rouca engrossava o coro dos defensores da posse de Ulysses. No dia 14 de março de 1985, véspera da posse, Saulo, que viria a ser consultor da República e Ministro da Justiça sob Sarney, foi convocado para uma reunião em Brasília.
Discou no meio da noite para Covas. "Pô, Mário, você mais do que ninguém sabe que quem assume é o vice", disse, evocando o episódio de Santos. "Convença o Ulysses."
O final da história é conhecido. Sarney assumiu, contra a vontade de Ulysses, de Covas e de outras lideranças peemedebistas, reforçando a jurisprudência firmada em torno do direito autônomo do vice.
De uma dissidência do PMDB, inconformada com os rumos do governo Sarney, nasceu o PSDB de Covas. Um PSDB que não considera qualquer outra hipótese além da posse do vice Alkimin em caso de impedimento de Mário Covas.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.