São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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JANIO DE FREITAS

Em companhia das armas

Antes que se torne fato consumado, desses a que o Congresso acaba se curvando por comodismo geral ou interesses individuais, é conveniente que a opinião pública e os parlamentares atentem para o acordo de assistência militar que o Brasil, até com certa contrariedade das Forças Armadas, está sendo levado a firmar com os Estados Unidos.
Assinado pelo governo brasileiro sem divulgação, mas com a validade pendente de aprovação do Congresso, como todo acordo internacional, o protocolo prevê a doação de material bélico retirado do uso pelas Forças Armadas americanas, seja em razão do desgaste ou de superação tecnológica. Não será, porém, a solução para a carência brasileira de equipamentos militares, porque o problema atual das Forças Armadas é falta de verbas e a manutenção das doações tem custo elevado, não sendo material novo. Nem por isso está aí o inconveniente mais inquietante.
Acordo militar é sempre uma forma de acordo político, por menos explícito que seja o sentido subjacente. O Brasil mesmo tem comprovação histórica da natureza dúplice desses acordos. Não poderia ser mais puro o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, no seu propósito declarado de proporcionar material bélico doado, instrução e supervisão para o seu uso. O ensino técnico oferecido pelos instrutores presentes nos quartéis brasileiros revelou-se um revestimento: seu recheio foi a doutrinação paulatina, no convívio normal do dia-a-dia, para ouvidos predispostos a absorver os conceitos de um instrutor das Forças Armadas dos Estados Unidos.
Até hoje os militares brasileiros procuram reencontrar-se, necessitados de uma doutrina militar própria; da identificação do papel que devem ter as forças armadas de países por desenvolver-se; e, ainda, de despojar-se dos extremismos incutidos na mentalidade militar. A tão radical deformação dos conceitos deve-se muito do atraso nas reformas sociais ainda devidas ao país e por tanto tempo vistas só pela ótica primária da Guerra Fria segundo o Pentágono. Também as precipitações de 64 devem bastante aos instrutores americanos e a outros doutrinadores militares mandados para cá, como o golpista internacional e general Vernon Walters.
As influências diretas dos militares americanos foram afastadas pela Presidência do general Geisel. O presidente Jimmy Carter invertera a posição dos Estados Unidos em relação às ditaduras latino-americanas e à violação dos direitos humanos. A suspensão do acordo militar foi, para efeitos públicos, a resposta de Geisel às pressões do governo Carter. Resposta inócua para os Estados Unidos, mas, se bem que não tivesse tal propósito, permitiu que mais tarde começasse algum arejamento na área militar.
Na atualidade, o Pentágono e o Departamento de Estado querem os militares brasileiros envolvidos em operações contra o narcotráfico, não só no Brasil, mas também nas vizinhanças. Os Estados Unidos já planejam e constroem a Grande América, a América da Alca, a América integrada -com a óbvia hierarquia.
O novo acordo proposto pelos Estados Unidos e aceito por Fernando Henrique Cardoso inclui a volta de inspetores americanos aos quartéis brasileiros. Armas, doadas ou não, são portadoras de doutrinas e políticas.


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