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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

OLÍVIO DUTRA

Para gaúcho, só se fala de cumprimento da lei para invasores, mas governo também tem deveres

Lei não tem de ser aplicada só contra sem-teto, diz ministro

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ex-prefeito de Porto Alegre (89-92) e ex-governador do Rio Grande do Sul (98-2002), o atual ministro das Cidades, Olívio Dutra, 62, vê com naturalidade as ocupações de prédios urbanos pelos sem-teto e as invasões no campo: "Não existe democracia sem povo, não existe democracia sem lei", diz.
Um dos fundadores do PT e amigo pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dutra acha que só se fala de cumprimento da lei para sem-terra e sem-teto, mas a lei vale para todos os lados, inclusive o governo: "Está na lei, por exemplo, que o governo tem que fazer a reforma agrária".
Ele diz, também, que o seu ministério "não é prisioneiro" da falta de recursos e da política econômica, que deve ser mudada aos poucos, "não de forma abrupta".
Seguem os principais trechos da entrevista à Folha, concedida na quinta-feira passada, um dia depois de o ministro entregar um conjunto de sugestões na sua área para a Casa Civil. A idéia é descontingenciar recursos e criar exceções para aumentar financiamentos de projetos de Estados e municípios. Depende, portanto, da área econômica.
 
Folha - O que o Ministério das Cidades tem a dizer sobre as invasões dos sem-teto, que estão ocupando tanto as páginas dos jornais?
Olívio Dutra -
Acho que estão invadindo mais as páginas dos jornais do que qualquer outra coisa. Agora, a sério, há várias manifestações sociais pipocando no país, o que, aliás, nem é coisa de agora. A crise de moradia e de saneamento básico é antiga e se agrava na medida em que o Estado brasileiro -União, Estados e municípios- pouco trabalhou e pouco vem investindo nessas questões.
Este governo não é o sal da terra, não é o causador dessa crise. Ele veio para alterar a lógica que produziu essa situação. E não é com mágica. Não vamos fazer nada precipitadamente. Até porque trabalhamos com escassez de recursos e precisamos ter imaginação, criatividade. A criação do Ministério das Cidades já é isso.

Folha - As pessoas não entendem: o que é o Ministério das Cidades?
Olívio -
Cuida de moradia, saneamento, mobilidade e acessibilidade de transporte urbano e organização espacial, tratando todos esses temas de forma articulada. Há sete órgãos cuidando de saneamento, por exemplo.

Folha - O governo tem informações sobre eventuais motivações políticas dos sem-teto?
Dutra -
Tu estás falando com o ministro das Cidades, não com um chefe de polícia, nem com o responsável pela inteligência. O ministério não tem que ter essa preocupação, tem de trabalhar dentro do Estado de Direito democrático, através do diálogo.

Folha - Como devem ser garantidas a lei e a ordem?
Olívio -
A orientação é respeitar o Estado de Direito democrático e as leis. E todas as partes têm que fazer isso. Está na lei, por exemplo, que o governo tem que fazer a reforma agrária. Se as leis não correspondem às necessidades, há formas democráticas de mudá-las. Inclusive a Constituição.

Folha - O governo já mapeou terras da União passíveis de reforma agrária. Nas cidades, há algum mapeamento sobre imóveis vazios?
Olívio -
O Estado precisa fazer esse levantamento, até porque muitos dos imóveis desocupados são públicos. Enquanto isso, convivemos com essa escassez toda.

Folha - Em São Paulo, já foram identificados 420 mil imóveis abandonados. Como compatibilizar imóveis vazios com tantas pessoas necessitando de moradia?
Olívio -
Nós estamos levantando quais prédios existem, qual a localização, qual a finalidade. E estamos discutindo amplamente que cidades queremos para nós.

Folha - Com os juros nessa altura e com o superávit primário acima de 5% do PIB, isso é possível?
Olívio -
Nada é isolado, estanquizado (sic). Tem o econômico, o financeiro, o social, o cultural, o político. Tudo isso se relaciona.

Folha - O sr. defende a queda dos juros, como o vice José Alencar?
Olívio -
Nós estamos trabalhando, e não é só este ou aquele ministério, para ter o governo governando e colocando em prática um projeto que não é abrupto.

Folha - E a crise? E as invasões?
Olívio -
Não existe democracia sem povo, não existe democracia sem lei.

Folha - O sr. fala sempre em tese. O que o sr. está fazendo na prática?
Olívio -
Nós já temos um programa de regularização fundiária. Há populações inteiras morando há bastante tempo em áreas federais que não são de risco. Se estão ali há mais de cinco anos, já preencheram os principais requisitos do Estatuto das Cidades.

Folha - O sr. pode quantificar?
Olívio -
São em torno de 40 milhões de brasileiros morando em situação informal ou irregular. O programa, em andamento, já cuida dessa parte importante.

Folha - E em São Paulo?
Olívio -
Já estivemos com a prefeita [Marta Suplicy, do PT] em várias áreas, e estamos reforçando esse programa da prefeitura, com assessoria, planejamento e recursos, claro. Também estão em andamento os projetos de financiamento para transporte, moradias e saneamento básico.

Folha - O programa de governo de Lula para habitação previa financiamento prioritário para até 12 salários mínimos, mas quem mais precisa é quem não tem renda nenhuma. Como compatibilizar financiamento com inclusão social?
Olívio -
É nisso que estamos trabalhando. O déficit é enorme e vem de décadas. São necessários 6,6 milhões de novas unidades, e mais de 12 milhões precisam ser qualificadas. 100% desse déficit está nas famílias com renda de 12 mínimos, mas a maior parte está nas de zero a três mínimos.

Folha - O programa do PT defende subsídios e dotações orçamentárias para isso.
Olívio -
Nós temos o PSH [Programa de Subsídios para a Habitação], um programa antigo da Caixa, mas que andava muito desmilinguido, além de desfocado. Os recursos estavam sendo mais aplicados em faixas acima de três mínimos. Reformamos o programa, para favorecer essa faixa.

Folha - E a ação emergencial que está para ser anunciada?
Olívio -
Dos R$ 5,3 bilhões anunciados pelo companheiro Lula aos prefeitos em maio, nós aplicamos nestes sete meses R$ 1,9 bilhão em construção e melhoria de habitações. É pouco, mas é muito mais do que vinha sendo feito.



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