São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2000


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CELSO PINTO
O receio de um novo círculo vicioso

Existe uma boa razão para os mercados se assustarem com o Brasil e a América Latina cada vez que há sinais de confusão potencial na economia americana. A linha que separa um círculo virtuoso de um círculo vicioso, aqui, é tênue.
Se a subida de juros nos Estados Unidos, acompanhada ou não de uma turbulência maior na economia, reduzir em 20% a oferta de financiamento externo para o Brasil, neste ano, o país teria que gerar, como compensação, um aumento de US$ 29 bilhões nas exportações, uma queda de US$ 30 bilhões nas importações, ou uma combinação entre ambos. Na prática, qualquer combinação nesta direção seria recessiva.
O cálculo é de Paulo Leme, diretor-gerente do banco americano Goldman Sachs em Nova York. Leme, é bom que se diga, não é pessimista. Ao contrário, vê chances de que um círculo virtuoso se instale no Brasil e na América Latina. Alerta, contudo, para o tamanho da vulnerabilidade externa.
Uma crise menor do que a da Rússia e a da Ásia poderia levar a um corte de 20% no financiamento externo. A América Latina deve ter um déficit em conta corrente de US$ 57 bilhões este ano. Num cenário tranquilo, Leme projeta uma entrada de capital de US$ 77 bilhões, que geraria um ganho de US$ 20 bilhões nas reservas (para US$ 172 bilhões). É o que está acontecendo: até abril, as reservas já cresceram US$ 8 bilhões. Sua projeção é que o fluxo de capitais para a região cresça US$ 19 bilhões, ou 25%, este ano.
No entanto, se algum choque externo aumentar em um ponto percentual o juro básico (libor), reduzir em um ponto percentual o crescimento mundial (estimado em 4,5%) e levar a uma queda de 10% nos preços das matérias-primas, a conta corrente latino-americana pioraria US$ 17 bilhões e a entrada de capitais cairia US$ 20 bilhões. O custo seria uma perda de US$ 37 bilhões nas reservas, uma queda de 24%. Os impactos das crises internacionais dos últimos anos foram mais fortes do que estes.
O Brasil precisa de US$ 80,6 bilhões de capitais externos este ano, calcula Leme. É capaz de gerar US$ 69,8 bilhões. Qualquer correção via balança comercial é complicada porque o comércio exterior equivale apenas a 19% do PIB, enquanto no México, por exemplo, chega a 44%.
As razões que tornam a América Latina tão vulnerável a choques externos são déficits em conta corrente altos (2,8% do PIB), dívidas externas elevadas (39% do PIB), o fato de 45% das exportações serem "commodities" (mais vulneráveis a crises) e a baixa taxa de poupança interna (17,3%). São as mesmas razões que fazem da Ásia (exceto Japão), hoje, uma região menos vulnerável: a poupança é de 31,8% do PIB, as "commodities" representam apenas 21% das exportações, há um superávit em conta corrente de 1,3% do PIB e a dívida externa é de 26,6% do PIB. Isso faz com que, quando há mais incerteza sobre o cenário externo, o Brasil e a América Latina acabem sendo mais penalizados do que a Ásia.
Leme calcula que é necessário um aumento de 2 pontos percentuais nos juros americanos, ou uma queda de 20% na Bolsa de Nova York (no S&P 500), para frear a economia americana até um ponto sustentável. Aumentos de juros nos Estados Unidos atraem capital que iria buscar rentabilidade maior em países emergentes. Ele lembra que, nos últimos três meses, os mercados americanos de maior risco e retorno ("high yeld") subiram 2,5 pontos percentuais. Se um investidor tem uma opção atraente interna, terá menos motivação para arriscar-se num mercado emergente menos conhecido.
Ainda mais complicado seria se o que é hoje um risco de mercado se transformasse num risco de crédito. Nos últimos cinco anos, o crédito cresceu a 15% ao ano nos Estados Unidos. Crédito abundante ajuda a inchar o preço dos ativos. Quando o crédito se restringe, via elevação dos juros, a queda dos preços dos ativos também tende a ser amplificada. Uma queda muito forte atingiria em cheio uma economia com indivíduos e empresas altamente endividados, o que poderia gerar receios sobre a qualidade dos créditos. Aí a crise poderia ser realmente séria. "Não é o cenário mais provável, mas não é impossível", pondera Leme.
É claro que o círculo virtuoso pode prevalecer por aqui, enquanto a aterrissagem suave americana continuaria por lá. Neste caso, um câmbio mais estável ajudaria a controlar a dívida e a inflação, enquanto o crescimento facilitaria o ajuste fiscal. Não custa lembrar, contudo, que, num cenário de círculo vicioso, tudo funciona ao contrário: o câmbio sobe, pressiona a inflação, leva a um aumento dos juros, piora a dívida e reduz o crescimento, o que dificulta o ajuste fiscal.
Email:CelPinto@uol.com.br


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