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São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2003

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NA EUROPA

Deputado português manifesta desacordo ideológico e cobra ação de presidente brasileiro, que elogiou Congresso

Cobrança de resultados a Lula irrita comitiva

Armando Franca/Associated Press
Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente português Jorge Sampaio e Marisa Letícia com a primeira-dama portuguesa Maria José Ritta


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

A manifestação de desacordo ideológico e a cobrança de resultados por parte do deputado João Bosco Mota Amaral, presidente da Assembléia da República, o Parlamento português, irritou a delegação que acompanha a "visita de Estado" a Portugal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi, a rigor, o único desconforto em um dia em que a mídia e o presidente português, Jorge Sampaio, cobriram o presidente brasileiro de uma catarata de elogios.
Mota Amaral (do Partido Social Democrata, que, apesar do nome, é de centro-direita) não escondeu que discorda "das premissas ideológicas e das propostas programáticas" de Lula, para engatar: "Eleito agora à Suprema Magistratura, toca a Vossa Excelência o pesado encargo de provar a viabilidade prática das soluções alternativa que sempre preconizou".
Terminou o trecho com: "Esta é a hora da verdade" (com direito a ponto de exclamação no texto distribuído aos jornalistas).
Os governadores Ronaldo Lessa (PSB-AL) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que nem são do PT, reclamaram da "deselegância" do parlamentar português, vocalizando queixa que a Folha ouviu de outros membros da comitiva que, como é natural, preferem não ter o nome citado.
O irônico na cobrança de Mota Amaral é que Lula fez, em seu discurso, um vigoroso elogio à instituição parlamentar, em contraste com a polêmica frase sobre o Congresso (e o Judiciário), dita pelo presidente em 24 de junho.
Lula havia dito: "Pode ficar certo de que não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia, não tem Congresso Nacional, não tem Poder Judiciário -só Deus será capaz de impedir esse país de ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria ter deixado de ocupar".
Ontem, no entanto, o presidente lembrou que foi deputado (atividade, aliás, que nunca o seduziu) para dizer que "é no Parlamento que as forças vivas de um povo se encontram, se entrechocam e finalmente confluem em direção a uma visão comum".
No fim do discurso, abandonou o texto escrito para afirmar que "não existe símbolo maior da existência da democracia num país do que a existência de um Parlamento livre e soberano". Ganhou, em troca, dois minutos ininterruptos de aplausos.

Reformas controvertidas
O contraste com a frase de duas semanas atrás fica mais forte pelo fato de Lula ter admitido, no discurso à Assembléia da República, que as reformas tributária e da Previdência são, "em alguns aspectos, controvertidas".
O presidente brasileiro acrescentou ainda que "cabe ao Congresso a árdua tarefa de dar-lhes forma final, interpretando soberanamente a vontade popular".
Não fosse pelo microinconveniente e pelo sol impiedoso de verão, que levou a temperatura a 38 graus, o primeiro dia da visita de Lula a Portugal teria sido perfeito.
Logo pela manhã, os jornais dedicaram generoso espaço à visita e um tratamento carinhoso ao presidente, "doutorado na sabedoria do povo brasileiro", como dizia o título da reportagem do "Jornal de Notícias".

"José Inácio"
É verdade que, no "Diário de Notícias", artigo do ex-presidente Mário Soares (socialista) cometia a gafe de começar chamando o presidente de "José Inácio Lula da Silva, o carismático presidente do Brasil". Parágrafos adiante, Soares emendava um desses elogios que só causam constrangimento: "Lula é um grande amigo de Portugal e da língua portuguesa, que é a sua. Não conhece outra".
Mas, de modo geral, a simpatia ocupava suculento espaço e gerava retórica grandiloquente, como a do presidente Jorge Sampaio, no discurso de boas-vindas, diante da Torre de Belém, símbolo do poderio naval de Portugal no tempo da descoberta do Brasil.
Sampaio exaltou "a figura humana cujo percurso pessoal constitui, para todos os deserdados, exemplo de perseverança e de triunfo sobre a adversidade".
Depois, chamou o presidente brasileiro de "estadista no qual o mundo inteiro tem os olhos postos com enorme expectativa".
Pouco mais tarde, já no Palácio de Belém, o presidente português entregou a Lula a medalha representativa da Ordem da Liberdade e definiu o colega brasileiro como "defensor dos oprimidos e dos sem voz".
Mesmo Mota Amaral, o que provocou a irritação da comitiva brasileira, elogiou Lula, ainda que discorde dele. "É forçoso reconhecer a firmeza de suas convicções e a sua reta intenção patriótica", afirmou o deputado.
As gafes de Mário Soares, em seu artigo para o "Diário de Notícias", ou não chegaram ao conhecimento de Lula ou foram perdoadas. Na saudação ao ex-presidente, ao visitar exposição de fotos suas na Fundação Mário Soares, foi a vez de Lula exagerar: disse que ir a Lisboa e não ir à Fundação Mário Soares era como ir a Roma e não ver o papa.
Elogios fazem parte do ritual de visitas de Estado, mais cerimoniosas que substanciosas, mas a ênfase posta pela Presidência portuguesa foi maior do que a habitual. Hoje, é o dia de Lula conversar com quem de fato governa, o primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso, do mesmo partido, o PSD, do deputado que aguou um pouco a festa de Lula ontem.


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