São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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Governo faz críticas a novo critério da ONU

Ormuzd Alves - 17.nov.95/Folha Imagem
Favela paulistana em frente a edifícios de alto padrão no bairro do Morumbi, em SP


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

O governo brasileiro não foi informado pelo Pnud da mudança de metodologia para a aferição do Índice de Desenvolvimento Humano até o relatório estar impresso e discorda com vigor da comparação de resultados obtidos por sistemas diferentes de cálculo.
O presidente do Ipea (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Roberto Borges Martins, usa a seguinte analogia para explicar o que aconteceu com o Brasil no relatório do Pnud:
"Suponha que você esteja medindo crianças em centímetros e determine que serão consideradas altas aquelas que, aos 14 anos, tenham 160 cm; aí, você muda o critério de aferição e passa a medi-las em polegadas, mas considera altas só as crianças que tenham, na mesma idade, 160 polegadas. A criança de 160 cm teria que passar a medir 400 cm para ser considerada alta".
Pela metodologia do relatório do Pnud de 1998, o Brasil havia chegado ao nível de alto Índice de Desenvolvimento Humano, aparecendo em 62º lugar entre 174 países. Mas, no relatório de 99, já com o novo critério, o Brasil foi reclassificado para 79º. Seu índice passou de 0,809 para 0,739, e ele saiu do grupo de países com alto desenvolvimento humano.
Para ter-se mantido ali com o novo critério do Pnud, segundo os cálculos do economista Ricardo Paes de Barros, do Ipea, o Brasil precisaria ter quintuplicado sua renda per capita em dois anos.
Martins diz que, do ponto de vista do governo brasileiro, o que deve ser enfatizado é que, em todos os itens de desenvolvimento humano utilizados para a elaboração do índice, o país melhorou.
A expectativa de vida aumentou, a taxa de analfabetismo diminuiu, a taxa de matrículas cresceu bastante e a renda per capita também.
Paes de Barros diz que tanto a metodologia anterior quanto a atual são arbitrárias e nenhuma delas é ruim. O que ele considera inaceitável é "chamar duas coisas diferentes pelo mesmo nome".
Se fosse aplicada a metodologia atual ao relatório anterior, o Brasil teria melhorado de posição; se a anterior tivesse sido mantida no relatório deste ano, também.
"O Pnud está dizendo que o Brasil, que no ano passado foi colocado por ele mesmo entre os países de alto desenvolvimento, deixou de pertencer a esse grupo, embora tenha melhorado seu desempenho em todos os aspectos que compõem o índice."
A mudança metodológica, na avaliação do governo brasileiro, não foi neutra. Afetou principalmente os países com renda per capita mediana. Brasil e Turquia foram dois dos mais prejudicados.
Paes de Barros usa outra analogia. A de um estudante que faz quatro provas e é promovido de série com a média ponderada das notas que obteve nas provas; então, resolve-se diminuir o peso da prova em que ele obtivera a sua melhor nota e aí ele é rebaixado.
A mudança, segundo o governo, favoreceu os países com renda per capita inferior a US$ 4.200, especialmente os que a têm nas imediações de US$ 1.100; e prejudicou os que têm renda per capita próxima a US$ 6.400.
A alteração foi feita com o objetivo de atender ao princípio da utilidade marginal decrescente da renda. Quer dizer: ela pretende refletir a noção de que, quanto maior a renda, menor o efeito que um aumento de renda tem sobre o bem-estar da sociedade.
Ou seja: para uma pessoa que tem uma renda individual elevada (um milionário, por exemplo), o acréscimo de R$ 1.000 mensais pouco significa, enquanto que para alguém ganhando salário mínimo, um aumento desses melhoraria radicalmente sua vida.
Pelo método anterior, que se valia da chamada fórmula de Atkinson, o crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano mantinha uma relação linear com a renda per capita até a média da renda mundial, quando virava uma curva.
Agora, com o uso de uma função logarítmica, a linearidade foi eliminada. Para quem tomou a decisão de alterar a metodologia, isso significa que uma renda per capita similar à do Brasil não representa bem-estar na mesma importância que o sistema anterior lhe dava.
A nova maneira de calcular o item de renda do Índice de Desenvolvimento Humano tirou do Brasil parte de seu valor. "Qualquer que seja a metodologia usada, a situação absoluta e relativa do Brasil melhorou ao longo do período observado", diz Martins. Na sua opinião, o relatório do Pnud deveria ter registrado esse fato com destaque em algum momento e não o faz, o que é injusto para o país, segundo ele.


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