São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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Distribuição de renda é "grotesca", diz ONU

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O planeta chega às vésperas de um novo século com "desigualdades mundiais na renda e níveis de vida de proporções grotescas".
É o que informa a edição 1999 do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano preparado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), tomando como base dados relativos a 1997 para 174 países.
A qualificação de "grotesca" para as desigualdades ampara-se no seguinte fato:
"A diferença de renda entre os 20% mais ricos da população mundial e os 20% mais pobres, medida pela renda nacional média, aumentou de 30 para 1 em 1960 para 74 para 1 em 1997".
No fundo, essa é uma tendência muito mais antiga, se se levarem em conta estatísticas do século passado, naturalmente menos completas e refinadas: em 1870, por exemplo, os 20% mais ricos tinham renda apenas 7 vezes maior que a dos 20% mais pobres.

Globalização
O relatório cita esse dado para justificar a tese central deste ano, a de que a integração econômica do planeta -a chamada globalização- tem contribuído para aumentar a desigualdade.
Os desníveis sociais não aumentaram apenas entre países, mas também dentro de certos países. Mesmo nações ricas, como as da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne as 29 nações supostamente mais industrializadas), "registraram grandes aumentos na desigualdade, depois dos anos 80 -especialmente a Suécia, o Reino Unido e os Estados Unidos".
A menção específica aos EUA e ao Reino Unido não é casual: o relatório faz uma forte crítica à globalização da forma como vem sendo feita, com forte hegemonia do liberalismo, de que Reino Unido e EUA são campeões.
"Houve uma maior atenção às normas, padrões, políticas e instituições para abrir os mercados mundiais do que para as pessoas e seus direitos", diz o Pnud.
Embora olhe a situação mundial de uma perspectiva de médio e de longo prazo, o relatório não deixa de citar problemas conjunturais que contribuíram poderosamente para tornar "grotesca" a desigualdade atual.

Custos
O texto diz que a turbulência financeira que começou na Ásia em 1997 e depois se espalhou por várias outras regiões causou uma "redução da produção mundial (de bens e serviços) num valor estimado em US$ 2 trilhões para o período 1998-2000".
Para comparação: o mundo perderá, em produção, nestes três anos, o equivalente a aproximadamente três Brasis (ou seja, três vezes tudo o que o Brasil produz anualmente em bens e serviços, seu PIB, Produto Interno Bruto).
Para o crescimento da desigualdade, contribuiu igualmente o fato de que a regiões historicamente marginalizadas (a maior parte da África, por exemplo) somaram-se países como a Rússia e a Venezuela, que, nos anos recentes, "pouco têm se beneficiado da expansão dos mercados e do avanço da tecnologia".
A brecha na riqueza de nações e indivíduos chegou a tal ponto que o relatório afirma que "os ativos dos três maiores multimilionários são superiores ao PIB conjunto de todos os países menos desenvolvidos e dos seus 600 milhões de habitantes".
Posto de outra forma, significa dizer que três multimilionários têm mais renda que 600 milhões de pobres -uma situação que não poderia mesmo deixar de ser classificada como "grotesca".

Globalização assimétrica
O relatório acaba sendo a mais devastadora crítica à globalização, da forma como vem se impondo no planeta, sem, no entanto, negar o "enorme potencial" desse mesmo processo.
"Temos mais riqueza e tecnologia e mais compromissos em relação à comunidade mundial do que antes. Mercados mundiais, tecnologia mundial, idéias mundiais e solidariedade mundial podem enriquecer a vida das pessoas, por toda parte, aumentando muito suas escolhas", reconhece o Pnud.
Mas, em seguida, mostra, com dados fortes, que o processo, até agora, produziu aquilo que o presidente Fernando Henrique Cardoso batizou recentemente de "globalização assimétrica" -ou seja, em benefício de poucos.
A assimetria está dada pelo fato de que a parcela de 20% da população mundial que vive nos países de renda mais elevada concentra o seguinte: 86% do PIB mundial; 82% das exportações mundiais; 68% do investimento direto estrangeiro (aquele que se dirige à produção, não a papéis); 74% das linhas telefônicas.
Para os 20% mais pobres, sobrava, de todos esses itens, apenas 1%, exceto no número de telefones (1,5%).
Assimetria também verificável no fato de que apenas 40 países mantiveram crescimento médio da renda per capita de mais de 3% ao ano, ao passo que 80 países ainda têm renda mais baixa que há uma década ou mais, e outros 55 (principalmente na África, na Europa do Leste e nos países desmembrados da extinta União Soviética) tiveram renda per capita decrescente.


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