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ENTREVISTA DA 2ª
OLÍVIO DUTRA
Para gaúcho, só se fala de cumprimento da lei para invasores, mas governo também tem deveres
Lei não tem de ser aplicada só contra sem-teto, diz ministro
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ex-prefeito de Porto Alegre (89-92) e ex-governador do Rio Grande do Sul (98-2002), o atual ministro das Cidades, Olívio Dutra, 62,
vê com naturalidade as ocupações
de prédios urbanos pelos sem-teto e as invasões no campo: "Não
existe democracia sem povo, não
existe democracia sem lei", diz.
Um dos fundadores do PT e
amigo pessoal do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, Dutra acha
que só se fala de cumprimento da
lei para sem-terra e sem-teto, mas
a lei vale para todos os lados, inclusive o governo: "Está na lei, por
exemplo, que o governo tem que
fazer a reforma agrária".
Ele diz, também, que o seu ministério "não é prisioneiro" da falta de recursos e da política econômica, que deve ser mudada aos
poucos, "não de forma abrupta".
Seguem os principais trechos da
entrevista à Folha, concedida na
quinta-feira passada, um dia depois de o ministro entregar um
conjunto de sugestões na sua área
para a Casa Civil. A idéia é descontingenciar recursos e criar exceções para aumentar financiamentos de projetos de Estados e
municípios. Depende, portanto,
da área econômica.
Folha - O que o Ministério das Cidades tem a dizer sobre as invasões
dos sem-teto, que estão ocupando
tanto as páginas dos jornais?
Olívio Dutra - Acho que estão invadindo mais as páginas dos jornais do que qualquer outra coisa.
Agora, a sério, há várias manifestações sociais pipocando no país,
o que, aliás, nem é coisa de agora.
A crise de moradia e de saneamento básico é antiga e se agrava
na medida em que o Estado brasileiro -União, Estados e municípios- pouco trabalhou e pouco
vem investindo nessas questões.
Este governo não é o sal da terra,
não é o causador dessa crise. Ele
veio para alterar a lógica que produziu essa situação. E não é com
mágica. Não vamos fazer nada
precipitadamente. Até porque
trabalhamos com escassez de recursos e precisamos ter imaginação, criatividade. A criação do Ministério das Cidades já é isso.
Folha - As pessoas não entendem:
o que é o Ministério das Cidades?
Olívio - Cuida de moradia, saneamento, mobilidade e acessibilidade de transporte urbano e organização espacial, tratando todos esses temas de forma articulada. Há sete órgãos cuidando de
saneamento, por exemplo.
Folha - O governo tem informações sobre eventuais motivações
políticas dos sem-teto?
Dutra - Tu estás falando com o
ministro das Cidades, não com
um chefe de polícia, nem com o
responsável pela inteligência. O
ministério não tem que ter essa
preocupação, tem de trabalhar
dentro do Estado de Direito democrático, através do diálogo.
Folha - Como devem ser garantidas a lei e a ordem?
Olívio - A orientação é respeitar
o Estado de Direito democrático e
as leis. E todas as partes têm que
fazer isso. Está na lei, por exemplo, que o governo tem que fazer a
reforma agrária. Se as leis não correspondem às necessidades, há
formas democráticas de mudá-las. Inclusive a Constituição.
Folha - O governo já mapeou terras da União passíveis de reforma
agrária. Nas cidades, há algum mapeamento sobre imóveis vazios?
Olívio - O Estado precisa fazer
esse levantamento, até porque
muitos dos imóveis desocupados
são públicos. Enquanto isso, convivemos com essa escassez toda.
Folha - Em São Paulo, já foram
identificados 420 mil imóveis
abandonados. Como compatibilizar imóveis vazios com tantas pessoas necessitando de moradia?
Olívio - Nós estamos levantando
quais prédios existem, qual a localização, qual a finalidade. E estamos discutindo amplamente que
cidades queremos para nós.
Folha - Com os juros nessa altura
e com o superávit primário acima
de 5% do PIB, isso é possível?
Olívio - Nada é isolado, estanquizado (sic). Tem o econômico, o financeiro, o social, o cultural, o político. Tudo isso se relaciona.
Folha - O sr. defende a queda dos
juros, como o vice José Alencar?
Olívio - Nós estamos trabalhando, e não é só este ou aquele ministério, para ter o governo governando e colocando em prática um
projeto que não é abrupto.
Folha - E a crise? E as invasões?
Olívio - Não existe democracia
sem povo, não existe democracia
sem lei.
Folha - O sr. fala sempre em tese.
O que o sr. está fazendo na prática?
Olívio - Nós já temos um programa de regularização fundiária. Há
populações inteiras morando há
bastante tempo em áreas federais
que não são de risco. Se estão ali
há mais de cinco anos, já preencheram os principais requisitos
do Estatuto das Cidades.
Folha - O sr. pode quantificar?
Olívio - São em torno de 40 milhões de brasileiros morando em
situação informal ou irregular. O
programa, em andamento, já cuida dessa parte importante.
Folha - E em São Paulo?
Olívio - Já estivemos com a prefeita [Marta Suplicy, do PT] em
várias áreas, e estamos reforçando
esse programa da prefeitura, com
assessoria, planejamento e recursos, claro. Também estão em andamento os projetos de financiamento para transporte, moradias
e saneamento básico.
Folha - O programa de governo
de Lula para habitação previa financiamento prioritário para até
12 salários mínimos, mas quem
mais precisa é quem não tem renda
nenhuma. Como compatibilizar financiamento com inclusão social?
Olívio - É nisso que estamos trabalhando. O déficit é enorme e
vem de décadas. São necessários
6,6 milhões de novas unidades, e
mais de 12 milhões precisam ser
qualificadas. 100% desse déficit
está nas famílias com renda de 12
mínimos, mas a maior parte está
nas de zero a três mínimos.
Folha - O programa do PT defende subsídios e dotações orçamentárias para isso.
Olívio - Nós temos o PSH [Programa de Subsídios para a Habitação], um programa antigo da
Caixa, mas que andava muito desmilinguido, além de desfocado.
Os recursos estavam sendo mais
aplicados em faixas acima de três
mínimos. Reformamos o programa, para favorecer essa faixa.
Folha - E a ação emergencial que
está para ser anunciada?
Olívio - Dos R$ 5,3 bilhões anunciados pelo companheiro Lula aos
prefeitos em maio, nós aplicamos
nestes sete meses R$ 1,9 bilhão em
construção e melhoria de habitações. É pouco, mas é muito mais
do que vinha sendo feito.
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