São Paulo, quarta, 11 de fevereiro de 1998

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JANIO DE FREITAS
Os previdentes

Se fosse só o velho jeitinho, já se poderia dizer que leis e reformas constitucionais não são pasto para jeitinho. O que os presidentes da Câmara e do Senado articulam, porém, de jeitinho só tem a cara, porque é uma transgressão violenta a um princípio básico da legislação.
Quando uma das Casas legislativas, Câmara ou Senado, altera a emenda constitucional aprovada na outra, a emenda tem que voltar a nova votação na primeira Casa. Isso mesmo já aconteceu sem contestação, nem manobras contornantes.
Mas os presidentes da Câmara e do Senado, Michel Temer e Antonio Carlos Magalhães, pretendem que seria necessária, no máximo, a apreciação do item alterado. O que ignora a possibilidade, nada rara, de que uma pequena alteração tenha implicações em outras partes do projeto, razão bastante, entre outras, para a reapreciação completa. Seja ou não o caso das alterações atuais, a regra e seus fundamentos não se alteram.
Na semana passada, Michel Temer resistiu por umas 48 horas às pressões de Fernando Henrique e Antonio Carlos para engolir, como se não fosse alteração, a retirada da aposentadoria integral dos magistrados, feita pelo Senado na "reforma" administrativa. Passou a dizer que "se o entendimento for de votação só para a retirada", tudo bem. E, acionado o molejo, já é ele próprio o proponente de que a prevista retirada, pela Câmara, da cobrança de Previdência aos já aposentados seja, também, submetida sozinha à concordância ou recusa do Senado, em nova votação.
Os teores dessas duas reformas já são, por si sós, de uma indecência administrativa e política a toda prova, tantas são as suas iniquidades. Acrescentar-lhes indecências parlamentares é exagero até para um Congresso como o atual, que não exclui de seus quadros nem quem pratica chantagem e extorsão, comprovadas, contra donos de casas de jogo.
Das iniquidades um exemplo diz tudo: os mais necessitados, componentes dos 30 a 40 milhões situados no patamar da indigência, serão os mais prejudicados pela reforma que Fernando Henrique definiu, no fim-de-semana, como "justa e boa". Sendo aqueles os que começam a trabalhar muito mais cedo, terão que trabalhar muito mais anos do que os filhos de melhor condição econômica até aposentar-se. É o que resulta da exigência de idade mínima (60 anos) para obter aposentadoria, não importando que haja contribuição por mais de 35 anos.
Mas no governo e nos circunstantes dos parlamentares há muita gente com aposentadorias afortunadas. Para esses, o governo e seus deputados estão aprimorando um presente especial: a redução progressiva, até o máximo de 30% para as aposentadorias acima de R$ 12 mil. Para os demais, os mesmos que acusam de detalhista a Constituição de 88 apóiam, agora, que nela fique inscrito o teto de R$ 1,2 mil para as aposentadorias de assalariados. Matéria constitucional, veja só. Como truque para impedir, sem desgaste eleitoral, as correções dessas aposentadorias, qualquer que seja a inflação.
Apesar disso tudo, que é só um ligeiro sobrevôo na má-fé em atividade, é preciso reconhecer que houve ontem, ainda no tema Previdência, um ato louvável. Foi o desmantelamento, por seguranças, da ratoeira gigante que montaram em frente ao Congresso. Passando por ali tantos congressistas, retirá-la foi um ato de verdadeira previdência.



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