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ELIO GASPARI
Compañero Bush, Cuba no
Passou por Santiago o secretário de Estado americano, Colin Powell. Pelo cheiro da brilhantina, a diplomacia americana voltou a andar com o caso cubano na pasta. Como daqui a pouco Lula estará em
Washington, alguém precisa
avisar ao governo americano
que não há motivo para o Brasil
comprar duas vezes o mesmo
conto do vigário. Há mais de 40
anos, Cuba foi transformada
num divisor de águas na política nacional. Foi necessário que
o tempo passasse para se perceber a inteira inutilidade dessa
divisão.
Cuba tem um regime totalitário, Fidel Castro é o mais longevo dos ditadores latino-americanos e, como ensina o general
Powell, é inevitável que a democracia volte à ilha. E daí? Concordar ou discordar dessas afirmações não gera um só emprego
no Méier. O que está em jogo
não é a relação da América Latina com ditaduras, mas a submissão dessa mesma América
Latina aos interesses momentâneos de uma administração
americana.
A transformação de Cuba numa divisória na vida latino-americana é um conto do vigário, por duas razões.
A primeira: quando lhes conveio, os presidentes americanos
ensaboaram ditadores. De 1962
a 1974 as administrações dos
presidentes John Kennedy,
Lyndon Johnson e Richard Nixon mantiveram uma profícua
relação de compadrio com as ditaduras latino-americanas.
Quando instalou-se em Pindorama um regime ditatorial
(muito, mas muito mais brando
do que o de Fidel), os Estados
Unidos sopraram as velinhas do
bolo. Se o presidente Bush acredita nas palavras dos seus antecessores, vale lembrar-lhe que,
em 1971, Nixon disse o seguinte:
"Para onde o Brasil for, irá o
resto do continente latino-americano". Era uma época em que
o Brasil ia na mesma direção de
Washington. Um funcionário
do consulado em São Paulo lia
interrogatórios de presos torturados no DOI. Em 1965, o governo brasileiro mandou uma força expedicionária para a República Dominicana.
O governo americano envolveu-se em atentados terroristas
na República Dominicana (o
assassinato do ditador Rafael
Trujillo), no Chile (o assassinato
do comandante do Exército, René Schneider) e em Cuba (as
tentativas de assassinato de Fidel Castro).
Deve-se reconhecer que, desde
a posse de Jimmy Carter, em
1976, a diplomacia americana
resgatou os princípios de sua sociedade. O general Powell sabe
que Carter não é uma figura popular em Washington.
O segundo conto do vigário está aí, nos jornais. São as patranhas, predações e prepotências
que acompanharam a invasão
do Iraque. A administração
Bush colocou a bandeira americana no mastro da desconfiança.
Quando um governo recorre à
mentira como instrumento sistemático de política externa, é
justo que se lembre aos seus funcionários que isso tem um custo.
Acreditar no governo Bush
tornou-se um risco. Nada impede que o subsecretário de Defesa, Paul Wolfwitz, pai da idéia
de se transformar o Iraque em
bode, decida transformar o fantasma cubano numa alavanca
da Alca, nos termos de Bush.
Numa administração de marqueteiros e generais, parecerá
esperteza.
Caso o governo americano
queira discutir a questão cubana com Lula, aqui vai uma sugestão. O presidente brasileiro
poderia responder:
"Companheiro Bush. A gente
precisa se entender. Ninguém
tem o direito de embaralhar a
agenda presidencial, e eu não
pretendo fazer isto neste país.
Por isso, já que você quer discutir coisas de marqueteiro, eu
trouxe meu querido Duda Mendonça. Ele tem delegação minha
para tratar do caso cubano contigo. Quem sabe ele te dá umas
idéias".
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