São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008

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ELEIÇÕES 2008 / LEGISLATIVO

Escritórios de vereadores em SP viram comitês eleitorais

Candidatos à reeleição usam assessores parlamentares para trabalhar em campanha

Lei veta uso de servidores e prevê punição; políticos dizem não ver problema e alguns driblam proibição dando férias a funcionários


Raimundo Paccó/ Folha Imagem
Escritório e comitê do vereador Wadih Mutran (PP), na Vila Maria, em São Paulo

CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Candidato ao quinto mandato consecutivo na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Toninho Paiva (PR) transformou seu escritório político, um imóvel de três andares ao lado do shopping Metrô Tatuapé, em comitê eleitoral. Para chamar a atenção, espalhou placas de campanha pelo bairro e pendurou um enorme balão inflável no telhado.
Toninho não vê problemas em despachar ao lado de pilhas de panfletos e santinhos eleitorais. Sem constrangimento, admite que usa na campanha assessores parlamentares, que são pagos com dinheiro público. "Lógico. Eu não posso abrir mão. Ai dele [do assessor] se não trabalhar!", diz.
À Folha Toninho afirma que não vê "diferença nenhuma" entre escritório político e comitê eleitoral. Para ele, a campanha é uma extensão do trabalho parlamentar. "Eu continuo o atendimento à comunidade. A única diferença é que tem santinho de propaganda. Enquanto eu tiver mandato, eu estou em campanha", diz.
O petista Arselino Tatto é outro que não vê problemas no uso dos assessores em sua campanha. "O assessor parlamentar faz parte da política, do trabalho do vereador. Não vejo ilegalidade nenhuma", diz. Segundo ele, política "é uma coisa ampla". Tatto só discorda do uso de verba pública para o pagamento de comitês eleitorais.
Essa justaposição de funções explica por que muitos vereadores, como Wadih Mutran (PP) e Paulo Frange (PTB), têm dividido a jornada de trabalho. Segundo a Folha apurou, pela manhã vão aos comitês eleitorais e à tarde cumprem agenda na Câmara.
A vereadora Myryam Athie (PDT) defende que "não há como desassociar" o trabalho do vereador e do candidato. "Evidentemente que meu mandato se confunde com o próprio cargo que estou pleiteando novamente. Quem disser o contrário está sendo hipócrita", diz.
Segundo ela, as funções parlamentares não se extinguem na campanha, "elas dobram". "Numa época como essa, meu escritório é mais lotado de gente, cada vez mais gente pedindo mais favores." Athie, que sempre transforma seu escritório político em comitê eleitoral, estima em mais de 20 os assessores usados na campanha.
"São funcionários políticos e não têm jeito de não entrarem na campanha, querendo ou não, porque foram com eles que caminhamos os quatro anos", afirma a vereadora.
Athie compara a situação dos vereadores com a dos deputados. "Você tem um Congresso com parlamentares que têm uma verba e podem dividir com quantos funcionários quiserem e todos ficam envolvidos [em campanha]. Brasília pára."

Irregularidade
O promotor eleitoral Eduardo Rheingantz afirma que o uso de assessores parlamentares na campanha é conduta vedada ao agente público e passível de punição, segundo a lei 9504/97.
"Ceder servidor ou usar seus serviços em comitê eleitoral é proibido por lei. Há uma ampla doutrina vedando essa prática." De acordo com o promotor, se confirmada a infração, o candidato pode ter seu registro cancelado ou, uma vez eleito, o mandato cassado.
A maioria dos vereadores que admite o uso de assessores parlamentares na eleição já estão em seu quarto ou quinto mandato. Mas a prática é disseminada também entre os mais novos, como a Folha pôde comprovar ao percorrer cerca de 15 comitês de campanha nas últimas duas semanas.
No comitê do tucano Juscelino Gadelha, a reportagem obteve até o cartão de visita de uma assessora oficial. Na frente, o brasão da Câmara; no verso, um carimbo com o endereço e os telefones do comitê.

Férias
Nem todos os vereadores incorrem no erro. Alguns resolveram dar férias aos funcionários do gabinete para que eles pudessem trabalhar na campanha. Outros simplesmente demitiram os assessores, como é o caso de Milton Leite (DEM). "Assim a gente corta todo o vínculo e não tem problema", afirma o vereador.
Em 18 de junho, Leite também protocolou, na secretaria da Câmara, comunicado em que abre mão da verba indenizatória para o pagamento das contas de eletricidade, água e outras despesas do escritório político -também transformado em comitê eleitoral.
Aurélio Nomura (PV) diz que a solução para evitar o conflito de interesses é ter o comitê separado do escritório. "Coloquei cada um de um lado da rua. Não misturo a bagunça e nem as contas", diz. Goulart (PMDB) deu férias para oito assessores, que vão ajudar na campanha. Os outros dez, segundo ele, ficam no gabinete.
Mutran e Gadelha não responderam aos recados deixados em seus gabinetes.


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