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CELSO PINTO
O receio de um novo círculo vicioso
Existe uma boa razão para
os mercados se assustarem
com o Brasil e a América Latina
cada vez que há sinais de confusão potencial na economia americana. A linha que separa um
círculo virtuoso de um círculo
vicioso, aqui, é tênue.
Se a subida de juros nos Estados Unidos, acompanhada ou
não de uma turbulência maior
na economia, reduzir em 20% a
oferta de financiamento externo
para o Brasil, neste ano, o país
teria que gerar, como compensação, um aumento de US$ 29
bilhões nas exportações, uma
queda de US$ 30 bilhões nas importações, ou uma combinação
entre ambos. Na prática, qualquer combinação nesta direção
seria recessiva.
O cálculo é de Paulo Leme, diretor-gerente do banco americano Goldman Sachs em Nova
York. Leme, é bom que se diga,
não é pessimista. Ao contrário,
vê chances de que um círculo
virtuoso se instale no Brasil e na
América Latina. Alerta, contudo, para o tamanho da vulnerabilidade externa.
Uma crise menor do que a da
Rússia e a da Ásia poderia levar a
um corte de 20% no financiamento externo. A América Latina deve ter um déficit em conta
corrente de US$ 57 bilhões este
ano. Num cenário tranquilo, Leme projeta uma entrada de capital de US$ 77 bilhões, que geraria um ganho de US$ 20 bilhões
nas reservas (para US$ 172 bilhões). É o que está acontecendo: até abril, as reservas já cresceram US$ 8 bilhões. Sua projeção é que o fluxo de capitais para
a região cresça US$ 19 bilhões,
ou 25%, este ano.
No entanto, se algum choque
externo aumentar em um ponto
percentual o juro básico (libor),
reduzir em um ponto percentual o crescimento mundial (estimado em 4,5%) e levar a uma
queda de 10% nos preços das
matérias-primas, a conta corrente latino-americana pioraria
US$ 17 bilhões e a entrada de capitais cairia US$ 20 bilhões. O
custo seria uma perda de US$ 37
bilhões nas reservas, uma queda
de 24%. Os impactos das crises
internacionais dos últimos anos
foram mais fortes do que estes.
O Brasil precisa de US$ 80,6
bilhões de capitais externos este
ano, calcula Leme. É capaz de
gerar US$ 69,8 bilhões. Qualquer correção via balança comercial é complicada porque o
comércio exterior equivale apenas a 19% do PIB, enquanto no
México, por exemplo, chega a
44%.
As razões que tornam a América Latina tão vulnerável a choques externos são déficits em
conta corrente altos (2,8% do
PIB), dívidas externas elevadas
(39% do PIB), o fato de 45% das
exportações serem "commodities" (mais vulneráveis a crises)
e a baixa taxa de poupança interna (17,3%). São as mesmas
razões que fazem da Ásia (exceto Japão), hoje, uma região menos vulnerável: a poupança é de
31,8% do PIB, as "commodities"
representam apenas 21% das exportações, há um superávit em
conta corrente de 1,3% do PIB e
a dívida externa é de 26,6% do
PIB. Isso faz com que, quando
há mais incerteza sobre o cenário externo, o Brasil e a América
Latina acabem sendo mais penalizados do que a Ásia.
Leme calcula que é necessário
um aumento de 2 pontos percentuais nos juros americanos,
ou uma queda de 20% na Bolsa
de Nova York (no S&P 500), para frear a economia americana
até um ponto sustentável. Aumentos de juros nos Estados
Unidos atraem capital que iria
buscar rentabilidade maior em
países emergentes. Ele lembra
que, nos últimos três meses, os
mercados americanos de maior
risco e retorno ("high yeld") subiram 2,5 pontos percentuais. Se
um investidor tem uma opção
atraente interna, terá menos
motivação para arriscar-se num
mercado emergente menos conhecido.
Ainda mais complicado seria
se o que é hoje um risco de mercado se transformasse num risco de crédito. Nos últimos cinco
anos, o crédito cresceu a 15% ao
ano nos Estados Unidos. Crédito abundante ajuda a inchar o
preço dos ativos. Quando o crédito se restringe, via elevação
dos juros, a queda dos preços
dos ativos também tende a ser
amplificada. Uma queda muito
forte atingiria em cheio uma
economia com indivíduos e empresas altamente endividados, o
que poderia gerar receios sobre
a qualidade dos créditos. Aí a
crise poderia ser realmente séria. "Não é o cenário mais provável, mas não é impossível",
pondera Leme.
É claro que o círculo virtuoso
pode prevalecer por aqui, enquanto a aterrissagem suave
americana continuaria por lá.
Neste caso, um câmbio mais estável ajudaria a controlar a dívida e a inflação, enquanto o crescimento facilitaria o ajuste fiscal.
Não custa lembrar, contudo,
que, num cenário de círculo vicioso, tudo funciona ao contrário: o câmbio sobe, pressiona a
inflação, leva a um aumento dos
juros, piora a dívida e reduz o
crescimento, o que dificulta o
ajuste fiscal.
Email:CelPinto@uol.com.br
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